RECURSO
ESPECIAL Nº 1.843.507 - SP (2017/0048700-1)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO RECORRENTE
: ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO -
SP010784
PASCOAL BELOTTI NETO - SP054914
JOSÉ
THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO
ADVOGADOS
: LUIZ CARLOS TONIN - SP086190
CLAYTON DE CAMPOS EUZEBIO -
SP223318
EMENTA
RECURSO
ESPECIAL. DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE E DESENHO INDUSTRIAL.
ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA NULIDADE DOS DIREITOS
DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO CURSO DE AÇÃO DE INFRAÇÃO EM TRÂMITE NA JUSTIÇA
ESTADUAL. ARTS 56, § 1º, E 118 DA LEI N. 9.279/96. REDAÇÃO CLARA DA LEI NO
SENTIDO DA POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE COMO MATÉRIA DE DEFESA.
RESSALVA APLICÁVEL APENAS A PATENTES E A DESENHOS INDUSTRIAIS. RESSALVA NÃO
APLICÁVEL A MARCAS.
1.
A Lei n. 9.279/96 – Lei de
Propriedade Industrial - exige, como regra, a participação do INPI, autarquia
federal, nas ações de nulidade de direitos da propriedade industrial.
2.
Nos termos dos arts. 57, 118 e
175 da Lei n. 9.279/96, as ações de nulidade de patentes, desenhos industriais
e de marcas devem ser propostas perante a Justiça Federal.
3.
Esse mesmo diploma legal, no
entanto, faz uma ressalva expressa no que diz respeito às patentes e aos
desenhos industriais, ao possibilitar a arguição de sua nulidade pelo réu, em
ação de infração, como matéria de defesa, dispensando, excepcionalmente,
portanto, a participação do INPI.
4.
Essa ressalva não é aplicável às
marcas.
5.
O reconhecimento da nulidade de
patentes e de desenhos industriais pelo juízo estadual, por ocorrer apenas
"incidenter tantum", não faz coisa julgada e não opera efeitos para fora
do processo, tendo apenas o condão de levar à improcedência do pedido veiculado
na ação de infração.
6.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos
os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 06 de outubro de
2020(data do julgamento)
MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO
Relator
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.843.507 - SP (2017/0048700-1)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO RECORRENTE
: ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO -
SP010784
PASCOAL BELOTTI NETO - SP054914
JOSÉ
THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO
ADVOGADOS
: LUIZ CARLOS TONIN - SP086190
CLAYTON DE CAMPOS EUZEBIO -
SP223318
RELATÓRIO
O
EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto
por ELETRO METALÚRGICA VENTI DELTA LTDA contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, que negou provimento ao agravo retido e deu provimento à
apelação no curso da ação proposta por SIDNEI EVARISTO MAZOCCO.
A ementa do acórdão recorrido foi redigida nos seguintes
termos (e-STJ fls. 1.138):
RECURSO - Agravo retido - Formulação de
quesitos suplementares por meio dos quais pretendia a ré obter a manifestação
do perito sobre o parecer elaborado pelo assistente técnico - Ré que pretendia
comprovar a nulidade das patentes concedidas ao autor - Nulidade que só pode
ser discutida perante a Justiça Federal - Manifestação do perito sobre o laudo
do assistente técnico que, por esse motivo, mostra-se irrelevante - Agravo
retido desprovido.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C PERDAS E
DANOS -
Autor que é titular de algumas patentes -
Alegação de nulidade dos registros - Necessidade de prévio decreto de nulidade
do registro perante a Justiça Federal - Impossibilidade de reconhecimento da
nulidade de maneira incidental pela Justiça Estadual - Julgados recentes do C.
