RECURSO
ESPECIAL Nº 1.630.851 - SP (2014/0308065-9)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE
: RITA DE CASSIA CORRÊA
ADVOGADOS
: ELIANE YACHOUH ABRÃO E OUTRO(S) - SP028250
PEDRO PEREIRA DE ALVARENGA NETO
E OUTRO(S) - SP275935
RECORRIDO
: MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA
ADVOGADOS
: MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO - SP146791 RICARDO CHABU DEL SOLE E OUTRO(S) - SP309132
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITOS
AUTORAIS E DIREITOS DA PERSONALIDADE. GRAVAÇÃO DE VOZ. COMERCIALIZAÇÃO E
UTILIZAÇÃO PELA RÉ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. DIREITOS AUTORAIS.
GRAVAÇÃO DE MENSAGEM TELEFÔNICA QUE NÃO CONFIGURA DIREITO CONEXO AO DE AUTOR, NÃO
ESTANDO PROTEGIDA PELA LEI DE DIREITOS AUTORAIS. PROTEÇÃO À VOZ COMO DIREITO DA
PERSONALIDADE. POSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO VOLUNTÁRIA, DESDE QUE NÃO PERMANENTE
NEM GERAL. AUTORIZAÇÃO PARA A UTILIZAÇÃO DA GRAVAÇÃO DA VOZ QUE PODE SER
PRESUMIDA NO PRESENTE CASO. GRAVAÇÃO REALIZADA ESPECIFICAMENTE PARA AS
NECESSIDADES DE QUEM A UTILIZA. UTILIZAÇÃO CORRESPONDENTE AO FIM COM QUE
REALIZADA A GRAVAÇÃO. INDENIZAÇÃO NÃO DEVIDA.
1.
Pretensão da autora de
condenação da empresa requerida ao pagamento de indenização pela utilização de
gravação de sua voz sem sua autorização, com fins alegadamente comerciais, por
ser ela objeto de proteção tanto da legislação relativa aos direitos autorais, como
aos direitos da personalidade.
2.
Ausência de violação do art. 535
do CPC/73, tendo o Tribunal de origem apresentado fundamentação suficiente para
o desprovimento do recurso de apelação da autora.
3.
Os direitos do artista executante
ou intérprete são conexos aos direitos de autor e, apesar de sua autonomia, estão
intrinsecamente ligados, em sua origem, a uma obra autoral, e a ela devem sua existência.
4.
Nos termos da Lei de Direitos Autorais
(Lei n. 9.610/98), apenas há direitos conexos quando há execução de obra artística
ou literária, ou de expressão do folclore.
5.
Gravação de mensagem de voz para
central telefônica que não pode ser enquadrada como direito conexo ao de autor,
por não representar execução de obra literária ou artística ou de expressão do
folclore. Inaplicabilidade da Lei n. 9.610/98 ao caso em comento.
6.
A voz humana encontra proteção
nos direitos da personalidade, seja como direito autônomo ou como parte integrante
do direito à imagem ou do direito à identidade pessoal.
7.
Os direitos da personalidade podem
ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando
seu exercício condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização
estar de acordo com o contrato. Enunciado n. 4 da I Jornada de Direito Civil.
8.
Caso concreto em que a autorização
da autora deve ser presumida, pois realizou gravação de voz a ser precisamente veiculada
na central telefônica da ré, atendendo especificamente às suas necessidades.
9.
Gravação que vem sendo utilizada
pela ré exatamente para esses fins, em sua central telefônica, não havendo
exploração comercial da voz da autora.
10. Eventual
inadimplemento contratual decorrente do contrato firmado pela autora com a terceira
intermediária que deve ser pleiteado em relação a ela, e não perante a empresa requerida.
11. RECURSO
ESPECIAL DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em
que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy
Andrighi acompanhando o voto do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade,
negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os
Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente),
Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 27 de abril de 2017.
