RECURSO
ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI R.P/ACÓRDÃO
: MINISTRO MOURA RIBEIRO RECORRENTE
: NATURA COSMÉTICOS S/A
RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO
DE COSMETICOS NATURA LTDA.
ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI
- SP067143
PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE -
SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977
RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA
ADVOGADO
: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROPRIEDADE
INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E DE REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. MARCA DE ALTO RENOME “NATURA”.
EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO DENOMINADO “RECREIO NATURA”. DISTINÇÃO ENTRE ATO CIVIL
E ATO EMPRESARIAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1.
Inexistindo omissão, contradição ou
obscuridade no acórdão recorrido, a rejeição dos embargos de declaração contra ele
interpostos não configura negativa de prestação jurisdicional.
2.
O propósito recursal visa analisar
se houve violação ao art. 125 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade
Industrial), que confere proteção especial às marcas de alto renome, no caso a
marca “NATURA”, diante do seu uso no empreendimento imobiliário “RECREIO NATURA”.
3.
A marca é um sinal distintivo que tem
por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de
outros idênticos, semelhantes ou afins.
4.
Os nomes atribuídos aos edifícios e
empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica
denominação. Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas
conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem.
5.
A proteção à exclusividade da marca
é criação do direito, sendo, portanto, uma opção legislativa. O nome que individualiza
um imóvel é de livre atribuição pelos seus titulares e não requer criatividade ou
capacidade inventiva, tampouco lhe é conferido o atributo da exclusividade.
6.
O registro de uma expressão como
marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no
nome de um edifício. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita as
atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil.
7.
Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Prosseguindo no julgamento, após
o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, vistos, relatados e discutidos os
autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, em negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura
Ribeiro, que lavrará o acórdão.
Vencida a Sra. Ministra Nancy
Andrighi. Votaram com o Sr. MINISTRO MOURA RIBEIRO, os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.
Brasília, 24 de setembro de
2019(Data do Julgamento)
MINISTRO MOURA RIBEIRO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A
RECORRENTE
: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI
- SP067143
CARLOS
EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977 RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA
ADVOGADO
: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341
RELATÓRIO
A
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se
de recurso especial interposto por NATURA COSMÉTICOS S/A e INDÚSTRIA E COMÉRCIO
DE COSMÉTICOS NATURA LTDA. Fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional.
Ação: de
abstenção de uso de marca e de reparação de danos, ajuizada pelas recorrentes
em face de ROSSI RESIDENCIAL S/A, cujo objetivo é definir se a utilização, em
empreendimento imobiliário, da denominação RECREIO
NATURA viola direito de propriedade industrial titularizado pelas
recorrentes.
Sentença:
julgou
improcedente o pedido.
Acórdão: por
maioria, negou provimento à apelação interposta pelas recorrentes, nos termos
da seguinte ementa:
USO INDEVIDO DE MARCA -
Reprodução de nome em empreendimento imobiliário "Natura Recreio" de marca
exclusiva das autoras, detentoras de uso da marca "Natura" - Inexistência
de violação - Interesse na proteção do uso indevido de marca -O fato de uma empresa
construir um edifício, condomínio fechado ou empreendimento imobiliário, ao
particularizá-los colocando-lhes um nome que se mantém, havendo comercialização
ou não de unidades habitacionais, não torna o ato civil em comercial e tampouco
coloca em risco, por confusão, os efeitos jurídicos de marca registrada no ramo
de serviços, pois o signo protegido é restrito à atividade, não repercutindo na
nomeação de coisas - Público alvo distinto - Incidência do princípio da especialidade
-Não constatada depreciação ou prejuízo da marca das autoras e tampouco enriquecimento
ilícito da ré, indevida a imposição de danos materiais - Sentença mantida -
Recurso desprovido.
rejeitados.
Embargos
de Declaração: interpostos
pelas recorrentes, foram
Recurso
especial: aponta
a existência de dissídio jurisprudencial e violação dos artigos: 489, § 1º, IV;
1.022, I e II, do CPC; e 125 da Lei 9.279/96. Além de negativa de prestação
jurisdicional, alega que a marca NATURA goza
de proteção especial em todos os ramos de atividade, não estando, pois, sujeita
ao princípio da especialidade, uma vez que foi reconhecido seu alto renome pelo
INPI. Afirma que os precedentes do STJ invocados nas razões do acórdão recorrido
tratam de situações fáticas distintas, sendo inaplicáveis à espécie.
É
o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A
RECORRENTE
: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI
- SP067143
CARLOS
EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977 RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA
ADVOGADO
: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E DE REPARAÇÃO DE DANOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ALTO RENOME RECONHECIDO PELO INPI À MARCA NATURA. PROTEÇÃO ESPECIAL EM TODOS OS RAMOS
DE ATIVIDADE. COMERCIALIZAÇÃO DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO PELA RECORRIDA DENOMINADO
RECREIO NATURA. VIOLAÇÃO DA REGRA DO ART.