STJ e deste E. TJSP nesse sentido - Procedência do pedido de que a ré se
abstenha de fabricar, comercializar e ter em estoque qualquer material
relacionado com as patentes mencionadas na inicial - Lucros cessantes - Autor
que é sócio proprietário da empresa que produz e comercializa com exclusividade
os produtos por ele patenteados - Hipótese em que, sendo os produtos produzidos
e comercializados pela empresa, e não pelo autor, caberia à primeira ajuizar a
ação competente a fim de receber indenização pelos benefícios que teria
auferido caso a violação não tivesse ocorrido, bem como para receber os
benefícios que foram auferidos pela ré - Critério destacado no inciso III do
art. 210 da Lei 9.279/96 que, no entanto, deve ser observado - Remuneração que
a ré, autora da violação, teria pago ao autor, titular do direito violado, pela
concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem – Lucros
cessantes a serem fixados em liquidação por arbitramento - Ação parcialmente
procedente – Maior sucumbência da ré - Recurso provido em parte.
Opostos embargos de declaração (e-STJ
fls. 1.147-1.148 e 1.150-1.155), foram acolhidos com efeitos modificativos, em
acórdão cuja ementa foi redigida nesses termos (e-STJ fls. 1.159):
RECURSO - Embargos de declaração - Omissão -
Termo inicial de incidência dos juros e da correção monetária - Ausência
constatada - Aplicação das Súmulas 54 e 362 do Colendo STJ – Embargos acolhidos
com efeito modificativo.
Em suas razões, a recorrente alega, além
da ocorrência de dissídio jurisprudencial, a violação dos arts. 56, § 1º, e 57 da
Lei n. 9.279/96, do art. 535, II, do CPC e dos arts. 397 e 405 do CC,
sustentando: a) que o art. 57 da Lei n. 9.279/96 aplica-se apenas às ações
anulatórias propostas por terceiro ou pelo INPI com o objetivo de retirar, erga omnes, a validade do direito de
propriedade industrial, sendo que, em casos como o presente, em que a nulidade
foi arguida como matéria de defesa, ela se dará de forma incidental e inter partes, o que é autorizado pelo
art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96; b) que entendimento contrário levaria ao
absurdo de não poder o réu se defender invocando a nulidade do direito de que é
titular o autor, obrigando-o a ingressar com ação perante a Justiça Federal,
com caráter erga omnes, para ver declarada,
em benefício de todos, a nulidade do direito de propriedade industrial; c) que
o Tribunal de origem não se manifestou acerca da necessidade de complementação
da perícia, em razão da contradição do laudo, que dizia respeito não à nulidade
dos direitos de propriedade industrial, mas, sim, à alegação de que os produtos
por ela fabricados não teriam características reivindicadas pelo autor; d) que
os juros moratórios devem incidir apenas depois de sua intimação acerca da
liquidação do débito ou a partir de sua citação na ação de conhecimento (e-STJ
fls. 1.170-1.202).
Foram apresentadas as contrarrazões
(e-STJ fls. 1.234-1.245).
O recurso especial teve seu seguimento
negado pelo Presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça
(e-STJ fls. 1.250-1.252).
Interposto agravo (e-STJ fls. 1.255-1.290),
a ele neguei provimento (e-STJ fls. 1.366-1.373).
A recorrente se manifestou às fls.
1.317-1.321 e-STJ, informando ter ingressado com ação de nulidade da patente e
dos desenhos industriais do recorrido, tendo sido deferida a tutela de urgência
naquela demanda, o que justificaria a suspensão da presente demanda até o
trânsito em julgado daquela ação, em razão da prejudicialidade externa.
Interposto agravo interno (e-STJ fls.
1.377-1.395), em juízo de retratação, determinei sua reautuaçao como recurso
especial, de modo a permitir melhor exame da controvérsia (e-STJ fls.
1.415-1.419).
Vieram-me conclusos os autos. É o
relatório.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.843.507 - SP (2017/0048700-1)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO RECORRENTE
: ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO -
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JOSÉ
THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO
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: LUIZ CARLOS TONIN - SP086190
CLAYTON DE CAMPOS EUZEBIO -
SP223318
EMENTA
RECURSO
ESPECIAL. DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE E DESENHO INDUSTRIAL.
ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA NULIDADE DOS DIREITOS
DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO CURSO DE AÇÃO DE INFRAÇÃO EM TRÂMITE NA JUSTIÇA
ESTADUAL. ARTS 56, § 1º, E 118 DA LEI N. 9.279/96. REDAÇÃO CLARA DA LEI NO
SENTIDO DA POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE COMO MATÉRIA DE DEFESA.
RESSALVA APLICÁVEL APENAS A PATENTES E A DESENHOS INDUSTRIAIS. RESSALVA NÃO
APLICÁVEL A MARCAS.
1.
A Lei n. 9.279/96 – Lei de
Propriedade Industrial - exige, como regra, a participação do INPI, autarquia
federal, nas ações de nulidade de direitos da propriedade industrial.
2.
Nos termos dos arts. 57, 118 e
175 da Lei n. 9.279/96, as ações de nulidade de patentes, desenhos industriais
e de marcas devem ser propostas perante a Justiça Federal.
3.
Esse mesmo diploma legal, no
entanto, faz uma ressalva expressa no que diz respeito às patentes e aos
desenhos industriais, ao possibilitar a arguição de sua nulidade pelo réu, em
ação de infração, como matéria de defesa, dispensando, excepcionalmente,
portanto, a participação do INPI.
4.
Essa ressalva não é aplicável às
marcas.
5.
O reconhecimento da nulidade de
patentes e de desenhos industriais pelo juízo estadual, por ocorrer apenas
"incidenter tantum", não faz coisa julgada e não opera efeitos para fora
do processo, tendo apenas o condão de levar à improcedência do pedido veiculado
na ação de infração.
6.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
VOTO
O
EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Eminentes Colegas, merece provimento o
presente recurso especial.
A questão controvertida diz respeito à
possibilidade de, em ação de infração de patente de modelo de utilidade e de
desenho industrial, o réu alegar, em sua defesa, a nulidade de tais direitos de
propriedade intelectual, em razão da ausência dos requisitos necessários à sua
concessão, à luz do art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96.
A questão não é nova, havendo diversos
julgados desta Terceira Turma acerca do tema.
Porém, melhor examinando a controvérsia,
entendo que casos como o presente evidenciam a necessidade, não de alteração,
mas de um aperfeiçoamento no entendimento jurisprudencial até então esposado
por esta Corte.
Os autos versam acerca de ação de infração
de uma patente e de dois desenhos industriais, direitos de propriedade
intelectual que conferem ao seu titular a prerrogativa de impedir terceiros de
utilizar, de forma comercial, respectivamente, o modelo de utilidade e as
formas plásticas ornamentais neles reivindicadas.
O modelo de utilidade em questão diz
respeito a uma disposição introduzida em pedestal telescópico, enquanto os
desenhos industriais referem-se a aplicações para grade e suporte-base de
ventilador, cujas reivindicações estariam sendo implementadas, sem autorização,
pelo réu.
O réu, em sua defesa, alega, além da
ausência de infração, a invalidade dos direitos de propriedade industrial que
fundamentam a ação, por lhes faltarem os requisitos essenciais exigidos pelos
arts. 8º e 95 da Lei n. 9.279/96, quais sejam, a novidade e a atividade
inventiva, no caso da patente, e a novidade e a originalidade, no caso dos
desenhos industriais.
O Tribunal de origem entendeu, na linha
da jurisprudência desta Corte, que não seria possível, no bojo de uma ação de
infração, examinar-se a nulidade da patente e dos desenhos industriais, o que
deveria ser arguido em ação própria, de competência da Justiça Federal, tendo,
assim, deixado de analisar tais alegações.
O recorrente, por sua vez, defende que o
art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial) expressamente
dispõe acerca da possibilidade de se arguir a nulidade da patente e dos
desenhos industriais como matéria de defesa, de tal sorte que o entendimento
adotado pelo Tribunal de origem ensejaria limitação indevida em seu direito de
defesa.