(Data de Julgamento)
MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO
Relator
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.630.851 - SP (2014/0308065-9)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE
: RITA DE CASSIA CORRÊA
ADVOGADOS
: ELIANE YACHOUH ABRÃO E OUTRO(S) - SP028250
PEDRO PEREIRA DE ALVARENGA NETO
E OUTRO(S) - SP275935
RECORRIDO
: MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA
ADVOGADOS
: MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO - SP146791 RICARDO CHABU DEL SOLE E OUTRO(S) - SP309132
RELATÓRIO
O
EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto
por RITA DE CÁSSIA CORRÊA contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, que negou provimento ao recurso de apelação manejado no curso da
ação proposta contra MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA.
O acórdão recorrido foi ementado nos
seguintes termos:
USO
INDEVIDO DE GRAVAÇÃO DE VOZ DE LOCUTORA PROFISSIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS.
SENTENÇA CONFIRMADA.
Opostos embargos de declaração, foram
rejeitados (fls. 283-288 e-STJ).
Em seu recurso especial, a recorrente
sustenta a ocorrência de violação do art. 535, I e II, do CPC, uma vez que o
Tribunal de origem não sanou as omissões apontadas nos embargos de declaração
acerca da legitimidade do uso das gravações de sua voz. Alega que o acórdão
recorrido violou os arts. 11, 12 e 20 do CC, defendendo que, como decorrência
dos direitos da personalidade, tem inequívoco direito a exigir a reparação pelo
uso não autorizado de sua voz, mormente considerando que a utilização indevida se
deu para fins comerciais. Salienta que, durante quase cinco anos de uso não
autorizado, a recorrida utilizou sua voz, no mínimo 4.872.000 quatro milhões,
oitocentos e setenta e duas mil) vezes. Aponta a ocorrência de afronta ao art.
104, II, do CC, afirmando ser nulo o contrato de compra e venda havido entre a
recorrida e Infoline Digital, já que possuía como objeto a negociação sobre o
uso da sua voz, o que não se mostra possível, por se tratar de bem da
personalidade. Assevera a ocorrência de violação do art. 927 do CC, defendendo
a responsabilidade civil da recorrida e a necessidade de sua condenação ao
pagamento da indenização decorrente do uso indevido e não autorizado de sua
voz. Argumenta, ainda, ter havido ofensa aos arts. 4º, 50, 90, II e § 2º, e 92 da
Lei n. 9.610/98, ressaltando que a interpretação vocal é expressão artística protegida
do mesmo modo que o direito autoral, sendo que a interpretação dos contratos de
cessão deve ser necessariamente restritiva (fls. 305-325 e-STJ).
Foram apresentadas as contrarrazões ao
recurso especial (fls. 329-341 e-STJ).
É o relatório.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.630.851 - SP (2014/0308065-9)
VOTO
O
EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Eminentes Colegas, não merece provimento
o presente recurso especial. Não há a alegada violação do art. 535, I e II, do
CPC/73, uma vez que o
Tribunal de origem, ao julgar o recurso
de apelação interposto pela autora, apresentou fundamentação suficiente, tendo
afirmado ser legítima a utilização das gravações pela ré, uma vez que
decorrente de prestação de serviço para o qual a autora foi devidamente remunerada.
Não houve, assim, qualquer omissão ou
contradição nos julgados do Tribunal de origem.
Versam os autos acerca de ação de
indenização em que a autora pretende a reparação pelo uso de sua voz em
gravação de saudação telefônica sem sua autorização, com fins comerciais.
Sustenta que a gravação foi realizada
por terceiro, sob o pretexto de que seriam meros testes, para os quais teria
recebido ínfima remuneração. As gravações, porém, teriam sido comercializadas à
ré sem sua autorização, e estariam sendo utilizadas de forma comercial, o que
ensejaria a sua responsabilidade civil.
A pretensão da autora se funda em dois
argumentos.
