Registro: 2019.0000029844
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1011890-21.2015.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante PEDRO AUGUSTO MARQUES (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado EDILIVRO EDITORA E DISTRIBUIDORA DE LIVROS LTDA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento parcial, nos termos que constarão do acórdão. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente) e ALEXANDRE MARCONDES.
São Paulo, 29 de janeiro de 2019.
Viviani Nicolau Relator
Assinatura Eletrônica
VOTO Nº : 29180
APELAÇÃO Nº : 1011890-21.2015.8.26.0477 COMARCA : PRAIA GRANDE
APTE. : PEDRO AUGUSTO MARQUES
APDA. : EDILIVRO EDITORA E DISTRIBUIÇÃO DE LIVROS LTDA.
JUIZ SENTENCIANTE: EDUARDO HIPOLITO HADDAD
"APELAÇÃO CÍVEL. Direito autoral. Dicionário libras. Ação de indenização por danos morais e materiais. Sentença de improcedência. Inconformismo do autor. Acolhimento parcial. DIREITO AUTORAL. Conjunto artístico de criação da parte apelante, com a utilização do dicionário de libras e de gravuras que merece proteção nos termos do artigo 7º, VIII do LDA. Conjunto artístico dotado de originalidade, consistente no estilo e na autenticidade dos elementos que compõem cada um dos desenhos. Precedentes deste Tribunal envolvendo a mesma arte. Documentação dos autos que demonstra a fabricação e exposição à venda de produtos com a utilização dos desenhos criados pela parte autora. REPARAÇÃO. Dano moral. Direito moral do autor resguardado nos termos do artigo 5º artigo 5º, XXVII, da CF e artigo 24 da LDA. Dano moral que decorre da contrafação. Razoável a fixação de danos morais em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com atualização monetária da fixação e juros desde a ata notarial. Indenização sancionatória. Mitigação do artigo 103, parágrafo único da LDA. Embora não se mostre possível a quantificação das vendas realizadas, na vertente dos autos a disposição legal não é proporcional ao dano. Fixação de indenização em R$ 10.000,00 para cada produto. Sentença reformada. Ônus da sucumbência carreado à parte ré, com honorários em 13% do valor da condenação. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.". (v.29180).
PEDRO AUGUSTO MARQUES ingressou com ação de indenização por danos morais e materiais em face de EDILIVRO EDITORA E DISTRIBUIÇÃO DE LIVROS LTDA., nome fantasia SALA VIVA EDITORA e EDILIVROS (fls. 106), cujo pedido foi julgado improcedente nos termos da sentença de fls. 535/536.
A parte vencida foi condenada ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa, observada a gratuidade.
No recurso, o AUTOR alega, em síntese, que o seu trabalho, que criou o foco principal da arte de forma didática e exclusiva, merece proteção. Argumenta que a proteção de criação de desenhos independe do ineditismo ou novidade. Discorre que os documentos dos autos evidenciam que o apelante é o autor da obra. Ao fim das razões recursais, pede-se a reparação pelos danos materiais e a compensação dos morais sofridos em decorrência da não observância do seu direito autoral (fls. 539/556).
O recurso é tempestivo e dispensado o preparo, porque concedida a gratuidade (fls. 101). Recebido, foi contrariado (fls. 560/570). As partes foram intimadas da possibilidade de julgamento virtual, nos termos da Resolução nº 549/2011, e não houve oposição.
É O RELATÓRIO.
O recurso é provido.
A pretensão autoral, de acordo com o relatório da r. sentença, ora adotado, está assentada nos seguintes fundamentos fáticos e jurídicos:
"Ação indenizatória. Alega-se em síntese que o autor é proprietário do site "dicionariolibras.com.br" e criou os desenhos artísticos relacionados ao alfabeto libras que disponibilizou na internet. Todavia a empresa ré Sala Viva Editora, por meio de seu site, vem se utilizando dos desenhos do autor para gerar lucro, expondo-os e vendendo-os. Entende haver contrafração parasitária em violação a lei de direitos autorais. Pede tutela antecipada para retirado dos produtos com desenho do autor do site da ré e que deve ser condenada a indenizar por danos morais R$ 50,000,00 e por danos materiais R$ 871.200,00."