Entendo que assiste razão ao recorrente.
Este Superior Tribunal – há muito – tem
entendimento firmado no sentido de que a nulidade de marca registrada deve ser
necessariamente arguida em ação própria, com a participação do INPI, a ser
ajuizada perante a Justiça Federal, não podendo ser reconhecida de forma
incidental em ação de infração de marca em trâmite na Justiça Estadual.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes
julgados:
Ação
cominatória. INPI. Registro. Nulidade incidental. Marca. Expressão "no
breaks" e sigla "UPS". Exclusividade de uso pelo titular do
registro.
1.
Não existe violação do art. 515,
§ 1º, do Código de Processo Civil quando a questão decidida foi devolvida ao
Tribunal.
2.
Estando
registrada a marca no INPI, não é possível a sua utilização por terceiro antes
de desconstituído o respectivo registro via ação própria, ausente no caso dos
autos qualquer particularidade capaz de excepcionar essa orientação.
3.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 325.158/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/
Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em
10/08/2006, DJ 09/10/2006, p. 284)
RECURSO
ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. TUTELA
INIBITÓRIA. DEMANDA PROCEDENTE. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC/1973.
NULIDADE DA MARCA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. JULGADOS DESTA CORTE
SUPERIOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. IRREGULARIDADE DA
REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. SANATÓRIA GERAL.
1.
Controvérsia acerca da rescisão
de sentença que condenou a empresa ora recorrente a se abster de usar a marca
"Café da Roça", de titularidade da ora recorrida.
2.
Negativa de prestação
jurisdicional não verificada na espécie.
3.
Incompetência
da Justiça comum estadual para apreciar, ainda que em caráter incidental,
alegação de invalidade de marca, por se tratar de controvérsia que envolve
interesse de autarquia federal, o INPI. Julgados desta Corte Superior.
4.
Caso concreto em que a autora da
rescisória alegou invalidade da marca "Café da Roça" em razão do
caráter genérico de seus elementos constitutivos (violação à literalidade do
art. 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial), controvérsia que escapa
à competência da Justiça comum estadual, nos termos do item 3, supra.
5.
Não conhecimento da ação
rescisória no que tange ao fundamento da invalidade da marca.
6.
Cabimento de ação rescisória na
hipótese em que o juízo fundamentou a sentença em fato inexistente, não tendo
havido controvérsia na demanda originária sobre esse ponto. Doutrina sobre o
tema.
7.
Caso concreto em que se mostra
inviável contrastar o entendimento do Tribunal de origem acerca da
transferência da titularidade da marca à ora recorrida, pois tal providência
demandaria reexame dos elementos probatórios carreados aos autos.
Óbice
da Súmula 7/STJ.
8.
Alegação de irregularidade da
representação processual em virtude da ausência de identificação da pessoa que
subscreveu a procuração outorgada pela empresa autora da demanda originária.
9.
Caráter preclusivo e sanável
desse vício, operando-se a força sanatória geral da coisa julgada. Doutrina
sobre o tema.
10.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp 1738014/MG, Rel. Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 15/06/2018)
Esse entendimento mostra-se irretocável,
uma vez que o art. 175 da Lei de Propriedade Industrial exige que a ação de
nulidade do registro de marca seja ajuizada no foro da Justiça Federal, devendo
o INPI, quando não for o autor, necessariamente intervir no feito.
Não há, na lei, qualquer exceção a essa
regra.
O mesmo, porém, não ocorre no que diz
respeito à patente e ao desenho industrial.
Embora os três institutos caracterizem-se
por serem direitos da propriedade industrial, submetidos, todos, à disciplina
da Lei n. 9.279/96, é inegável que a marca, a patente e o desenho industrial
apresentam natureza e finalidade muito distintas, a demandar um exame mais
detalhado de sua regulamentação.