125 DA LPI. VEDAÇÃO AO USO DE EXPRESSÃO
RECONHECIDA COMO NOTÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO.
1.
Ação distribuída em 14/7/2008. Recurso
especial interposto em 27/3/2018. Autos conclusos à Relatora em 16/4/2019.
2.
O propósito recursal, além de examinar
se houve negativa de prestação jurisdicional, é verificar se o uso do nome RECREIO
NATURA, em empreendimento imobiliário de propriedade da recorrida, viola
direitos titularizados pelas recorrentes sobre a marca NATURA.
3.
Inexistindo omissão, contradição ou
obscuridade no acórdão recorrido, a rejeição dos embargos de declaração contra ele
interpostos não configura negativa de prestação jurisdicional.
4.
O direito de uso exclusivo assegurado
ao titular de registro marcário é limitado, entre outros, pelo princípio da
especialidade, previsto de forma implícita no art. 124, XIX, da Lei 9.279/96.
5.
As marcas de alto renome constituem
exceção ao princípio da especialidade, sendo-lhes assegurada proteção especial
em todos os ramos da atividade. Inteligência do art. 125 da LPI.
6.
É irrelevante, para fins de proteção
das marcas de alto renome, discutir acerca da possibilidade ou não de confusão junto
ao público consumidor. Precedente específico da 3ª Turma.
7.
A jurisprudência do STJ entende que
é devida reparação por danos patrimoniais (a serem apurados em liquidação de sentença)
e compensação por danos extrapatrimoniais na hipótese de se constatar a
violação de marca, independentemente de comprovação concreta do prejuízo material
e do abalo moral resultante do uso indevido.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A
RECORRENTE
: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI
- SP067143
CARLOS
EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977 RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA
ADVOGADO
: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341
VOTO
A
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
O
propósito recursal, além de examinar se houve negativa de prestação
jurisdicional, é verificar se o uso do nome RECREIO
NATURA, em empreendimento imobiliário de propriedade da recorrida, viola
direitos titularizados pelas recorrentes sobre a marca NATURA.
1.
DELINEAMENTO FÁTICO
As
recorrentes, titulares dos direitos de propriedade industrial derivados da
concessão da marca NATURA, com
reconhecimento de alto renome pelo INPI (expressão que também integra seus
nomes empresarias), ajuizaram a presente ação em face de ROSSI RESIDENCIAL S/A
com o intuito de que fosse cessado o uso da expressão RECREIO NATURA – adotada pela recorrida para designar
empreendimento imobiliário, de natureza residencial, que foi por ela erigido e
comercializado –, bem como que fossem reparados os danos correlatos.
O
juízo sentenciante, contudo, julgou improcedentes os pedidos, ao argumento de
que, apesar da semelhança existente entre a marca das recorrentes e a expressão
utilizada pela recorrida, não haveria possibilidade de confusão junto ao
público consumidor, uma vez que as autoras e a ré atuam em segmentos mercadológicos
distintos.
Esse
entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo constado
no julgado impugnado que “o signo protegido é restrito à atividade, não repercutindo
na nomeação de coisas” (e-STJ fl. 1496).
A
Corte estadual também entendeu que, na hipótese, “não existe como incorrer em
erro ou sedução derivada da marca, ainda que os logotipos fossem parecidos,
pois tratam-se de universos de consumo totalmente distantes” (e-STJ fl. 1500).
Irresignadas,
as recorrentes defendem a tese de que, por se tratar de marca cujo alto renome
foi reconhecido pela autarquia competente, não importa em que ramo de atividade
estão inseridos os produtos ou serviços comercializados pela recorrida,
tampouco se há ou não confusão derivada de seu uso indevido, nos termos do que
dispõe a regra positivada no art. 125 da Lei de Propriedade Industrial.
2.
DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL
Da
análise do acórdão impugnado, verifica-se que a prestação jurisdicional dada
corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser
sanado. O Tribunal a quo se
pronunciou de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais da controvérsia,
dentro dos limites que lhe são impostos por lei.
Desse
modo, as alegações das recorrentes, no sentido de que teria havido negativa de
prestação de prestação jurisdicional, não comportam acolhida.
3.
DA PROTEÇÃO MARCÁRIA
O
artigo 129, caput, da Lei 9.279/96
(LPI) dispõe que a propriedade da marca é adquirida a partir da expedição
válida de seu registro, o qual, uma vez concedido pelo órgão competente,
assegura a seu titular o direito de uso exclusivo em todo o território
nacional.
Na
medida em que a marca se constitui como sinal distintivo que viabiliza a
identificação de produtos e serviços disponíveis no mercado, a relevância de
sua proteção é, subjetivamente, dúplice: de um lado, beneficia o titular, que
tem seu produto ou serviço diferenciado dos demais no ambiente concorrencial;
de outro, favorece o público consumidor, pois certifica a origem comercial do produto
ou serviço adquirido, evitando equívocos acerca de sua procedência.