A r. sentença julgou o pedido improcedente porque não é possível a distinção de traço de originalidade ou de autoria, tampouco ineditismo.
Respeitada a bem fundamentada sentença, assiste razão à parte autora.
autoria da obra.
Da proteção autoral
Inicialmente, houve prova suficiente da
Consoante explica Carlos Alberto Bittar:
"salvo prova em contrário, aquele que, por qualquer das modalidades de identificação possível, tiver essa qualidade indicada na utilização da obra e conforme a respectivo uso (art. 13)" (in Direito do autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 35).
direitos autorais,:
Consoante o artigo 13 da Lei sobre
"Considera-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário, aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas no artigo anterior, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização."
No caso dos autos, as provas juntadas por PEDRO AUGUSTO MARQUES são suficientes para demonstrar que é autor dos desenhos, veiculados por meio de seu website (fls. 33), visto que há muito se apresenta como autor, inclusive foi citado por publicações renomadas (fls. 35/44) já no ano de 2004 (fls. 40).
A parte ré não demonstra que a titularidade da obra pertence a outrem, não se prestando a existência de cópia dos desenhos em outros websites a tanto. Os documentos de fls. 156/216, 271, 275/375 não demonstram a utilização das figuras anteriormente à citação demonstrada pelo autor em que há sua identificação como criador dos desenhos (2004). Além disso, nota-se que se mostra curiosa a atribuição da autoria à website de língua espanhola (fls. 114) quando nem todas as figuras do alfabeto correspondem a palavras daquela língua.
A parte ré impugnou a existência de direito autoral, aduzindo que o alfabeto datilológico é de utilização mundial, empregado por todos.
Nesse ponto, ao escrever sobre o requisito básico da originalidade, explica Carlos Alberto Bittar:
"Cumpre, a par disso, haver originalidade na obra, ou seja, deve ser integrada de componentes individualizadores, de tal sorte a não se confundir com outra preexistente. Há que ser, intrínseca e extrinsecamente, diferente de outras já materializadas. Deve revestir-se de traços ou de caracteres próprios, distintos de outros componentes da realidade.
Mas esse conceito deve ser entendido em termos objetivos: a identificação de elementos criativos próprios faz entender- se original a obra. A tendência, a propósito, é a da proteção de toda e qualquer obra estética, desde que individualizada por essência própria.
Ademais, apresenta a originalidade caráter relativo, não se exigindo, pois, novidade absoluta, eis que inexorável é, de um ou outro modo, o aproveitamento, até inconsciente do acerto cultural comum. Basta a existência, pois, de contornos próprios, quanto à expressão e à composição, para que a forma literária, artística e científica ingresse no circuito de Direito de Autor.
Aliás, é nessa relatividade que as obras derivas (adaptações, resumos, arranjos) encontram espaço nesse contesto, gozando de proteção semelhante às obras originárias, desde que autorizada pelo criados a sua consecução (embora aproveitem ideias da anterior, ou, mesmo, componentes outros)." (in Direito do autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 23-24).
Pese o alegado pela parte ré e pela r. sentença, embora a linguagem "libras", isoladamente considerada, não possua realmente proteção autoral, o mesmo não se pode afirmar quanto ao conjunto de desenhos criados para ilustrar a linguagem dos sinais, visto que estes merecem proteção nos termos da legislação vigente:
"Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...)
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;"
Ou seja, o conjunto artístico de criação da parte apelante, com a utilização do dicionário de libras e de gravuras, deve ser protegido nos termos do dispositivo legal, visto que presentes contornos próprios quanto ao traçado e a composição de cada representação.