Primeiro, o de que a sua interpretação
na gravação em questão ensejaria a proteção da Lei de Direitos Autorais, que
prevê expressamente que os negócios jurídicos sobre direitos autorais devem ser
interpretados restritivamente, afirmando, ainda, que a sua remuneração deveria ser
compatível com a quantidade de vezes em que utilizada a gravação de sua interpretação
vocal.
Segundo, o de que a sua voz, por
configurar direito de personalidade, não pode ser comercializada e utilizada sem
sua autorização, especialmente para fins comerciais.
Examino os dois argumentos
separadamente.
I
- A interpretação artística:
Os direitos do artista intérprete e
executante, embora guardem muitas semelhanças com os direitos do autor, com
eles não se confundem.
Os direitos do artista executante, assim
como os direitos dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão,
são conhecidos como direitos conexos aos
de autor (direitos afins ou direitos vizinhos, em tradução da expressão em
inglês neighboring rights).
No plano internacional, os direitos de
autor foram objeto da Convenção de Berna, firmada em 1896. Os direitos conexos,
por sua vez, foram objeto da Convenção de Roma, assinada em 1961, 65 anos depois.
Na legislação brasileira, eles são
protegidos pelo mesmo diploma, Lei n.
9.610/98, popularmente conhecida como Lei
de Direitos Autorais.
Os direitos conexos devem sua existência
a uma obra autoral prévia. Vale dizer, o direito do artista intérprete decorre
de sua intervenção, de forma original, criativa e com a devida autorização, em uma
obra autoral preexistente.
Sem obra anterior, não haveria a conexão
que dá nome a esses direitos. A Convenção de Roma, de fato, prevê expressamente,
em seu art. 3º, que artistas intérpretes ou executantes são "os atores,
cantores, músicos, dançarinos e outras pessoas que representem, cantem,
recitem, declamem, interpretem ou executem, por qualquer forma, obras literárias ou artísticas".
A Convenção, de todo modo, em seu art.
9º, autoriza os Estados contratantes, em suas legislações nacionais, a
estenderem a proteção de direitos conexos aos artistas que não executam obras
literárias ou artísticas.
A legislação brasileira assim o fez, porém
estendeu a referida proteção apenas para artistas que executem expressões do folclore.
Com efeito, a Lei n. 9.610/98, em seu
art. 5º, XIII, conceitua artistas intérpretes ou executantes como, verbis:
todos
os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel,
cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões
do folclore. (Grifou-se)
Portanto, para o ordenamento jurídico brasileiro,
se não há obra autoral de natureza literária ou artística ou uma expressão do folclore
preexistente a ser executada, não se mostra possível o reconhecimento de direitos
conexos dos executantes.
Não questiona aqui a autonomia dos direitos
conexos frente aos direitos de autor, uma vez que os artistas intérpretes ou
executantes gozam de direitos independentes, especificamente elencados na Lei n.
9.610/98.
Tampouco se olvida da importância de
suas atividades, de que resulta uma obra distinta, a obra interpretada.
Afirmou Carnelutti, em A Morte do Direito (Belo Horizonte: Editora
Líder, 2003, p.11), que "a beleza de uma música, como a bondade de uma
lei, não depende só de quem a compõe, senão também de quem as executa".
Com efeito, Antônio Chaves, ao explicitar em que consistem os direitos conexos,
lecionou (em Direitos Conexos, São Paulo: LTr, 1999, p. 22) :
São,
em primeiro lugar, os direitos dos artistas de interpretação musical ou dramática
(em termos amplos), como elaboradores já não, evidentemente, de obras originárias
(as literárias e as musicais que executam), mas de obras "conexas", isto
é, que criam a partir daquelas preexistentes, adquirindo, quando meritoriamente
desempenhadas, sua própria individualidade, como obras interpretadas, através de
execuções "ao vivo" ou mediante gravações sonoras.