A
proteção das marcas é, igualmente, de grande valia para a dinâmica do mercado, na
medida em que viabiliza um ambiente de competição profícuo, sob a tônica da livre
concorrência, apto a garantir “o fornecimento [...] de produtos ou serviços com
qualidade crescente e preços decrescentes” (COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do
Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 34).
Não
se pode olvidar, outrossim, que as marcas também ostentam importante função econômica.
São elas, muitas vezes, os ativos de maior valor que integram o patrimônio de uma
sociedade empresária, sendo certo que esse valor depende da força do poder
evocativo, bem como da reputação, que o sinal registrado exerce sobre o público.
A título ilustrativo, veja-se que a marca GOOGLE
foi avaliada, em 2018, segundo a revista Forbes, em mais de US$ 132 bilhões
(informação disponível em http://bit.do/e4xw7, consultado
em 14/8/2019), valor superior, segundo dados do Banco Mundial, ao somatório dos
PIBs de países como Uruguai e Paraguai (informação disponível em http://bit.do/e4xAG, consultado em 14/8/2019) .
4.
DAS MARCAS DE ALTO RENOME
A
Lei de Propriedade Industrial, reconhecendo a importância econômica das marcas,
lhes confere proteção especial quando
as circunstâncias fáticas denotam que alcançaram alto grau de conhecimento pelo
mercado, como ocorre nas situações delineadas em seus arts. 125 e 126, que
tratam dos institutos da marca de alto renome e da marca notoriamente
conhecida:
Art. 125. À marca registrada no
Brasil considerada de alto renome será
assegurada proteção especial, em todos
os ramos de atividade.
Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade
nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção
da Propriedade Industrial, goza de proteção
especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.
[...]
De
se gizar que o tratamento especial conferido às marcas de alto renome –
hipótese versada nos autos – decorre da percepção do legislador de que estas
possuem um nível tão elevado de conhecimento pela coletividade, gozando de
tamanha autoridade e prestígio perante o público – resultantes da tradição, da
qualidade e da confiança que inspiram –, que sua proteção não poderia ficar
restrita a um segmento específico de mercado.
Trata-se,
conforme já decidido pelo STJ, de verdadeira exceção ao princípio da especialidade (insculpido, de forma
implícita, no art. 124, XIX, da LPI), o qual, como regra geral, garante
exclusividade de uso de sinal distintivo tão somente em relação a produtos ou
serviços idênticos, semelhantes ou afins, integrantes de uma mesma classe (REsp
1.447.352/RJ, Terceira Turma, DJe 16/6/2016; e REsp 1.688.243/RJ, Quarta Turma,
DJe 23/10/2018).
Oportuno
destacar que tal princípio não ostenta natureza absoluta, devendo sempre ser
observada, em hipóteses de litígio, a situação fática subjacente a cada
demanda, a fim de se averiguar eventual confusão causada pela convivência dos
sinais marcários em conflito.
DI
BLASI, GARCIA E MENDES bem apanharam a transformação pela qual a doutrina sobre
o tema vem passando ao longo do tempo, como decorrência de avanços
socioeconômicos:
Constata-se, no entanto, que,
com a globalização do mercado internacional, o referido princípio [da especialidade],
outrora consolidada pela doutrina, está se enfraquecendo, já que as empresas
vêm divulgando, no mundo inteiro, através dos mais diversos meios de comunicação,
seus produtos e serviços, além de diversificar sua área de atuação. (apud MORO, Maitê Cecília Fabbri. Direito
de Marcas. São Paulo: RT, 2003, pp. 71/72)
Vale
frisar que qualquer espécie de proteção especial derivada do reconhecimento da
notoriedade de uma marca tem como corolário agregar a ela um maior valor
econômico, o qual é tutelado pela ordem jurídica no intuito de se evitar a
diluição de seu poder atrativo e o aproveitamento indevido por terceiros não
autorizados a utilizá-la.
Nesse
sentido, a observação de GUSMÃO:
A notoriedade traz à marca um
valor dificilmente estimável, mas seguramente existente. É esse valor econômico
que se procura proteger, evitando-se a diluição de seu poder atrativo e de sua
reputação. (apud MORO, Maitê Cecília
Fabbri. Direito de Marcas. São Paulo: RT, 2003, pp. 81)
5.
DA HIPÓTESE DOS AUTOS
O
que se verifica no particular é que as recorrentes são detentoras de marca à
qual foi conferida pelo INPI a proteção especial prevista no art. 125 da LPI:
alto renome.
Tal
proteção, conforme se extrai da leitura da norma precitada, garante ao titular
uso exclusivo em todos os ramos de
atividade, inviabilizando que terceiros possam utilizar ou registrar marca
idêntica ou semelhante, seja qual for o segmento em que atuem comercialmente.