Assim, respeitado o entendimento em sentido contrário, a obra do autor possui aspecto criativo e original, visto que, consoante já afirmado, a proteção não recaí sobre a linguagem de sinais, mas sobre o conjunto artístico elaborado pelo autor.
Embora a parte ré impugne o ineditismo, além de alegar que os desenhos de sinais datilológicos são acompanhados por sinais simples, inquestionável a sua existência no caso, consistente no estilo e na autenticidade dos elementos que compõem cada um dos desenhos. O conjunto artístico foi elaborado pela parte autora e a singeleza alegada não retira a proteção conferida pelo ordenamento jurídico. Nota-se que no caso não há mera semelhança no traçado, mas a cópia dos desenhos com pequenas alterações em alguns dos materiais.
Poderia, realmente, a parte ré ter elaborado o seu próprio alfabeto para a exploração econômica, contudo, mesmo com a singeleza da obra do autor, preferiu aproveitá-la, sem que tivesse autorização para tanto.
Como bem ressaltou o eminente Desembargador Ênio Santarelli Zuliani em caso similar ao presente:
"A situação decorre do aproveitamento da obra ou o conjunto de desenhos que formam o alfabeto datilológico "Libras", cujo ineditismo é irrecusável. E ainda que alguns sinais expressem posições conhecidas, o fato é que esses sinais possuem os seus significativos e compõem um conjunto artístico que terminou sendo admitido como material de aprendizado e até brinquedo. Não é possível reproduzir sem autorização expressa do autor, porque constitui violação aos direitos patrimoniais, tanto que editoras conhecidas pedem autorização e pagam pela utilização (Ática, Moderna)." TJSP; Apelação 1063782-04.2013.8.26.0100; Relator (a): ENIO ZULIANI; Órgão Julgador: 28ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro Central Cível - 39ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/04/2017; Data de Registro: 10/04/2017)
Há precedentes deste E. Tribunal que já reconheceram ao autor o direito de proteção à obra consistente no alfabeto de libras do autor:
"Apelação Cível - Cerceamento de defesa - Inocorrência - Matéria que permitiu ao juiz do feito o julgamento antecipado da lide - Suficiência dos elementos dos autos para o julgamento da ação (art. 330, I, do CPC) - Devido processo legal observado na íntegra - Legitimidade - Autor que detém legitimidade para figurar no polo ativo da demanda - Invocação de proteção a direito autoral referente a desenhos criados pelo autor - Legitimidade passiva da ré Vanzetti Indústria e Comércio que se justifica em vista da confusão havida com a ré Metalplay Indústria e Comércio - Empresas que apresentam o mesmo endereço, bem como comercializam os produtos apontados pelo autor - Competência territorial - Ausência de exceção ritual específica - Reconhecimento da prorrogação tácita da competência do Juízo "a quo" - Preliminares afastadas. Direito autoral - Reprodução de desenhos da autoria do requerente em produtos comercializados pelas requeridas - Utilização das ilustrações produzidas pelo autor na fabricação e comercialização dos produtos das rés que restou incontroversa - Sentença que corretamente concluiu que os desenhos elaborados pelo autor não se destinam à fabricação industrial - Obras que não se caracterizam como desenho industrial, não dependendo de registro perante o INPI para que seja reconhecida a proteção autoral - Criações do autor que encontram proteção na L. 9.610/98, na qualidade de obras intelectuais (art. 7º) - Situação retratada nos autos que não se subsume a quaisquer das hipóteses dos incisos do art. 46 da referida lei - Utilização indevida de obra evidenciada - Lesão do direito autoral configurada, não se verificando mero aproveitamento industrial e comercial das ideias contidas nas obras do autor - Alegação de que a obra artística é baseada em alfabeto já existente - Irrelevância - Intuito dos desenhos criados pelo autor que era justamente ilustrar, através de figuras, alguns sinais básicos da Língua de Sinais - "Ineditismo" da obra que reside no estilo e na autenticidade dos elementos que compõem cada um dos desenhos, ainda que se trate de interpretação de signo gestual utilizado em linguagem específica, qual seja, a Língua de Sinais - Farta documentação acostada aos autos que revela identidade entre as ilustrações produzidas pelo autor e as utilizadas em produtos