Dão,
assim, vida e cor a elaborações que de outra forma não sairiam do papel,
inacessíveis ao grande público, exercendo função decisiva para que o compositor
seja compreendido e divulgado, aquém e além das fronteiras de seu país, e oferecem,
assim, similitudes e compatibilidades com o direito de autor, a tal ponto que, vencidas
as resistências iniciais, a lei não mais hesita em protegê-las em sentido análogo.
A despeito da autonomia dos direitos conexos
frente aos direitos de autor, bem como de sua importância para a circulação de
obras autorais e para o desenvolvimento da cultura, os direitos conexos, em sua
gênese, se apoiam necessariamente, ao menos no Brasil, em obras literárias ou
artísticas e em expressões do folclore.
Por este motivo, Antônio Chaves, em sua já citada obra, ao examinar a atividade
realizada por locutores e narradores, embora utilize expressão cunhada na lei anterior,
esclarece que:
O
locutor e o narrador não criam, não interpretam, não executam obra de caráter cultural
de qualquer natureza: são transmissores, pelas suas vozes - muitas delas de padrão
vocal de expressiva beleza - de mensagens, sem criar, interpretar ou executar. (...)
Mas
não serão artistas no alto significado da palavra, pois não exercem as chamadas
belas-artes, não exercem a capacidade criadora de expressar ou transmitir tais sensações
ou sentimentos.
As gravações realizadas pela recorrente
em muito se assemelham ao ofício de um locutor que apenas lê uma mensagem
anteriormente redigida, desprovida de qualquer natureza artística ou literária.
Pelo que se depreende do acórdão
recorrido, a autora gravou uma simples saudação telefônica, a ser utilizada pela
ré na espera de sua central telefônica.
Por mais elástico que se considere o
conceito de obra artística e literária, ele não abrange saudações telefônicas,
que, via de regra, não preenchem o requisito mínimo de originalidade necessário
para o reconhecimento da proteção autoral.
A autora nem mesmo alega que a saudação
telefônica por ela gravada era excepcionalmente criativa a ponto de ser
considerada uma obra artística ou literária por ela executada.
Não havendo, portanto, obra autoral
executada, não há falar em direito conexo, não se mostrando aplicável ao caso a
Lei n. 9.610/98.
II
- Direito da Personalidade:
Não se discute que a voz encontra
proteção nos direitos da personalidade, garantidos pela Constituição da
República e previstos no Capítulo II da Parte Geral do Código Civil.
A proteção à voz pode ser considerada direito
autônomo da personalidade, ou mesmo parte integrante de outro direito inerente
à pessoa, seja o direito à imagem seja o direito à identidade pessoal.
O simples fato de se tratar de direito da
personalidade, porém, não afasta a possibilidade de exploração econômica da voz.
O exercício dos direitos da
personalidade, a despeito da redação literal do art. 11 do Código Civil, são
passíveis de limitação voluntária, desde que limitada.
Esse é o teor do Enunciado 4 da I
Jornada de Direito Civil, em que se afirma: "O exercício dos direitos da
personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente
nem geral".
A possibilidade de limitação voluntária
de alguns dos direitos da personalidade busca justamente proteger os interesses
do próprio titular, que, podendo explorá-los economicamente, poderá deles
melhor fruir.
Cito, por oportuna, lição de Carlos Alberto Bittar (Os Direitos
da Personalidade. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 44):
Mas,
diante das necessidades decorrentes de sua própria condição, da posição do titular,
do interesse negocial e da expansão tecnológica, certos direitos da personalidade
acabaram ingressando na circulação jurídica, admitindo-se ora a sua disponibilidade,
exatamente para permitir a melhor fruição por parte de seu titular, sem, no
entanto, afetar-se os seus caracteres intrínsecos.
(...)