Acerca
da matéria, elucida SOARES:
Para certas marcas que
adquiriram alto renome (high reputation)
em determinado país, de modo que possuam um atrativo próprio, a proteção poderá ser almejada em face do uso
ou do registro para quaisquer produtos ou serviços, sem que haja necessidade de
provar qualquer vantagem indevida ou denegrimento; [...] tais marcas,
denominadas "marcas que possuem alta reputação" (marques de haute renomme, na França; beruhmte mark, na Alemanha) são aquelas conhecidas por uma grande
parte do público em geral e que possuem tal reputação que não permitem nenhuma justificativa
para seu uso ou registro por terceiros. (SOARES, José Carlos Tinoco. Revista
dos Tribunais, n. 738, abril/97, pp. 32/40. Sem destaque no original.)
No âmbito do STJ, já se vem
decidindo há algum tempo que, sendo a marca objeto de propriedade, seu titular
tem o direito exclusivo ao respectivo uso
em qualquer âmbito, sempre que, registrada no Brasil, for considerada de alto renome
(REsp 758.597/DF, Terceira Turma, DJ 30/6/2006).
É
esse, ademais, o entendimento consagrado pelo enunciado n. 1 da 24ª edição da
Jurisprudência em Teses desta Corte Superior:
A marca de alto renome (art. 125
da Lei de Propriedade Industrial
- LPI) é exceção ao princípio da
especificidade e tem proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que
previamente registrada no Brasil e assim declarada pelo INPI - Instituto
Nacional de Propriedade Industrial.
Isso
porque, dado o alto grau de conhecimento do público em geral acerca de marcas
dessa natureza, seu uso, quando feito por terceiros, é apto a provocar
associação indevida por parte dos consumidores, que podem relacioná-lo tanto à
empresa titular do sinal registrado quanto aos produtos ou serviços que, de fato,
são por elas identificados.
A
associação indevida, por sua vez, é a gênese de uma série de prejuízos ao
titular da marca, tais como os que decorrem de desgaste, diluição, degeneração
ou vulgarização do sinal protegido, aproveitamento parasitário, confusão,
enfraquecimento de reputação, perda da atratividade etc.
A
lição de FERNANDES, SCHMIDT e MAYER é precisa:
As marcas famosas são tão conhecidas
que, mesmo quando usadas em produto diverso, não deixam de gerar uma associação
com o produto tradicional no qual o consumidor se acostumou a vê-la. Cientes desse
fato, alguns empresários passaram a reproduzir marcas alheias famosas, em produtos
diversos daqueles fabricados por seus legítimos titulares. A reprodução de uma marca
alheia famosa, ainda que em produto diverso, dilui seu poder mercadológico, pois
quebra a referência automática que o consumidor faz entre ela e os tradicionais
produtos que identifica. (Revista da ABPI, n. 133, nov/dez de 2014, p. 10)
Quanto
à impossibilidade de reprodução de marca que goza de notoriedade, ainda que em
produtos ou serviços diversos, prosseguem os autores colacionando excerto de
estudo conduzido por SCHECHTER, que merece ser aqui transcrito:
o prejuízo real em todos estes casos
só pode ser aferido à luz do que foi dito a respeito da função de uma marca. É
o desgaste ou dispersão gradual da identidade da marca ou nome e de sua fixação
na mente do público por seu uso sobre bens que não competem entre si. Quanto
mais distinta ou única for a marca, mais profunda é a sua impressão na consciência
do público, e maior a sua necessidade de proteção contra contaminação ou
dissociação do produto específico em relação ao qual ela está sendo usada. (Revista
da ABPI, n. 133, nov/dez de 2014, p. 11)
A
conclusão inafastável, diante de todo o exposto, é no sentido de que aquele que
reproduz ou imita marca alheia dotada de alto renome, como na hipótese dos autos,
viola a proteção conferida pela lei de regência (art. 125 da LPI).
Ainda
que, no particular, não se possa vislumbrar a possibilidade de alguém
razoavelmente informado adquirir um imóvel acreditando ter sido ele construído
pelos recorrentes – haja vista que a marca NATURA
designa produtos da área de cosméticos –, o que o sistema legal de proteção
à propriedade industrial objetiva, em hipóteses como a aqui discutida, é
impedir que terceiros utilizem o mesmo sinal, aproveitando-se da fama e da reputação
alcançadas, a fim de, deliberadamente ou não, passar a ideia de que seus
produtos sejam patrocinados, associados, afiliados ou guardem alguma relação, ainda
que indireta, com a empresa titular do registro.
Tal
prática, vedada pelo ordenamento jurídico, pode ser qualificada como abuso do
direito de livre concorrência e configurar enriquecimento sem causa, por se
tratar de exploração, mediante associação indevida, do prestígio conquistado
pelo proprietário da marca.
Convém
ressaltar, por oportuno, que esta Corte já manifestou entendimento no sentido
de que, quando se trata da tutela de marca de alto renome, é despiciendo até
mesmo perquirir se o uso indevido possui fins comerciais ou não (REsp
758.597/DF, Terceira Turma, DJ 30/6/2006).