comercializados por ambas as rés - Patente reprodução tanto dos elementos pictográficos quanto do padrão do plano de fundo de cada desenho ilustrativos das letras do alfabeto e numerais. Dano moral - Direitos morais do autor à indicação de seu nome na utilização de sua obra (art. 24, II, da L. 9.610/98) - Danos que se apresentam "in re ipsa", em vista da utilização não autorizada de obra de autoria do requerente em produtos fabricados e comercializados pelas rés - Obtenção de prévia autorização do autor para a utilização de desenhos de autoria deste que incumbia às rés - Multa diária - Fixação de astreintes que se presta a evitar o descumprimento da decisão - Adequada a determinação de abstenção de comercialização de qualquer produto que reproduza as obras intelectuais do autor sem sua prévia autorização - Razoável, contudo, a limitação da exigibilidade de multa pelo prazo de 30 dias - Recurso das rés improvido. Indenização - Arbitramento - Dano moral - Pretensão de ambas as partes no tocante à alteração do quantum arbitrado pela r. sentença - Valor que deve refletir a reprovabilidade da conduta do ofensor sem, contudo, servir de estímulo ao enriquecimento sem causa do ofendido - Indenização arbitrada que se mostra insuficiente, porquanto não atendido o critério punitivo da sanção - Requerente que foi surpreendido pela exploração comercial indevida de obra de sua autoria em produtos fabricados e colocados no mercado pelas rés - Razoável a fixação em R$ 8.800,00 - Dano material - Fixação nos termos do que estabelece o pár. ún. do art. 103 da L. 9.610/98 - Rés que deixaram de comprovar o número de exemplares de cada produto vendido, limitando-se a alegar que foram comercializadas dez unidades do relógio em libras, 15 unidades do dominó em libras e cinco unidades do painel em libras, sem trazer, contudo, qualquer planilha ou documento capaz de corroborar os números alegados - Inviabilidade de identificação do número exato dos exemplares vendidos - Devida indenização no equivalente ao valor de mercado de 3.000 exemplares de cada obra - Recurso do autor parcialmente provido. Descumprimento de determinação judicial - Informação de que ainda consta do catálogo virtual da ré Vanzetti o produto "Painel em Libras" - Pesquisa realizada por esta relatoria que confirmou a referida informação - Reiteração de descumprimento da determinação judicial pela ré Vanzetti - Multa devida, até o limite estabelecido neste acórdão. (TJSP; Apelação 1007659-48.2015.8.26.0477; Relator (a): JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Praia Grande - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/02/2017; Data de Registro: 15/02/2017)."
"Direitos autorais (art. 7º, VIII, da Lei 9610/98). Autor é titular de obra protegida (alfabeto datilológico Libras). Utilização indevida. Ré que permite inserção em seu site de catálogo de fornecedor contendo a obra. Falta de autorização do autor. Provimento para impor ordem de abstenção e limpeza do site para excluir referência do alfabeto Libras, rejeitando dano material. Condenação em danos morais de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Provimento, em parte. (TJSP; Apelação 1063782-04.2013.8.26.0100; Relator (a): ENIO ZULIANI; Órgão Julgador: 28ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro Central Cível - 39ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/04/2017; Data de Registro: 10/04/2017)."
"Responsabilidade civil. Violação de direito autoral. Desenhos artísticos do alfabeto datilológio "Libras", utilizados em painel, divulgados para comercialização no site da ré destinado à comercialização. Reprodução não identificada e não autorizada. Solidariedade entre fabricante e comerciante (art. 104, da Lei 9.610/98). Precedente do STJ. Dano material decorrente da comercialização ilegal. Razoabilidade e proporcionalidade. Danos morais. Desnecessidade de comprovação de sua efetiva ocorrência (damnum in re ipsa). Valor da indenização fixado em R$ 10.000,00. Valor que atente a dupla função da indenização (caráter dissuasório e a não configuração de enriquecimento ilícito). Sentença mantida. Recursos providos. (TJSP; Apelação 1053700-11.2013.8.26.0100; Relator (a): RÔMOLO RUSSO; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 23ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/03/2017; Data de Registro: 22/03/2017)."