Assim,
são disponíveis, por via contratual, certos direitos - mediante instrumento adequados
(como os de licença, de cessão de direitos e outros específicos) -, podendo, portanto,
vir a ser utilizados por terceiros e nos termos restritos aos respectivos ajustes
escritos.
Perfeitamente possível e válido,
portanto, o negócio jurídico que tenha por objeto a gravação de voz, devendo-se
averiguar apenas se foi ela gravada com autorização do seu titular e se sua utilização
ocorreu dentro dos limites contratuais.
Pelo que se depreende dos fatos
afirmados na sentença e no acórdão recorrido, a recorrente, contratada por
terceira intermediária, procedeu à gravação de saudação telefônica específica
para a recorrida.
Na gravação, a recorrente lê mensagens
redigidas para serem utilizadas especificamente pela Microsoft, atendendo de
forma personalizada às necessidades de sua central telefônica.
Nesse contexto, o simples fato de ter
anuído com a realização da gravação em si já denota a autorização da recorrente
para a utilização de sua voz. Afinal, se não desejasse ver sua voz utilizada na
central telefônica da recorrida, por que procedeu à gravação?
Razoável pressupor a autorização do titular
na gravação de voz realizada especificamente para as necessidades de quem as utiliza,
não sendo o caso de usurpação de gravação realizada para outras finalidades.
Acerca da possibilidade de
reconhecimento tácito da autorização do titular, este Superior Tribunal já teve
a oportunidade de se manifestar recentemente:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE IMAGEM. POSSIBILIDADE DE CONSENTIMENTO
TÁCITO, DESDE QUE INTERPRETADO DE FORMA RESTRITA E EXCEPCIONAL. USO INDEVIDO. INDENIZAÇÃO
POR MATERIAIS CONFIGURADA. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA NA ESPÉCIE.
1.
A imagem é a exteriorização da personalidade
inserida na cláusula geral de tutela da pessoa humana (art. 1°, III, da CF e
En. 274 das Jornadas de Direito Civil), com raiz na Constituição Federal e em diversos
outros normativos federais. É, pois, intransmissível e irrenunciável (CC, art. 11),
não podendo sofrer limitação voluntária, permitindo-se uma disponibilidade relativa
(limitada) de expressões do uso do direito da personalidade, desde que não seja
de forma geral e nem permanente (En. 4 das Jornadas de Direito Civil).
2.
Em regra, para maior segurança e
proteção, é exigível o consentimento expresso para o uso da imagem. Contudo, a depender
da situação em concreto, admite-se o consentimento presumível, desde que, pela sua
própria natureza, seja interpretado com extrema cautela, de forma restrita e excepcional.
3.
Nos termos da Súm 403 do STJ,
"independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada
de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais".
4.
No caso concreto, a recorrida publicou,
em revista especializada e de grande circulação, fotografias dos recorrentes em
matéria relacionada à gravidez, sem que houvesse a autorização expressa destes,
não se sabendo ao certo quais foram os limites de eventual consentimento perfectibilizado,
sendo devido o dano material, pela utilização indevida da imagem.
5.
No entanto, não há falar em dano
moral, pois os recorrentes acabaram concordardando, ainda que tacitamente, com
a exposição de suas imagens na revista editada pela recorrida, pois foram eles
próprios que forneceram as fotografias, com os respectivos negativos, para a escolha
e divulgação pela revista, o que revela o interesse dos mesmos em se ver
expostos na matéria de circulação nacional, além de que, a própria Corte local salientou
que a matéria foi "respeitosa, inteligente, bem redigida e primorosamenle produzida".
6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp
1384424/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
11/10/2016, DJe 21/11/2016)
A recorrente sustenta que a referida gravação
teria sido realizada a título de testes perante a terceira intermediária, não
tendo sido contratada sua comercialização, sendo-lhe devido valor adicional
para tanto.
Ocorre que a recorrente e a recorrida
não firmaram negócio jurídico entre elas, mas, sim, por meio da intermediária Infoline
Digital.