Registre-se,
por fim, que a jurisprudência do STJ elenca entendimento no sentido de que, em
situações como a dos autos, se afigura desnecessário, para ficar configurado o
uso indevido por terceiros, travar discussão a respeito da possibilidade ou não
desse uso causar confusão no público consumidor. Nesse sentido: REsp
951.583/MG, Terceira Turma, DJe 17/11/2009.
6.
DOS DANOS MATERIAIS E
MORAIS DECORRENTES DE USO INDEVIDO DE MARCA E DO MONTANTE DEVIDO
Configurada
a violação ao direito de propriedade industrial titularizado pelas recorrentes,
passa-se ao exame dos efeitos decorrentes da prática desse ato ilícito, quais
sejam a configuração ou não de danos materiais e morais indenizáveis.
O
entendimento do STJ firmou-se no sentido de reconhecer “a existência de dano material
no caso de uso indevido da marca, uma vez que a própria violação do direito
revela-se capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular, como, por
exemplo, no desvio de clientela e na confusão entre as empresas, acarretando inexorável
prejuízo que deverá ter o seu quantum debeatur
[...] apurado em liquidação por artigos” (REsp 1.327.773/MG, 4ª Turma, DJe 15/2/2018).
No mesmo sentido: REsp 1.635.556/SP, 3ª Turma, DJe 14/11/2016.
A
jurisprudência deste Tribunal aponta no mesmo sentido no que concerne à
ocorrência de dano moral em hipótese de uso indevido de marca, sendo certo que
tais danos decorrem de ofensa à imagem, identidade e/ou credibilidade do
titular do direito tutelado (REsp 1.661.176/MG, 3ª Turma, DJe 10/4/2017).
Sua
configuração, nesse cenário, decorre da mera comprovação da prática de conduta
ilícita, revelando-se despicienda a efetiva comprovação do prejuízo ou a
demonstração acerca do abalo moral (REsp 1.674.375/SP, 3ª Turma, DJe
13/11/2017).
Quanto
à fixação do montante a ser pago a título de compensação pelo dano moral experimentado,
esta Turma vem entendendo que se deve proceder com razoabilidade, levando-se em
consideração as circunstâncias específicas da hipótese, como a gravidade do dano,
a reprovabilidade da conduta, a repercussão do fato e o porte econômico dos
envolvidos (REsp 1.741.348/SP, DJe 3/9/2018).
Assim,
tudo isso sopesado, e considerados os precedentes do STJ envolvendo situações análogas
(REsp 466.761/RJ, REsp 1.174.098/MG, REsp 1.535.668/SP, AgRg no AREsp
357.737/RS e REsp 1.327.773/MG), tem-se como adequado o montante de R$
100.000,00 (cem mil reais).
7.
CONCLUSÃO
Forte
nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso
especial, para, julgando procedentes os pedidos deduzidos na inicial, impor à
recorrida o dever de se abster de utilizar
a expressão NATURA no
empreendimento imobiliário assim denominado, e condená-la ao pagamento de danos materiais, em montante a ser apurado
em liquidação de sentença, e de danos morais
fixados em R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Condeno
a recorrida, ainda, ao pagamento integral das custas e despesas processuais,
bem como dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/15.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2019/0080321-7 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.804.960 / SP
Números
Origem: 01378398620088260002 1378398620088260002 2340/2008 23402008 5830220081378397
EM MESA JULGADO: 03/09/2019
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Subprocuradora-Geral da
República
Exma. Sra. Dra. MARIA IRANEIDE
OLINDA SANTORO FACCHINI
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: NATURA COSMÉTICOS S/A
RECORRENTE
: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO
RICCI - SP067143
PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE -
SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977
RECORRIDO
: ROSSI RESIDENCIAL SA
ADVOGADO
: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas -
Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
SUSTENTAÇÃO
ORAL
Dr(a). DANIEL ADENSOHN DE SOUZA,
pela parte RECORRENTE: NATURA COSMÉTICOS
S/A
Dr(a). DANIEL ADENSOHN DE SOUZA,
pela parte RECORRENTE: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra Nancy
Andrighi, dando provimento ao recurso especial, pediu vista antecipada o Sr. Ministro
Moura Ribeiro. Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas
Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A
RECORRENTE
: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA.
ADVOGADOS
: ANTONIO FERRO RICCI - SP067143
PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE -
SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977
RECORRIDO
: ROSSI RESIDENCIAL SA
ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI
RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROPRIEDADE
INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E DE REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. MARCA DE ALTO RENOME “NATURA”.
EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO DENOMINADO “RECREIO NATURA”. DISTINÇÃO ENTRE ATO CIVIL
E ATO EMPRESARIAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1.
Inexistindo omissão, contradição ou
obscuridade no acórdão recorrido, a rejeição dos embargos de declaração contra ele
interpostos não configura negativa de prestação jurisdicional.
2.