"Indenização cumulada com pedido de tutela antecipada - Violação de direitos autorais, pois ausente autorização para reprodução e comercialização de desenhos artísticos do alfabeto "Libras" - Apelada que não se desincumbiu de provar fato desconstitutivo do direito do autor - Danos morais e materiais configurados - Danos materiais arbitrados em R$ 131.850,00 - Danos morais in re ipsa - Desnecessidade de demonstração do prejuízo - Danos morais fixados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), de acordo com o entendimento desta C. 10ª Câmara de Direito Privado - Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação 1063777-79.2013.8.26.0100; Relator (a): J.B. PAULA LIMA; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 22ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/09/2015; Data de Registro: 15/10/2015)."
"DIREITO AUTORAL. REPRODUÇÃO PARCIAL. DESENHOS. LINGUAGEM BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRA). O autor, na petição inicial, afirmou que criou desenhos representativos do alfabeto e numerais da Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS). Afirmou que os desenhos representam material didático utilizado por crianças e adultos na aprendizagem da linguagem. Material este que foi disponibilizado em site. É certo que a linguagem "Libras", de fato, não tem proteção autoral. Contudo, igualmente certo é que criou o autor desenhos para ilustrar a linguagem dos sinais. Os desenhos por ele criados, portanto, tem proteção da Lei, como disposto no art. 7º, inc. VIII, da Lei nº 9.610/98. Embora o autor não tenha registro da obra, comprovou nos autos ter inserido sua criação em site. A partir desta divulgação, diversas editoras de livros (Ática, Moderna) reconheceram a autoria da obra e pediram ao autor autorização para reprodução dos livros didáticos por elas publicados. Comprovou o autor, portanto, a utilidade de sua obra, cuja autoria é imputada a ele por terceiros. É o quanto basta para confirmar a legitimidade do autor para o pedido. Comprovada a reprodução parcial da obra do autor, a sentença fixou adequadamente reparação por danos morais e materiais. Verba honorária adequadamente fixada. Recursos não providos. (TJSP; Apelação 1040740-23.2013.8.26.0100; Relator (a): CARLOS ALBERTO GARBI; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/09/2014; Data de Registro: 18/09/2014)."
No caso dos autos, a parte ré se valeu da obra da parte autora para fabricação e exposição à venda de três produtos: Alfabeto 4 Formas Libras Faixa, Alfabeto 4 Formas Libras Números em Libras e Alfabeto 4 Formas Libras.
No primeiro, Alfabeto 4 Formas Libras Faixa, houve a utilização da obra do autor, como se constata às fls. 8, visto que a arte foi reproduzida quase integralmente sem a autorização do autor, apenas houve alteração consistente na supressão do autor e alteração dos caracteres latinos de vogais para a cor vermelha.
No segundo, Alfabeto 4 Formas Libras Números em Libras, a arte foi parcialmente reproduzida, visto que além da remoção da identificação do autor e alteração dos caracteres latinos de vogais para a cor vermelha, algumas figuras foram alteradas além da alteração da imagem de fundo.
No terceiro, Alfabeto 4 Formas Libras, a arte foi parcialmente reproduzida, visto que além da remoção da identificação do autor e alteração dos caracteres latinos de vogais para a cor vermelha, algumas figuras foram alteradas, além da alteração da imagem de fundo.
Não prospera o argumento de que se tratava de arte em domínio público. Ao contrário do alegado pela parte ré, não é porque o autor divulga o seu trabalho por meio da internet que a obra passa ao domínio público, haja vista a ausência de amparo legal na assertiva (artigo 41 da LDA).
