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PT024-j

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2023, processo n.º 174/21.7YHLSB.L1.S1 | ECLI:PT:STJ:2023:174.21.7YHLSB.L1.S1.85

 

Processo nº 174/21.7YHLSB.L1.S1 

7.ª Secção (Cível)

Recurso de Revista

 

 

 

Decisão Texto Integral

 

DANA-FARBER CANCER INSTITUTE, INC recorreu, ao abrigo do disposto no artigo 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que indeferiu o pedido de modificação oficiosa da decisão que recusou o pedido de Certificado Complementar de Protecção n.º 857 (CCP 857).

Foi proferida sentença negando provimento ao recurso e mantendo a decisão do INPI de 3.08.2020, publicada no BPI de 6.08.2020, de recusar o CCP 857 para a substância ‘atezolizumab’, com fundamento no incumprimento da alínea a) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE.

Inconformada com a sentença dela apelou a Recorrente, formulando as seguintes conclusões:

A) A Apelante apresentou, em 18 de Março de 2019, junto do INPI, o pedido de CCP, tendo como patente de base a Patente Europeia n.º 1210428 ao qual foi atribuído o n.º 857;

B) Este CCP n.º 857 refere-se a uma Autorização de Introdução no Mercado para o medicamento Tecentriq, cujo princípio activo é o atezolizumab;

C) Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, de 20 de Setembro de 2021, que confirmando a decisão do INPI, proferido no âmbito de um pedido de modificação oficiosa, manteve o despacho proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), publicado a 6 de Agosto de 2021, que indeferiu o pedido de protecção de Certificado Complementar de Protecção nº. 857;

D) A fundamentação da sentença de que agora se recorre assenta na conclusão de que a substância activa atezolizumab não está “implícita, mas necessariamente” referida de forma especifica nas reivindicações da patente EP428;

E) A aqui Apelante apresentou um conjunto de factos e de interpretação de redacções de patentes e de decisões de órgãos como o Instituto Europeu de Patentes e do TJUE, que exigiriam uma maior aprofundamento e avaliação na sentença ora recorrida;

F) A EP428 tem por objeto anticorpos anti-PD-L1 e que a patente de base ensina que esses anticorpos anti-PD-L1 tratam o cancro por meio da estimulação de respostas imunitárias resultante da inibição de um sinal inibidor mediado por PD-1/PD-L1 transmitido às células imunitárias, que é o resultado oposto da ativação de um sinal inibidor mediado por PD-1/PD-L1 transmitido às células imunitárias, útil para o tratamento de doenças autoimunes;

G) O produto em causa, “atezolizumab”, é um anticorpo monoclonal humanizado modificado na sua região Fc para prevenir funções efetoras de Fc, embora as mutações específicas sejam diferentes;

H) O especialista na técnica ao ler o texto da EP428 e tendo conhecimento geral comum no campo relevante, no momento do pedido, entende claramente que a mesma proporciona base e descrição suficientes para anticorpos anti-PD-L1 modificados em Fc, incluindo atezolizumab;

I) O pedido de CCP nº. 857, utilizando a linguagem funcional das reivindicações e providenciando uma descrição suficiente e específica, na sua memória descritiva, está totalmente de acordo com a lei e a jurisprudência da União Europeia;

J) A decisão recorrida contraria de forma frontal os preceitos e princípios legais, nomeadamente a Jurisprudência do Instituto Europeu de Patentes e do Tribunal de Justiça da União Europeia;

K) As reivindicações e a memória descritiva da patente de base, a EP428, no que respeita ao atezolizumab está em linha e cumpre com os requisitos legais do Regulamento aplicável da EU sobre Certificados Complementares de Protecção;

L) O processo da EP2376535 não tem qualquer relevância para o presente processo, pois o IEP não deu a sua opinião sobre o cumprimento dos requisitos de patenteabilidade da patente EP2376535 tendo em consideração a EP1210428;

M) Acrescendo que a EP2376535 ainda aguarda uma decisão final;

N) Não se pode considerar que a EP2376535 constitua prova de actividade inventiva autónoma;

O) As decisões do TJUE invocadas na decisão recorrida foram mal interpretadas na decisão recorrida;

P) Assim, a decisão C-493/12 aceita que um produto, tal como um anticorpo, possa ser validamente reivindicado através de uma descrição funcional e que isto pode ser uma base válida para um CCP;

Q) A forma como a decisão do TJUE C-493/12 é utilizada na fundamentação da decisão recorrida, só poderá resultar de uma leitura menos cuidada e aprofundada da mesma;