A marca confere ao seu titular o direito
de fazer uso exclusivo de um determinado sinal em produtos ou serviços
semelhantes àqueles por ele identificados. Sua finalidade primordial é evitar a
ocorrência de confusão, do que decorre uma proteção bipartida: com a
exclusividade, protege-se o consumidor, que, por meio do signo, tem condições
de saber a origem comercial dos bens e serviços e, assim, reproduzir com
segurança suas experiências prévias de consumo; e protege-se também o titular
da marca, que pode impedir que terceiros se aproveitem indevidamente dos
investimentos feitos por ele na construção da qualidade de seus produtos e da
sua própria identidade perante seu público consumidor. Uma vez que a marca se
destina à criação de um vínculo entre o signo e o produto por ele identificado,
ela não é temporária, vale dizer, embora o registro tenha vigência de 10 anos,
ele pode ser prorrogado indefinidas vezes.
Diferentemente, a patente e o desenho
industrial não se dirigem à construção de uma associação a ser feita no mercado
consumidor.
Eles constituem direitos de
exclusividade temporários, conferidos com a finalidade de incentivar o
desenvolvimento tecnológico.
O titular da patente e do desenho
industrial tem, por meio da exclusividade conferida pelo Estado, uma vantagem
competitiva, o que lhe possibilita recuperar os investimentos anteriormente
realizados em pesquisa e desenvolvimento, bem como na atividade criativa.
A patente protege a invenção e o modelo
de utilidade, enquanto o desenho industrial protege a forma plástica ornamental
de determinados produtos.
Esses direitos são, por sua própria
essência, necessariamente temporários, tendo a duração máxima de 20 anos, no
caso das patentes de invenção, de 15 anos, no caso de patentes de modelo de
utilidade, e de 25 anos, no caso de desenho industrial.
Em razão das diferenças intrínsecas a
cada um desses direitos da propriedade industrial, apenas superficialmente
indicadas acima, a Lei n. 9.279/96 cuidou de regulamentá-los separadamente,
destinando, a cada um deles, um título específico: as patentes são reguladas no
Título I, os desenhos industriais no Título II e as marcas no Título III.
No Título I, o art. 57 determina que a
ação de nulidade de patente, à semelhança da ação de nulidade de marca, deve
ser ajuizada no foro da Justiça Federal, sendo que o INPI, quando não for o
autor, deve necessariamente intervir no feito.
O art. 56, § 1º, porém, traz uma
ressalva expressa, que não foi feita com relação às marcas. Segundo a redação
explícita do referido enunciado normativo, verbis:
§ 1º A
nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de
defesa.
No Título III, o art. 118 da Lei de
Propriedade Industrial estende aos desenhos industriais essa ressalva, ao
determinar que devem ser aplicadas à ação de nulidade de registro de desenho
industrial, no que couber, as disposições dos arts. 56 e 57.
Disso decorre que, embora, não seja
possível o reconhecimento incidental da nulidade de marcas, o exame incidenter tantum da nulidade de
patentes e de desenhos industriais se mostra perfeitamente possível, decorrendo
essa possibilidade de determinação expressa de lei.