O propósito recursal visa analisar
se houve violação ao art. 125 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade
Industrial), que confere proteção especial às marcas de alto renome, no caso a
marca “NATURA”, diante do seu uso no empreendimento imobiliário “RECREIO NATURA”.
3.
A marca é um sinal distintivo que tem
por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de
outros idênticos, semelhantes ou afins.
4.
Os nomes atribuídos aos edifícios e
empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica
denominação. Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas
conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem.
5.
A proteção à exclusividade da marca
é criação do direito, sendo, portanto, uma opção legislativa. O nome que individualiza
um imóvel é de livre atribuição pelos seus titulares e não requer criatividade ou
capacidade inventiva, tampouco lhe é conferido o atributo da exclusividade.
6.
O registro de uma expressão como
marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no
nome de um edifício. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita as
atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil.
7.
Recurso especial não provido.
VOTO-VENCEDOR
O
EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:
O propósito recursal visa analisar
se houve violação ao art. 125 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade
Industrial), que confere proteção especial às marcas de alto renome, diante do uso
do nome “RECREIO NATURA” em empreendimento imobiliário de propriedade da incorporadora
ROSSI RESIDENCIAL S.A. e a marca “NATURA” registrada por NATURA COSMÉTICOS S.A.
Pedi vista dos autos em razão de
dúvida quanto a possibilidade de nome atribuído a um único empreendimento imobiliário
poder violar os direitos de propriedade industrial inerentes a marca registrada
no INPI.
A sentença julgou o pedido improcedente
sob o fundamento de que nome de condomínio não é marca (e-STJ,
fls. 1.315/1.318).
A 6ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo consignou que o signo protegido é restrito à atividade comercial, não repercutindo na
nomeação de coisas. Concluiu que o nome do empreendimento imobiliário não pode
ser considerado marca. Se assim fosse, não haveria distinção entre marca e nome
e todo nome seria marca, desde que aplicado a um objeto (e-STJ, fls. 1.496
e 1.503).
O precedente do STJ, citado pelo
Tribunal paulista para embasar seu posicionamento, entendeu que o nome de um condomínio
fechado “ACQUAMARINA SERNAMBETIBA 3.360”, não violou os direitos de propriedade
industrial inerentes a marca nominativa “ACQUAMARINE”, sob o fundamento de que os nomes de edifícios ou de condomínios fechados
não são marcas nem são atos da vida comercial, mas, ao revés, são atos da vida civil,
pois promovem a individualização da coisa, não podendo ser enquadrados como
serviços ou, ainda, produtos, mesmo porque, para estes últimos, a marca serve para
distinguir séries (de mercadorias) - e não objetos singulares (REsp 862.067/RJ,
Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/RS), Terceira Turma, j.
26/4/2011, DJe 10/5/2011).
O acórdão do TJSP, de relatoria
do Desembargador Percival Nogueira, recebeu a seguinte ementa:
USO
INDEVIDO DE MARCA - Reprodução de nome em empreendimento imobiliário
"Natura Recreio" de marca exclusiva das autoras, detentoras de uso da
marca "Natura" - Inexistência de violação - Interesse na proteção do
uso indevido de marca - O fato de uma
empresa construir um edifício, condomínio fechado ou empreendimento
imobiliário, ao particularizá-los colocando-lhes um nome que se mantém, havendo
comercialização ou não de unidades habitacionais, não torna o ato civil em
comercial e tampouco coloca em risco, por confusão, os efeitos jurídicos de marca
registrada no ramo de serviços, pois o signo protegido é restrito à atividade,
não repercutindo na nomeação de coisas - Público alvo distinto - Incidência
do princípio da especialidade - Não constatada depreciação ou prejuízo da marca
das autoras e tampouco enriquecimento ilícito da ré, indevida a imposição de danos
materiais - Sentença mantida - Recurso desprovido. (e-STJ, fl. 1.496 – sem destaque no
originan( �br style='mso-special-character:line-break'>
O tema sobre a possibilidade de colidência
de marca com nomes atribuídos a edifícios é sensível, tanto que o julgado de
origem foi decidido por maioria, em votação apertada – 3 votos contra 2.
Nas razões do recurso especial a
NATURA afirmou que o precedente indicado para embasar a fundamentação do acórdão
recorrido de que nome de condomínio não é marca não se aplica ao caso concreto porque
a sua marca é de alto renome, devendo ter proteção "erga omnes", ou
seja, prevalecer para todos os produtos e todos os serviços, sem distinção.
Embora o princípio da especialidade
não se aplique às marcas de alto renome, sendo assegurada proteção especial em todos
os ramos de atividade (art. 125 da Lei nº 9.279/1996), tampouco se cogite do requisito
da possibilidade de causar confusão no consumidor, penso, respeitosamente, que a
proteção conferida pela lei não abrange o nome atribuído a edifícios ou empreendimentos
imobiliários.
A marca é um sinal distintivo
que tem por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços
de outros idênticos, semelhantes ou afins.