Se a terceira não cumpriu com suas
obrigações firmadas perante a recorrente, tendo comercializado sua voz sem ter
lhe pagado o valor integralmente acordado, deve buscar o adimplemento contratual,
e não a responsabilização civil da recorrida, sob pena de incorrer em
comportamento contraditório.
Mostra-se patente a boa-fé da recorrida,
que, ao contratar gravação de saudação telefônica personalizada, específica
para suas necessidades, presumiu que o titular da voz estava de acordo com sua
utilização.
Ademais, consoante afirmado na sentença
e no acórdão recorrido, a gravação está sendo utilizada pela recorrida
Microsoft exatamente para a finalidade pretendida com a gravação, não tendo
havido qualquer utilização indevida, verbis
(fl.206 e-STJ):
Nesta
conformidade, resulta como consequência lógica que a Ré adquiriu da empresa
mencionada o material em questão e utilizou-o na forma autorizada, precisamente
em sua central de telefonia.
De fato, a alegação da autora de que a
gravação de sua voz está sendo utilizada para fins comerciais beira o
comportamento contraditório, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, por
afrontar a boa-fé objetiva.
A recorrida não está utilizando sua voz
para fins publicitários ou para alavancar suas vendas de qualquer outra forma, mas
a tem utilizado exatamente para o mesmo fim com que foi gravada.
Sendo assim, considerando os fatos
estabelecidos na sentença e no acórdão recorrido, concluo que não apenas foi dada
a autorização necessária para a referida gravação, como também a utilização da
sua voz não teve intuito comercial, de tal modo que não há qualquer ofensa a direitos
da personalidade no caso em comento.
Ante
o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2014/0308065-9 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.630.851 / SP
Números Origem:
01408523020078260002 5830220071408525
PAUTA:
25/04/2017 JULGADO: 25/04/2017
Relator
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO
BIGONHA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO
DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: RITA DE CASSIA CORRÊA
ADVOGADOS
: ELIANE YACHOUH ABRÃO E OUTRO(S) - SP028250
PEDRO
PEREIRA DE ALVARENGA NETO E OUTRO(S) - SP275935 RECORRIDO : MICROSOFT
INFORMÁTICA LTDA
ADVOGADOS
: MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO - SP146791
RICARDO CHABU DEL SOLE E
OUTRO(S) - SP309132
ASSUNTO: DIREITO CIVIL -
Responsabilidade Civil
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino, negando provimento ao recurso especial, pediu vista,
antecipadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Aguardam os Srs. Ministros Ricardo
Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.630.851 - SP (2014/0308065-9)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE
: RITA DE CASSIA CORRÊA
ADVOGADOS
: ELIANE YACHOUH ABRÃO E OUTRO(S) - SP028250
PEDRO PEREIRA DE ALVARENGA NETO
E OUTRO(S) - SP275935
RECORRIDO
: MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA
ADVOGADOS
: MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO - SP146791 RICARDO CHABU DEL SOLE E OUTRO(S) - SP309132
VOTO-VISTA
A
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
ACOMPANHO integralmente o voto do Ministro
Relator.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2014/0308065-9 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.630.851 / SP
Números Origem:
01408523020078260002 5830220071408525
PAUTA:
25/04/2017 JULGADO: 27/04/2017
Relator
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO
BIGONHA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO
DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: RITA DE CASSIA CORRÊA
ADVOGADOS
: ELIANE YACHOUH ABRÃO E OUTRO(S) - SP028250
PEDRO
PEREIRA DE ALVARENGA NETO E OUTRO(S) - SP275935 RECORRIDO : MICROSOFT
INFORMÁTICA LTDA
ADVOGADOS
: MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO - SP146791
RICARDO CHABU DEL SOLE E
OUTRO(S) - SP309132
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade
Civil
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após
o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, acompanhando o voto do Sr. Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento
ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros
Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro e
Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.