R) A referida decisão do TJUE C-493/12 não defende a não concessão da CCP857;

S) Outra decisão do TJUE invocada na decisão recorrida é a decisão C-121/17;

T) Contudo, esta decisão foi tomada no contexto de um caso que é muito diferente do caso presente, nomeadamente, uma combinação de princípios ativos;

U) Temos assim que se trata de uma situação com uma realidade factual totalmente distinta do presente processo, pelo que não se justifica a invocação desta decisão na decisão ora recorrida;

V) Sendo, aliás, essa invocação uma demonstração de não ter sido correctamente apreendida, na decisão recorrida, a matéria factual e legal em apreciação no processo do pedido de CCP 857;

W) A decisão recorrida ignora a decisão do TJUE no processo C-650/17, que baseou a recusa do CCP 857 proferida pelo INPI;

X) Ao contrário do processo que originou a decisão do TJUE C-650/17 a patente de base em questão providencia uma orientação técnica extensa e específica sobre a maneira de produzir a referida molécula final do produto atezolizumab;

Y) Assim, no presente processo, um especialista na matéria não precisa de embarcar numa “etapa inventiva independente”, tendo em vista a descrição da patente de base em questão, para chegar à molécula biológica do produto atezolizumab;

Z) O pedido de CCP 857 cumpre todos os requisitos legais à sua concessão.

 

Foi proferido Acórdão pela Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

 

Novamente inconformada, veio a recorrente interpor recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

A) A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa de que se recorre, julgou improcedente a Apelação, mantendo a sentença recorrida proferida em Primeira Instância pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, tendo ambas as decisões, numa dupla conformidade de julgados, indeferido a pretensão da ora Recorrente de obter a concessão do CCP 857.

B) Entende a Recorrente que, além de estarem verificados os requisitos comuns da revista (artigos 629º, nº 1 e 671º, nº 1 do CPC), estão também verificados os pressupostos específicos da revista excecional a começar pela existência de uma dupla conforme (artigo 671º  nº 3 do CPC), expresso no acórdão recorrido, no qual pode ler-se: “Pelo exposto, acordam em julgar o presente recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.”, sendo a fundamentação jurídica em que assentam as decisões de primeira e de segunda instância essencialmente a mesma.

C) Encontra-se igualmente preenchido o pressuposto da contradição de julgados ao nível da jurisprudência dos Tribunais superiores, previsto no artigo 672º, nº 1, al. c), do CPC, uma vez que o acórdão recorrido contradiz a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro de 2022, proferido no âmbito do Processo nº 175/21.5YHLSB.L1, já transitado em julgado, cuja certidão a Recorrente junta aqui como Doc. nº 1.

D) Ambas as decisões aqui em causa foram proferidas no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – o disposto no art. 3º, al. a) do Regulamento (CE) nº 469/2009, de 6 de Maio de 2009 (adiante “Regulamento”), bem como a aplicação de diversas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (adiante “TJUE”).

E) De facto, no processo que correu termos sob o nº 175/21.5YHLSB.L1, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou procedente a Apelação, revogando a decisão de Primeira Instância, e decretando a concessão do Certificado Complementar de Protecção nº 961, relativo a um anticorpo anti-PD-L1, denominado “durvalumab”, que tinha como patente base a EP 1210428.

F) Nesse processo, o Tribunal da Relação de Lisboa concordou que “para que um composto seja exequível e assim esteja dentro da descrição de uma patente não é necessário, nem é normal na prática das patentes, que cada um dos compostos tenha de ser descrito explicitamente no pedido de patente de invenção, nomeadamente os casos em que um especialista na matéria, na data da patente em questão, tenha tido toda a informação disponível, a título de referência, na respectiva patente ou tendo em vista, genericamente, o conhecimento comum, o que é exatamente o caso aqui em discussão”.

G) Mais defendeu nessa decisão que “impõe-se reconhecer que, para um especialista na matéria (person skilled in the art), a EP1210428 tem toda a informação necessária para produzir durvalumab, razão pela qual, por meio da definição funcional nas reivindicações, o durvalumab é especificamente e necessariamente identificável por um especialista na matéria, o que significa que se torna forçoso concluir que o durvalumab está protegido por aquela patente de base (EP1210428 ou só EP428), e que, portante, o pedido do CCP961, por utilizar a linguagem funcional das revindicações e providenciando, na sua memória descritiva, uma descrição especifica e suficiente, foi formulado em conformidade com a legislação em vigor (o Regulamento 469/2009/CE, de 6 de maio de 2009, e o art. 118º, nº 1 do CPI) e com a jurisprudência do TJUE”.