A parte ré suscita o direito à cultura. Todavia, não cabe à parte ré, sociedade empresarial, editora que se valeu dos desenhos de outrem para o exercício de atividade econômica, defender o direito à cultura dos membros difusos da coletividade, visto que não possui legitimidade para tanto.
Embora a parte ré argumente que a parte autora não comprova a utilização ou comercialização dos desenhos, fato é que a ata notarial de fls. 46/47 demonstra a exposição à venda dos produtos em que há violação a direito autoral, havendo menção de que se tratava de produtos da própria Sala Viva (nome fantasia da ré), o que é suficiente para a incidência do dever de reparar o dano, visto que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra.
Consoante o artigo 102 da citada Lei:
Art. 102. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível.
A parte ré ainda aduziu a aplicação do artigo 46 da LDA, contudo, incabível a incidência da norma no caso concreto. A utilização pela ré dos desenhos do autor não se deu para fins didáticos, mas para exploração econômica com intuito de lucro, já que houve reprodução de obras e exposição à venda. Embora os adquirentes dos banners pudessem ter o objetivo didático, o objetivo da ré era auferir lucro, tanto que não era graciosa a disponibilização do material.
Diante de todo o exposto, necessária a proteção do direito autoral, devendo a ré se abster de comercializar os produtos contrafeitos, se ainda não o fez, haja vista o relatado às fls. 520. Nota-se que posteriores alterações no website, conforme afirmado às fls. 520/524, não afastam a legitimidade da ré, haja vista a disponibilização em seu site do material contrafeito (fls. 46/47).
Da reparação e sanção
O autor pleiteou indenização por danos morais em R$ 50.000,00 e danos materiais consistentes em todo o valor dos produtos feitos com os desenhos do autor, vendidos por meio do site ou da loja física, ou caso não seja possível a quantificação, o equivalente a três mil exemplares, nos termos do artigo 103 do CPC/15, o que totaliza R$ 871.200,00, conforme o valor das obras anunciadas.
Os direitos morais sobre a obra autoral pertencem exclusivamente ao seu autor (conforme artigo 5º, XXVII da CF) e foram catalogados no artigo 24 da LDA:
"Art. 24. São direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado."
No caso, houve inequívoca violação aos direitos inerentes à obra, vez que necessária seria a prévia autorização para a utilização dos desenhos de sua autoria, com a indicação dos créditos autorais, o que inexistiu na vertente dos autos, razão pela qual necessária a reparação pela violação ao direito extrapatrimonial.
Não prospera a alegação de que não há e nunca existiu venda de banners, haja vista a prova de que houve exposição às fls. 46/47 dos banners que eram confeccionados pela própria vendedora (fls. 4/6).
O dano encontra amparo na lei e decorre da própria conduta, sendo desnecessária a prova do que o autor deixou de lucrar, por se tratar de damnum in re ipsa.
Pese devida a indenização por danos morais, o arbitramento deve ser feito com moderação.
Apresentam-se como princípios norteadores para a quantificação do dano moral, o princípio da razoabilidade e, ainda, o princípio que veda o enriquecimento ilícito, deles não podendo se divorciar o julgador.
Mostra-se exagerado o pedido de indenização em danos morais de R$ 50.000,00. Razoável a fixação em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Tal entendimento não destoa da orientação jurisprudencial do Colendo Superior Tribunal de Justiça, para a fixação da indenização por danos morais, visto que recomendável o arbitramento com moderação, "proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da parte autora e, ainda, ao porte econômico da ré, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso." (REsp 259.816/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 22/08/2000, DJ 27/11/2000, p. 171).
A correção monetária do valor da indenização incide a partir data do arbitramento da indenização, ou seja, a partir deste acórdão (Súmula 362 do STJ). Os juros, no caso, se contam a partir da data da ata notarial (28/09/2015), prova contundente da primeira notícia de violação (Súmula 54 do STJ).