Na definição de PONTES DE MIRANDA,
marca é o mais típico sinal distintivo de
produto ou de mercadoria. [...] No regime da livre concorrência, a marca de indústria
e de comércio procura afirmar à clientela que se mantém a qualidade do produto ou
mercadoria enquanto se mantém a marca (Tratado
de Direito Privado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2013. Tomo XVII: Direito
das coisas; propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade industrial (sinais
distintivos), p. 75).
A marca é parte do patrimônio de
uma empresa, é designativa de um produto ou serviço. Sua função consiste em impedir
a concorrência parasitária e a usurpação de clientela do seu titular, bem como proteger
o renome que o signo distintivo mantém perante o público consumidor.
Os nomes atribuídos aos edifícios
e empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem
idêntica denominação e, por isso, proliferam as homonímias sem que um condomínio
possa impedir o outro de receber idêntica denominação.
Estes nomes, portanto, não
qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para o fim de
individualizar o bem.
O mesmo não ocorre com o nome
empresarial, por exemplo, em que o legislador optou por lhe conferir direito à exclusividade
de uso, possibilitando ao seu detentor impedir que outro empresário se identifique
com nome idêntico ou semelhante que possa provocar confusão em consumidores ou
no meio empresarial. Nesse sentido, o art. 1.163 do CC/02 determina que o nome de empresário deve distinguir-se de qualquer
outro já inscrito no mesmo registro.
O tratamento jurídico dispensado
para a marca e para o nome empresarial – a proteção à exclusividade, não se aplica
ao nome conferido a edifícios e empreendimentos imobiliários. A diferença se dá
porque no primeiro caso temos um signo capaz de individualizar um produto ou serviço
diante de todos os demais, visando a exploração de uma atividade econômica, enquanto
no segundo temos a denominação atribuída a um bem para identificar objetos singulares.
Cabe aqui diferenciar
“distinguir” de “identificar”:
Sobre as funções
distintivas diga-se, antes de tudo, que “distinguir” não é sinônimo de
“identificar” – ainda que na identificação possa haver, e muito comumente há,
distinção. Ao identificar, põe-se
um signo sobre o objeto; ao distinguir, este signo deve ser capaz de particularizá-lo
diante de todos os demais. Em ambos os casos há designação; no segundo, entretanto,
esta deve ser suficientemente particular a ponto distinguir o objeto. (EMENDÖRFER NETO, Victor. Nome empresarial: funções e peculiaridades do
instituto. Críticas e sugestões a seu tratamento jurídico: estudo realizado de acordo
com as alterações da IN DNRC 116/2011. Revista dos Tribunais: RT, São
Paulo, v. 101, n. 921, p. 215-255, jul. 2012, pág. 226 – sem destaques no originan( �br
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Não por acaso a CF/88, em seu art.
5.º, XXIX, trata apenas da proteção à propriedade das marcas e aos nomes de empresas:
a lei assegurará aos autores de inventos
industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às
criações industriais, à propriedade das marcas,
aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse
social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
A proteção à exclusividade da marca
ou do nome empresarial é criação do direito, sendo, portanto, uma opção legislativa.
Tal conceito jurídico exerce uma função e, por isto, presta-se a determinadas finalidades.
O nome que individualiza um imóvel é de livre atribuição pelos seus titulares e
não requer criatividade ou capacidade inventiva, tampouco lhe é conferido o atributo
da exclusividade.
Donde o registro de uma expressão
como marca não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um edifício, pois
a marca traduz um direito real (propriedade) e tem por função distinguir
produtos e serviços, enquanto o nome de um empreendimento imobiliário, uma consequência
de sua identificação.
A lição do doutrinador português
JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, citada no REsp 862.067/RJ, bem elucida o tema:
[...]
Os
edifícios em zona urbana são identificados por localidade, rua e número.
É
livre, porém, a atribuição de nome aos edifícios pelos titulares. Passa-se
assim sobretudo nas moradias. Mas também alguns edifícios de apartamentos têm
nome.
É
uma prática completamente facultativa. Está na disponibilidade dos titulares proceder
assim.
Voltaremos
adiante ao tema. Mas por agora interessa-nos uma delimitação feita pela lei
portuguesa que encontra correspondente em todos os países: a marca e os outros sinais distintivos permitem impedir que alguém use,
no exercício de actividades económicas, sinal idêntico ou semelhante para os
mesmos elementos para que o sinal foi registrado e que possa causar risco de
confusão ou de associação no público.
Fala-se no exercício de
actividades económicas. [...]
Ora, dar o nome a um edifício
não é um acto da vida comercial. Em si é civil; não caracteriza um acto de comércio.
Tem tanto significado a atribuição dum
nome pela assembleia de condôminos como pelo promotor da construção e venda do
mesmo edifício. Não se aplica aqui a categoria formal do acto de comércio
subjectivo, porque não é desde logo um acto jurídico, é o exercício duma
liberdade.