H) Ora, no presente processo, estamos perante um igual anticorpo anti-PD-L1, neste caso denominado “atezolizumab”, sendo a patente base do CCP nº 857 a mesma EP 1210428.

I) Ou seja, aqui, tal como no processo anteriormente referido, estamos perante um pedido de CCP para um anticorpo anti-PD-L1, tendo como patente base a mesma EP1210428.

J) Só que, no presente caso, o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão de que agora se recorre, proferida a 15 de Junho de 2022, no âmbito do processo nº174/21.5YHLSB.L1, entendeu que o produto objecto do CCP não estava protegido pela patente base, tendo, em clara contradição com a anterior decisão, entendido que “não é suficiente que o atezolizumab seja um anticorpo anti-Bt-4, isto é, que caia dentro do âmbito da definição funcional. É necessário que, com base nas reivindicações, interpretadas à luz da descrição da invenção, seja possível concluir que essas reivindicações visam, implícita e necessariamente o atezolizumab, de forma especifica”.

K) Acrescenta ainda a referida decisão “(…) embora a definição funcional das reivindicações possa incluir o atezolizumab (…)”. E ainda acrescenta “O INPI, por seu turno, no que foi seguido na sentença, concorda que o atezolizumab corresponde à definição funcional de anticorpo anti-B7-4 que modula a interacção com o PD-1 para modular, desse modo, a resposta imunológica quando se coloca em contacto uma célula que expressa B7-4, que figura pelo menos na reivindicação  2 da patente base (…).

L) Ou seja, onde na decisão anterior se aceita e interpreta como sendo suficiente a inclusão numa definição funcional das reivindicações, aqui, em clara contradição, exige-se um critério de interpretação distinto.

M) Além desta evidente contradição entre a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de que agora se recorre e a anterior, já transitada em julgado, existe uma outra a salientar - Na anterior decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “não é certo que a patente EP1210428 tenha sido considerada como fazendo parte do estado da técnica relevante para o exame realizado para a concessão da patente EP2504364” e que a concessão da referida EP2504364 “baseada num efeito inesperado constitui indicação e confirmação que a molécula de durvalumab pode, de facto, ter sido produzida com base em técnica existente em momento anterior à apresentação do pedido de concessão da patente EP2504364”.

N) Já na decisão ora recorrida, o Tribunal da Relação de Lisboa, em clara contradição, utiliza a concessão de uma EP2376535 para fundamentar a sua decisão de concessão, pois considera que a concessão de uma patente posterior para um produto é “indicativo de que o atezolizumab só foi desenvolvido anos mais tarde, após uma actividade inventiva autónoma (…) A concessão de uma patente especifica posterior para o mesmo produto indica que o produto atezolizumab não poderia ser derivável, directa e inequivocamente, de forma óbvia, na patente anterior mais ampla”.

O) Ou seja, na decisão anterior, já transitada em julgado, uma concessão posterior de uma patente não invalida a possibilidade de conceder um CCP com base numa patente base anterior, enquanto na decisão que agora se recorre, essa concessão posterior de uma patente autónoma, invalida, sempre, a concessão de um CCP com base numa patente anterior.

P) Pelo que existe fundamento para o presente recurso de Revista Excecional, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 672º do Código de Processo Civil.

Q) Por outro lado, a matéria dos presentes autos reveste-se de extrema complexidade legal, mas também técnica, que envolve uma realidade muito sensível e de forte impacto social e económico.

R) A forma como se interpretam as reivindicações de uma patente e de aplicação de conceitos jurídicos como a referência “implícita, mas necessariamente, o princípio activo em causa de forma especifica”, são de extrema complexidade.

S) Tanto assim é que, no caso presente, várias instâncias decisoras (INPI, Tribunal da Propriedade Intelectual e Tribunal da Relação de Lisboa) têm vindo a dar uma resposta totalmente diferente a esta questão.

T) Uma decisão judicial que não toma em consideração as orientações assentes na doutrina e jurisprudência, nomeadamente a jurisprudência da União Europeia, gera incerteza e grande insegurança jurídica perante os agentes económicos, sendo evidente que a própria noção de direito privativo fica posta em causa.

U) Trata-se ainda de uma questão que interessa a todos os agentes económicos, porque constitui uma área (a da Saúde) com enorme relevância social e económica.

