Registro: 2019.0000515378
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011360-52.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MIRIAM CHINALLI (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados EDITORA FTD e GABRIEL CHALITA.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U. Fará declaração de voto o 3º Juiz.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAIA DA CUNHA (Presidente sem voto), MAURÍCIO CAMPOS DA SILVA VELHO E ENIO ZULIANI.
São Paulo, 27 de junho de 2019
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA RELATOR
Assinatura Eletrônica
Apelação Cível n.º 1.011.360-52.2013.8.26.0100 Apelante: MIRIAM CHINALLI
Apelados: EDITORA FTD E GABRIEL CHALITA
Comarca: SÃO PAULO
Voto n.º 42.493
Indenização por danos materiais e morais. Apelante contratada por editora para o cargo de editora-assistente. Autor das obras apresentou material de sua criatividade, cabendo à apelante complementar ou alterar itens, auxiliando o autor. Criatividade é do escritor, e não da editora-assistente. Pretensão de que seja reconhecida a coautoria nas obras não pode sobressair. Prova técnica analisou questões estritamente de âmbito de complementação ou alterações não significativas. Criatividade do escritor/autor deve prevalecer com exclusividade. Prova oral não teve repercussão efetiva para o desfecho da lide. Caberia à própria recorrente comprovar, de forma clara e precisa, o que alegara, porém não demonstrou o necessário. Sentença que se apresenta adequada, observando o devido processo legal. Improcedência da ação em condições de prevalecer. Apelo desprovido.
1. Trata-se de apelação interposta tempestivamente, com base na r. sentença de págs. 1.115/1.125, que julgou improcedente ação de indenização por danos materiais e morais, envolvendo editora-assistente que teria participado como coautora de obras literárias.
Alega a apelante que a sentença é nula, pois o laudo pericial acostado concluiu, de forma reiterada, haver coautoria da obra, resultado da contribuição igualitária e indissociável entre as contribuições da apelante e do coapelado. Expõe que não possui o magistrado conhecimentos técnicos e especializados na matéria para identificação da criação intelectual, não cabendo, assim, afastar prova fundamental para a resolução da lide. Ressalta a nulidade em razão da valoração equivocada das obras, haja vista que o magistrado achou mais relevante o depoimento de informantes do que o laudo pericial formulado por renomada perita. A seguir cita trechos de depoimentos testemunhais, além de apontar que a sentença, sem qualquer embasamento legal ou doutrinário, procedeu à comparação equitativa entre a sua criação e a do corréu Chalita, ignorando o parecer técnico. Em sequência enfatiza a designação do cargo ocupado por ela na época dos fatos, sendo que nenhuma das testemunhas utilizou a expressão 'original' ou 'originais' para se referir ao resultado do trabalho de qualquer outro funcionário da editora apelada. Requer, assim, o provimento do apelo para que a ação seja julgada procedente.
O recurso foi contra-arrazoado, rebatendo integralmente a pretensão da apelante, págs. 1.147/1.156 e 1.157/1.182.
É o relatório.
2. A r. sentença apelada merece ser mantida.
Versam os autos sobre ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada pela ora apelante, aduzindo que é coautora de obra escrita pelo coapelado, Gabriel Chalita, integrantes da coleção 'Cidadania e Liberdade de Escolha'.
Afirma que foi contratada, na qualidade de editora assistente, todavia, no desenvolvimento da obra, foi chamada a complementar a redação dos originais, dada a incompletude e inadequação do material ao projeto editorial, entretanto, o crédito de autoria foi atribuído exclusivamente ao coapelado, sendo à apelante concedida apenas uma participação a título de 'consultoria técnica e pedagógica', o que vai de encontro com a Lei de Direitos Autorais, diante de sua participação criativa nas obras.
Pois bem.
O devido processo legal foi observado, não se vislumbrando a pretensa nulidade da sentença por avaliação errônea das provas produzidas.
A apelante, efetivamente, não comprovou o que alegara, pois ressaltou, de forma clara e precisa, que seria coautora das obras em referência, porém, nada demonstrou, sendo que a sentença levou em consideração as provas produzidas: oral, documental e pericial, apontando, inclusive, que os originais trazidos pela apelante, em que se visualizara a versão final de parte dos livros, baseavam-se em um conto ou história, em regra, criado pelo corréu Chalita.
Ademais, atos como rejeição de texto pela editora devem estar previstos em contrato, observando-se que o editor-assistente costuma manter um contato direto com o autor da obra, o que também não ficou caracterizado no caso em exame, não podendo confundir coautoria de uma obra com trabalho de revisão ou complementação.
Assim, a apelante se arvora de coautora, mas não apresenta, de modo efetivo, o que teria sido criado e que não tivesse nenhum vínculo com o que fora apresentado pelo então escritor Gabriel Chalita, consequentemente, a colaboração, por si só, é insuficiente para dar guarida de coautoria em obra literária.