Nesse
sentido, afirma Denis Borges Barbosa (in A Nulidade Incidental de Marca, artigo
disponível em
<https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/a-nulidade-incidental-de-marca-
janeiro-de-2012.pdf>, acessado em 10/09/2020) :
“É assente em granito que é possível
suscitar nulidade incidental de patentes: (CPI/96) Art. 56. § 1º A nulidade
da patente poderá ser arguida a qualquer tempo, como matéria de defesa. (...) Mas nada parecido existe na lei em vigor
quanto à nulidade incidental de marcas”. (Grifou-se)
Jacques Labrunie ressalta que a
possibilidade de arguição de nulidade de patentes como matéria de defesa em
ações cíveis configura inovação expressa da Lei n. 9.279/96 (in Direito de Patentes: Condições legais de
obtenção e nulidade. Barueri: Editora Manole, 2006, p. 129/131):
“A Lei nº 9.279/1996 trouxe uma disposição
nova, de suma importância, ao determinar, no § 1º, do art. 56, que a nulidade
poderá ser arguida como matéria de defesa a qualquer tempo. Como visto, a ação
de nulidade de patente tem foro e rito próprios. Entretanto, já no direito
anterior, estava prevista a possibilidade de o réu alegar a nulidade da
patente, como matéria de defesa, em ação criminal, nos termos do art. 188, do
Decreto-lei nº 7.903/1945. Nossos tribunais entendiam que a absolvição do réu
era absolutamente pertinente na ação criminal em que ficasse provada a nulidade
da patente, pretensamente violada... A lei atual traz disposição idêntica à
constante do art. 188, do revogado Decreto-lei nº 7.903/1945, no que se refere
à possibilidade de a nulidade constituir-se matéria de defesa na ação penal
(art. 205). Apesar de não haver dispositivo expresso sobre tal possibilidade em
eventual ação civil, o parágrafo único
do art. 56 permite expressamente a alegação de nulidade como matéria de defesa,
em qualquer juízo (criminal ou civil), pois nesse dispositivo não há restrição
de tempo, justiça, foro ou instância. Conclui-se, sem sombra de dúvida, que a
nulidade pode ser alegada, atualmente, como matéria de defesa, também no juízo
civil. (Grifou-se)
Note-se que não há, com isso, qualquer
usurpação da competência da Justiça Federal. Como é cediço, a competência
federal não é determinada em razão da matéria, mas, sim, em razão da pessoa,
verificando-se sempre que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, nos termos do art. 109, I, da Constituição.
E não é a Constituição, mas a própria
Lei n. 9.279/96 quem estabelece a necessidade de participação do INPI nas ações
de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais, respectivamente nos
arts. 175, 57 e 118.
Não há qualquer óbice, portanto, a que
essa mesma lei preveja uma exceção a essa regra nos arts. 56, § 1º, e 118,
ressalvando expressamente a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e
de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de
competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do
INPI.
Isso foi afirmado pela Quarta Turma
desta Corte, no RMS 625/RJ, de relatoria do saudoso Ministro Athos Gusmão
Carneiro, verbis:
“Alega a impetrante tal nulidade em última
análise pela incompetência absoluta da Justiça estadual, eis que a marca de
serviço estava registrada no INPI 'e portanto amparada por lei federal'.
Todavia, razão não lhe assiste, eis que o INPI
não foi parte na causa, nela não assumiu a posição de autor, ré, assistente ou
opoente (C.F., artigo 109, I), tratando-se de relação jurídica processual em
que foram partes, exclusivamente, pessoas jurídicas de direito privado. A
simples circunstância de o v. acórdão haver, incidenter e como fundamento do julgado, declarado nulo o registro
objeto pela ora impetrante, não operou coisa julgada material a respeito do
registro (CPC, art. 469) e não deslocou a causa para a Justiça Federal”.
Note-se, ainda, que esse reconhecimento
incidental de nulidade em ação de infração de patentes e de desenhos
industriais não faz coisa julgada material e não tem, por óbvio, efeito erga omnes, servindo apenas de
fundamento para, examinando-se de forma ampla a defesa apresentada, julgar-se
improcedente o pedido formulado pelo titular do direito de propriedade
industrial. Seus efeitos, portanto, não se estendem para fora do processo.
Confira-se, por oportuno, os comentários
feitos ao art. 56, § 1º, da Lei de Propriedade Industrial pela doutrina
especializada (DANNEMANN et at. Propriedade
Intelectual no Brasil. Rio de Janeiro: PVDI Design, 2000, p. 142):
Esta disposição representa uma inovação e, sem
dúvida, um avanço, face à lei anterior. Ela permite que qualquer pessoa,
demandada em juízo por infração de uma patente, possa arguir, como matéria de
defesa, no curso da própria ação, a nulidade da patente.