Em razão do intuito de lucro, cabível, também, a sanção civil requerida nos termos do artigo 103 e 104 da LDA:
"Art. 103. Quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido.
Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos.
Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior."
Os dispositivos cuidam de sanção pecuniária para aquele que expôs à venda o produto, como ao menos fez a ré (fls. 118). Ou seja, a reparação prevista não visa meramente ressarcimento, mas busca aplicar punição àquela que reproduz fraudulentamente a obra de outrem.
No caso, não se mostra viável o conhecimento do número de exemplares das edições, visto que, apesar da robusta prova, a ré negou a venda e não demonstrou qualquer elemento que pudesse colaborar a identificação dos exemplares vendidos.
Além disso, a aquisição de um dos contrafeitos, demonstrada pela parte autora, ocorreu sem nota fiscal, situação que macula a possibilidade de reconstituição das vendas realizadas por documentos contábeis, ainda mais considerando o transcurso do tempo desde a propositura da demanda até este julgamento.
Assim, não se mostrando possível a quantificação, a Lei atribui o parâmetro de três mil exemplares para cada obra.
Porém, apesar da dicção legal, tal parâmetro não se mostra razoável na vertente dos autos, em razão de suas peculiaridades, visto se tratar de obra didática para público específico e restrito.
Ademais, a parte autora deixou de requerer apreensão dos exemplares reproduzidos, a fim de auxiliar na quantificação necessária à aplicação do artigo 103 da LDA.
Conforme precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"O art. 103 da Lei n. 9.610/98 dispõe sobre indenização, decorrente da sanção civil que regulamenta, na medida em que prevê a perda dos exemplares de obras literárias, artísticas ou científicas publicadas sem autorização do autor intelectual e/ou pagamento em espécie do valor de tais exemplares. Mesmo sendo norma que impõe sanção na forma por ela estipulada, sua aplicação não foge aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo-se sopesar a gravidade do ato praticado e sua repercussão na esfera privada do autor cujos direitos foram afrontados." (REsp 1317861/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 11/05/2016).
Ainda, apesar da gravidade do ato da ré, não se verifica significativa repercussão na esfera privada do autor, visto que não há demonstração de que deixou de explorar a sua obra em razão da conduta da ré.
Diante de todo o exposto, em observância aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade da sanção, mostra-se mais adequada a fixação do patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada obra violada.
Esse entendimento já foi adotado em caso envolvendo a parte autora:
"Responsabilidade civil. Violação de direito autoral. Desenhos artísticos do alfabeto datilológio "Libras", utilizados em painel, divulgados para comercialização no site da ré destinado à comercialização. Reprodução não identificada e não autorizada. Solidariedade entre fabricante e comerciante (art. 104, da Lei 9.610/98). Precedente do STJ. Dano material decorrente da comercialização ilegal. Razoabilidade e proporcionalidade. Danos morais. Desnecessidade de comprovação de sua efetiva ocorrência (damnum in re ipsa). Valor da indenização fixado em R$ 10.000,00. Valor que atente a dupla função da indenização (caráter dissuasório e a não configuração de enriquecimento ilícito). Sentença mantida. Recursos providos. (TJSP; Apelação 1053700-11.2013.8.26.0100; Relator (a): RÔMOLO RUSSO; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 23ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/03/2017; Data de Registro: 22/03/2017)."
Concluindo, a r. sentença é reformada para julgar o pedido parcialmente procedente, condenando a ré à abstenção de comercialização dos produtos descritos e pagamento da indenização por danos morais em R$ 15.000,00, com correção monetária deste acórdão e juros desde a citação, além da sanção civil correspondente a R$ 10.000,00 para cada uma das três publicações, totalizando R$ 30.000,00.
Em razão da reforma da r. sentença, fica a parte ré condenada aos ônus da sucumbência, com honorários advocatícios de 13% do valor da condenação, já considerando o trabalho em sede recursal.
Ante o exposto, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
VIVIANI NICOLAU
Relator