O laudo pericial fizera referência expressa sobre a contribuição da apelante abrangendo auxílio para o qual fora contratada, existindo, além da apelante, uma equipe que também participara dos trabalhos, sendo que o auxílio em referência não admite interpretação extensiva configurada em coautoria.
Deste modo, a colaboração técnica e pedagógica desenvolvida pela apelante não configura referido mister como se fosse coautora das obras, pois deve prevalecer a criação do coapelado, Chalita, que tem a ideia básica originária do próprio intelecto, havendo alguma moldura, se tanto, de outrem, que pode ser uma equipe ou mesmo um editor-assistente para auxiliá-lo.
Convém observar que a prova técnica, pág. 987, explicitou que os textos de autoria isolada do correquerido Gabriel Chalita, e não reivindicados pela requerente, podem ser publicados de modo independente, já que se trata de obras inteiras e acabadas, e não de textos intermediários e dependentes de texto anterior para se complementarem, realçando, ainda, a finalidade didática, apesar de ficcionais também, além de destacar um trabalho complementar e conjunto da apelante, enfatizando que os textos ficcionais são de autoria única e exclusiva de Gabriel Chalita, pág. 988, frisando que a autora fora contratada e paga pelo cargo de assistente editorial nas obras em exame.
Destarte, não se identifica embasamento para alteração da decisão, haja vista que a sentença se apresenta clara e precisa, além de devidamente fundamentada.
Finalmente, em decorrência do desfecho da demanda, majora-se a verba honorária para 20% do valor atualizado da causa, em observância ao artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, ressalvado o benefício da gratuidade de justiça concedido, pág. 387.
3. Com base em tais fundamentos, nega-se provimento ao apelo.
A284
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA RELATOR
VOTO Nº. 53042.
APELAÇÃO 1011360-52.2013.8.26.0100. COMARCA: SÃO PAULO
APELANTE: MIRIAM CHINALLI APELADOS: EDITORA FTD E OUTRO
Juiz(a) prolator: Patrícia Martins Conceição
Coautoria em obra artística ou literária.
Postulação de empregada da editora que, como integrante da equipe de revisão, redigiu textos e frases que explicariam melhor os textos ficcionais encaminhados pelo autor.
De acordo com a necessária investigação da essencialidade da obra ou o lado subjetivo da criação, é forçoso concluir que o apoio e trabalho incorporado não altera a criação idealizada pelo verdadeiro e exclusivo autor, sendo inadmissível repartir os créditos da paternidade.
Sentença de improcedência deve ser mantida. Não provimento.
Vistos.
Breve síntese.
Propôs o eminente Relator, Desembargador Natan Zelinschi de Arruda, NEGAR PROVIMENTO ao recurso que lhe foi distribuído e que retrata o inconformismo da autora da ação, MIRIAM CHINALLI, com o resultado de improcedência formulado para se reconheça com os respectivos créditos morais e vantagens patrimoniais, de coautoria da coleção "Cidadania e Liberdade de Escolha", atribuída a Gabriel Chalita. O pleito foi endereçado a Gabriel Chalita e a EDITORA FTD, sendo que a base da sustentação do recurso reside no parecer técnico subscrito pela Perita, Dra. ELIANE Y. ABRÃO, concluído com opinião de que a autora foi coautoria pela quantidade de páginas que redigiu para incorporar aos textos apresentados por Chalita (fls. 852). A Perita manteve a posição (fls. 985-992) apesar das criticas formuladas por profissional do seu gabarito (Dra. Maristela Basso fls. 896/904).
II Razões da convergência.
O voto do digno Relator dispensa acréscimos. Lanço frases por dever regimental.
ANTÔNIO CHAVES ao dissertar sobre a participação de um ou mais sujeito na composição de uma obra de direito autoral, lembrou que existem modos de contribuir e participar e que nem sempre quem auxilia a composição de uma obra atua como co-autor, afirmando: "Para que a cooperação dê a qualidade de autor é necessário, acentua-se, que ela tenha certa importância e dignidade intelectual" (Direito de autor Princípios fundamentais, Forense-RJ, 1987, vol. I, p. 95).
JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO propôs, para solucionar esse dilema, a diferenciação entre colaborações essenciais e acessórias, lembrando que por maior empenho que façam os auxiliares, preparando notas, corrigindo textos e outros arranjos necessários, os seus trabalhos não formam co-autoria, porque "não há outra criação intelectual autônoma, mas uma tarefa meramente auxiliar" (Direito Autoral, Forense, RJ, 1980, p. 57, § 41).