Entendemos que
esta arguição de nulidade não autoriza um juiz estadual a decretar a nulidade
da patente, mas apenas reconhecer que a concessão da patente foi indevida e
que, portanto, não há que condenar o réu por sua infração.
A nulidade da patente, entendemos, só pode ser declarada
(ou decretada) por meio de ação perante a Justiça Federal, com a participação
do Instituto Nacional da Propriedade industrial – INPI – na lide. (Grifou-se)
Confira-se, ainda, o que afirma
Luiz Guilherme Loureiro (in A Lei de
Propriedade Industrial Comentada. São Paulo: Editora Lejus, 1999, p. 130):
Constituindo uma simples questão prejudicial, o
juiz deve necessariamente apreciar a arguição antes de prolatar a sentença
final. Se ele reconhecer que a patente é nula, a ação de contrafação ou de indenização
será necessariamente julgada improcedente. No entanto, sobre a nulidade assim
reconhecida não incide a força julgada e, portanto, seus efeitos não se
projetam para fora do processo e a questão pode ser apreciada novamente em
outro processo.
Nesse contexto, havendo, lege fata, a possibilidade inequívoca de
se arguir a nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de
defesa, seu afastamento, de encontro à redação clara da lei, pode ensejar uma
restrição indevida o direito fundamental do réu à ampla defesa.
Nesse sentido, cito Eduardo da Gama
Câmara Júnior (in Reflexos e Efeitos
das Ações de Nulidade de Patentes nas Ações de Infração de Patentes. Revista
da ABPI, n. 120, set/out de 2012, p. 19):
“Assim, ao obrigar o réu da ação de contrafação
a propor uma nova demanda, perante outro juízo, apenas para se defender nessa
ação de infração, quando a lei não faz essa exigência, ou seja, a lei permite
ao réu calcar sua defesa apenas na nulidade da patente, sem a necessidade de
uma nova ação, põe uma limitação adicional nas possibilidades de defesa do réu,
que viola o princípio constitucional da ampla defesa”.
Portanto, reexaminando a questão,
entendo que, quanto às marcas, deve prevalecer o entendimento firmado neste
Superior Tribunal acerca da impossibilidade de arguição da nulidade como
matéria de defesa em ação de infração.
Porém, quanto a patentes e a desenhos
industriais, diferentemente do quanto já decidido por esta Terceira Turma em
alguns casos (REsp 1132449/PR, julgado em 13/03/2012; AgRg no REsp 254.141/SP,
julgado em 21/06/2012; REsp 1281448/SP, julgado em 05/06/2014; e REsp
1558149/SP, julgado em 26/11/2019), passo a entender que, diante da redação clara
dos arts. 56, § 1º, e 118 da Lei n. 9.279/96, mostra-se possível a arguição incidental
de sua nulidade pelo réu.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO DA NULIDADE
DA PATENTE COMO QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL.
1.
O indeferimento
de nova oitiva do perito é prerrogativa atribuída ao julgador, mormente quando
deixa consignada a suficiência das informações já apresentadas. Princípio da
livre convicção motivada.
2.
Concluir se a
realização de outras provas seria necessária ao deslinde da controvérsia é
questão que esbarra no óbice da súmula 07/STJ.
3.
Havendo autorização legal (art. 56, § 1º, da
Lei 9.279/96) para a argüição de nulidade da patente como matéria de defesa e,
conseqüentemente, para o acolhimento da manifestação pelo Juízo cível, com a
suspensão dos efeitos por ela gerados, não há como concluir que a patente só
deixa de gerar seus regulares efeitos quando anulada em ação própria, perante a
Justiça Federal.
4.
A nulidade da patente, com efeito erga omnes,
só pode ser declarada em ação própria, proposta pelo INPI, ou com sua
intervenção, perante a Justiça Federal. Porém, o reconhecimento da nulidade
como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente, pode ocorrer
na Justiça comum estadual. Precedentes.