(Nome de Edifício: conflito com marca, insígnia ou logotipo? Cadernos
de Direito de Marcas, vol. 1, Coord. Maurício Lopes de Oliveira, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007, fls. 01/09 e 46/54).
E continua o doutrinador
destacando que até mesmo as marcas de alto renome não podem interferir na
liberdade de nomear edifícios ou condomínios:
[...]
Escrevemos
noutro lugar, exemplificando o exercício fora da atividade económica: "O meu bom gosto pode levar-me a
decorar a minha moradia com a marca McDonalds; ou a chamar à minha
cadela Coca-Cola. Tudo isto está fora da actividade negocial.
Consequentemente, tudo isto escapa do exclusivo outorgado pela marca". Note-se
que os exemplos foram dados por referência a marcas que são universalmente apontadas
como marcas de prestígio.
É dentro deste regime de
liberdade que encontramos edifícios nominados, e outros não. Não se controla
se há ou não repetições, porque ninguém tem direitos exclusivos.
"Doce Lar", "São José" e outros semelhantes repetem-se
inúmeras vezes ao longo do país. Até na mesma
cidade se repetem, sem com isso interpelar em nada o Direito Industrial.
[...]
A
marca refere-se a produtos ou serviços.
Onde
fica então neste quadro o nome do edifício? Não se vê onde se possa situar.
E
isto tem uma consequência decisiva. É que, se não entra em nenhum dos tipos
legais, não tem protecção como direito exclusivo. Os direitos industriais são caracterizados pelo princípio da tipicidade.
Só são reconhecidos os direitos industriais que sejam estabelecidos por lei.
[...]
Se
não há previsão de nomes de edifícios na lei, estes não podem ser objeto de
direitos industriais. Não são empresas, a que se aplique o logotipo; não são
estabelecimentos a que se aplique o nome de estabelecimento ou a insígnia.
[...]
A
marca serve para registrar produtos ou serviços. Não estamos seguramente
perante um serviço.
E
não estamos também perante um produto. Temos acentuado um aspecto essencial
neste domínio: a marca distingue séries, não caracteriza indivíduos. Ou, se
quisermos, distingue indivíduos pela sua integração numa série, e não pela sua singularidade.
Com
isto a marca contrapõe-se a outros sinais distintivos do comércio, que assentam
justamente na individualidade. O nome de estabelecimento ou a insígnia, por exemplo,
não são marcas [...]
Se
não fosse assim, não haveria distinção entre marca e nome. Todo o nome seria
marca, desde que aplicado a um objecto: Ponte Vasco da Gama, por exemplo. Mas a
lei separa-os logo na própria designação. Nomes e marcas podem ser sinais
distintivos, mas nomes são nomes e marcas são marcas. Não se confunde tudo. [...]
Os
sinais distintivos do comércio aplicam-se ao comércio. Por mais latamente que
se entenda, o comércio para este efeito (cfr. o art. 2 do Código da Propriedade
Industrial - CPI) respeita sempre à vida de negócios.
Mas
se porventura se atribui um nome a um edifício, o facto não tem nada que ver
com o comércio. Quem constrói a sua casinha e a denomina imaginativamente
"O meu lar" não está comerciando. O proprietário que coloca no edifício
de apartamentos a designação "Sinfonia" não está a fazer comércio.
Pois
também não o faz o empresário que constrói um edifício para comercializar
apartamentos e lhe chama "Dolce Vita". Procura uma designação
sugestiva que atraia a clientela, mas isso não torna o acto comercial. É como
escolher a cor ocre ou colocar uma estatueta à entrada. São actos que
distinguem o prédio, mas nem por isso são actos de comércio ou se enquadram nos
sinais distintivos do comércio. (op.cit., fls. 46/54).
Diante do contexto destacado e sopesando
que embora a proteção da marca de alto renome garanta ao titular uso exclusivo em
todos os ramos de atividade comercial/empresarial, inviabilizando que terceiros
possam utilizar ou registrar marca idêntica ou semelhante, a proteção não se estende
aos nomes de edifícios ou condomínios que, como atos da vida civil que são,
destinam-se a nomear coisas, sem interferência na exploração econômica, impossibilitando
sua colidência com marcas.
Em suma, o registro de uma expressão
como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no
nome de um edifício. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita às
atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil.
Feitas essas considerações, escuso-me
perante a em. Ministra Relatora, mas, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
É o voto.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2019/0080321-7 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.804.960 / SP
Números
Origem: 01378398620088260002 1378398620088260002 2340/2008 23402008 5830220081378397
EM MESA JULGADO: 24/09/2019
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Relator
para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ROGÉRIO DE PAIVA
NAVARRO
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: NATURA COSMÉTICOS S/A
RECORRENTE
: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO
RICCI - SP067143
PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE -
SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977
RECORRIDO
: ROSSI RESIDENCIAL SA
ADVOGADO
: NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas -
Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após
o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, a Turma, por maioria, negou
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro,
que lavrará o acórdão. Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr.
Ministro Moura Ribeiro, os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas
Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.