A própria Lei 9610/1998 se encarregou de definir o que seria obra em coautoria (art. 5º, VIII, "a"): "quando é criada em comum, por dois ou mais autores". Não é fácil combinar duas mentes agraciadas pelos dons criativos para que seus intelectos funcionem em conjunto e normalmente em músicas essa duplicidade (ou até mais forças criativas se somam) produz obras maravilhosas e que não existiriam ou não viriam ao mundo não fosse o impulso próprio de cada um dos idealizadores, como Tom Jobim e Vinicius de Moraes ou de maneira mais popular, Roberto e Erasmo Carlos. Na edição de livros --literários ou didáticos --, a funcionalidade da parceria parece mais difícil ou improvável, considerando as fases embrionárias do roteiro que se finaliza com o suporte físico (a redação para a impressão ou o necessário para a comunicação ao público).
Esse introito serve apenas para destacar que a co-autoria em obra protegida ou fruto do intelecto há de existir pela simbiose perfeita entre os coautores, sendo impensável que algo se crie por duas cabeças sem que haja inteira e profunda interação ou compartilhamento das ideias, dos projetos, das estruturas, das essencialidades, dos objetivos, da forma de escrever para o público alvo, das intenções para cativar (prender o leitor) e estimular o pensamentos, porque todos esses (e outros que certamente escapam a esse juiz) são atributos naturais da vocação artística. O que se quer dizer é que não existe obra comum se um autor é artista e outro é técnico, por faltar o ingrediente que une os esforços para a elaboração da obra protegida.
A autora é uma excelente profissional e, sem dúvida, atuou de forma positiva para que o suporte físico da obra idealizada por Gabriel Chalita chegasse ao seu clímax, com a edição em quatro cadernos, tanto que as frases que elaborou e que foram integradas aos enredos, em termos de quantidade, ganham dos parágrafos de Gabriel Chalita. Entende-se a colocação da perícia que, diante de tamanha colaboração, considera ter ocorrido mais do que revisão pura e simples ou mera adaptação, mas, sim, trabalho digno de atribuir fração ideal (1/3) da obra.
É preciso, para bem compreender o espírito da lei, enveredar em um caminho recheado de obstáculos e que envolve o desvendar mais íntimo da obra analisada: a criação. O requerido Gabriel Chalita é o idealizador do trabalho que veio a lume em oito cadernos, sendo que em apenas quatro a autora reivindica participação como coautora. O plano da obra, realmente inusitado, envolve uma incumbência que extrapola aquilo que se coloca como "didático", por constituir em pequenas historias ficcionais que conduziriam o público infantil a refletir sobre valores de cidadania. Os conteúdos são ou deveriam ser inspiradores dessa retomada de consciência, representando uma ideologia que avança sobre os ensinamentos básicos das primeiras etapas da escolaridade. São, guardadas as proporções, verdadeira parábolas de leitura fácil e bem assimilável e que forçam o pequeno leitor a prestar atenção em suas coisas, nas dos colegas e da vida que se oferece a ele para viver com liberdade e respeito.
Todos os textos foram produzidos por Gabriel Chalita. A autora não produziu absolutamente nada sobre os conteúdos que são "a alma" da obra investigada. Isso permite concluir, na esteira do que entenderam os meus colegas que votaram com antecedência, que o trabalho da autora não passou de um apoio técnico, com adendos próprios que foram importantes como elementos secundários ou sem mudanças estruturais do lado artístico ou personalíssimo. Esse suporte que a autora deu e que, cabe reconhecer, comportaria uma nota de agradecimento em maior expansão do que aquela cunhada no prefácio, mais se enquadra como incumbência logística de seu trabalho (editorial) do que entrosamento com o autor, porque da equipe da redação é que se espera ou se exige um mapeamento que a minuta apresentada pelo autor chegue ao ponto de ser encaminhado para a máquina de impressão.
No laudo consta que os trechos de Gabriel Chalita são capazes de, reunidos, formatar um livro ficcional ou de contos, o que prova a grandeza de espírito, o que é fundamental em termos de obra literária ou artística. Já os trechos preparados pela autora e que foram encartados nos cadernos, não sobrevivem sozinhos ou não se explicam se forem publicados desacompanhados dos originais de Chalita. A obra, pelos acréscimos da autora, não foi transformada em indivisível, como se constituíssem partes inseparáveis; a autora, como integrante da equipe de revisão de textos e encarregada da redação, recebeu incumbência de preparar textos alternativos para melhor compreensão da parte objetiva. O seu trabalho, eficiente, não transborda ao que normalmente ocorre entre editora e autor para os acertos finais, o que desautoriza dar qualquer fração de crédito da autoria.
III Capítulo final.
Nega-se provimento.
ÊNIO SANTARELLI ZULIANI
3º Juiz
Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais:
Pg. inicial |
Pg. final |
Categoria |
Nome do assinante |
Confirmação |
1 |
5 |
Acórdãos Eletrônicos |
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA |
C9D43C3 |
6 |
9 |
Declarações de Votos |
ENIO SANTARELLI ZULIANI |
CA3F25E |
Para conferir o original acesse o site: https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo 1011360-52.2013.8.26.0100 e o código de confirmação da tabela acima.