5.
No que se refere
ao acerto da decisão recorrida no que respeita à suspensão dos efeitos da
patente, sua revisão demanda incursão no conjunto fático-probatório, na medida
em que o Tribunal de origem conclui haver prova no autos no sentido da
inexistência do quesito novidade a amparar o direito do recorrente.
6.
Agravo
regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 526.187/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA,
julgado em 21/08/2007, DJ 03/09/2007, p. 179)
No presente caso, o juízo de origem,
examinando a arguição de nulidade, e com base na prova pericial produzida nos
autos, concluiu que a patente e os desenhos industriais da autora carecem dos
requisitos previstos na Lei n. 9.279/96, tendo, assim, julgado improcedentes os
pedidos da inicial.
Interposta apelação, o Tribunal de
Justiça afastou a possibilidade de se examinar incidentalmente a arguição de
nulidade e, desconsiderando as provas nas quais se fundou o juízo de origem,
julgou procedentes os pedidos, para condenar a ré a se abster de fabricar,
comercializar e ter em estoque qualquer material relacionado à patente e aos
desenhos industriais, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00, condenando-a,
ainda, ao pagamento de lucros cessantes.
Houve, como se vê, inegável restrição ao
direito de defesa do réu, que teve sua arguição incidental de nulidade
ignorada, a despeito da redação clara do art. 56, § 1º, da Lei da Propriedade
Industrial, tendo sido condenada a se abster de utilizar - bem indenizar a
autora pela utilização já ocorrida - os direitos de propriedade industrial que
foram reconhecidos como nulos pelo juízo de origem.
Sendo assim, entendo que deve ser
provido o recurso especial neste ponto, para que, reconhecendo a possibilidade
de exame incidental da nulidade, seja determinado o retorno dos autos à origem,
a fim de que seja reexaminado o recurso de apelação, ficando prejudicado o
recurso especial quanto às demais alegações, de afronta ao art. 535, II, do CPC
e aos arts. 397 e 405 do CC.
Cumpre ressaltar que, depois da
interposição do recurso especial, e diante da negativa do Tribunal de origem de
examinar a nulidade incidenter tantum,
foi proposta, na Justiça Federal, ação de nulidade dos direitos de propriedade
industrial em que se funda a presente ação, conforme noticiado às fls.
1.317-1.321.
Naquela ação, foi deferida a tutela
provisória, tendo o juízo federal fundamentado a concessão da liminar
justamente nas provas em que se fundou o juízo de origem na Justiça Estadual, a
corroborar, portanto, o seu entendimento (e-STJ 1.360-1.364).
A ação de nulidade ainda está em
trâmite, não tendo sido proferida sentença, de modo que, a prevalecer o
entendimento ora esposado, deve o Tribunal de origem, antes de proferir novo
julgamento acerca da apelação, examinar eventual necessidade de suspensão do
feito, por prejudicialidade externa.
Ante
o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial, para,
reconhecendo a possibilidade de se arguir a nulidade da patente e dos desenhos
industriais como matéria de defesa, determinar o retorno dos autos à origem, a
fim de que, à luz desse entendimento, seja reexaminado o recurso de apelação.
É o voto.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2017/0048700-1 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.843.507 / SP
Números Origem:
00240484520058260132 1320120050240487 240484520058260132
PAUTA:
06/10/2020 JULGADO: 06/10/2020
Relator
Exmo. Sr.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Presidente da
Sessão
Exmo. Sr.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral
da República
Exmo. Sr. Dr.
DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. MARIA
AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO -
SP010784
PASCOAL BELOTTI
NETO - SP054914
JOSÉ
THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO
ADVOGADOS
: LUIZ CARLOS TONIN - SP086190
CLAYTON DE
CAMPOS EUZEBIO - SP223318
ASSUNTO: DIREITO
CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a
egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada
nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira
Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros
Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy
Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.