V) E é também uma questão do interesse público uma vez que se refere ao acesso à saúde e a medicamentos inovadores, com todos os impactos que pode ter na vida das pessoas, nomeadamente dos doentes.

W) Por conseguinte, atento o acima exposto, na questão jurídica suscitada existem interesses muito relevantes, do ponto de vista jurídico e até mesmo social, cuja correcta resolução deverá ser apreciada por este Colendo Tribunal.

X) Impõe-se, assim, uma interpretação consistente e um exercício de intervenção no caso sub-judice para lograr uma melhor aplicação do Direito.

Y) Está em causa uma questão – a da interpretação e aplicação do disposto na art 3º Regulamento 469/2009/CE, de 6 de maio de 2009– cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Z) Verifica-se, portanto, o pressuposto da “relevância jurídica”, nos termos do disposto no artigo 672. ° n.° 1, alínea a) do CPC.

AA) A Recorrente apresentou, em 18 de Março de 2019, junto do INPI, o pedido de CCP, tendo como patente de base a Patente Europeia No. 1210428 ao qual foi atribuído o No. 857;

BB) Este CCP No. 857 refere-se a uma Autorização de Introdução no Mercado para o medicamento Tecentriq®, cujo princípio activo é o atezolizumab;

CC)Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, mantendo a decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual, confirmou a decisão do INPI, proferido no âmbito de um pedido de modificação oficiosa, que manteve o despacho proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que indeferiu o pedido de protecção de Certificado Complementar de Protecção No. 857;

DD) A fundamentação da decisão de que agora se recorre, assenta na conclusão de que a substância activa atezolizumab não está “implícita mas necessariamente” referida de forma especifica nas reivindicações da patente EP428;

EE) A aqui Recorrente apresentou um conjunto de factos e de interpretação de redacções de patentes e de decisões de orgãos como o Instituto Europeu de Patentes e do TJUE, que exigiriam uma maior aprofundamento e avaliação na decisão ora recorrida;

FF) A EP428 tem por objeto anticorpos anti-PD-L1 e que a patente de base ensina que esses anticorpos anti-PD-L1 tratam o cancro por meio da estimulação de respostas imunitárias resultante da inibição de um sinal inibidor mediado por PD-1/PD-L1 transmitido às células imunitárias, que é o resultado oposto da ativação de um sinal inibidor mediado por PD-1/PD-L1 transmitido às células imunitárias, útil para o tratamento de doenças autoimunes;

GG) O produto em causa, “atezolizumab”, é um anticorpo monoclonal humanizado modificado na sua região Fc para prevenir funções efetoras de Fc, embora as mutações específicas sejam diferentes;

HH) O especialista na técnica ao ler o texto da EP428 e tendo conhecimento geral comum no campo relevante, no momento do pedido, entende claramente que a mesma proporciona base e descrição suficientes para anticorpos anti-PD-L1 modificados em Fc, incluindo atezolizumab;

II) O pedido de CCP No. 857, utilizando a linguagem funcional das reivindicações e providenciando uma descrição suficiente e específica, na sua memória descritiva, está totalmente de acordo com a lei e a jurisprudência da União Europeia;

JJ) A decisão recorrida contraria de forma frontal os preceitos e princípios legais, nomeadamente a Jurisprudência do Instituto Europeu de Patentes e do Tribunal de Justiça da União Europeia;

KK) As reivindicações e a memória descritiva da patente de base, a EP428, no que respeita ao atezolizumab está em linha e cumpre com os requisitos legais do Regulamento aplicável da EU sobre Certificados Complementares de Protecção;

LL) O processo da EP2376535 não tem qualquer relevância para o presente processo, pois o IEP não deu a sua opinião sobre o cumprimento dos requisitos de patenteabilidade da patente EP2376535 tendo em consideração a EP1210428;

MM) Acrescendo que a EP2376535 ainda aguarda uma decisão final;

NN) Não se pode considerar que a EP2376535 constitua prova de actividade inventiva autónoma;

OO) As decisões do TJUE invocadas na decisão recorrida foram mal interpretadas na decisão recorrida;

PP) Assim, a decisão C-493/12 aceita que um produto, tal como um anticorpo, possa ser validamente reivindicado através de uma descrição funcional e que isto pode ser uma base válida para um CCP;

QQ) A forma como a decisão do TJUE C-493/12 é utilizada na fundamentação da decisão recorrida, só poderá resultar de uma leitura menos cuidada e aprofundada da mesma;

RR) A referida decisão do TJUE C-493/12 não defende a não concessão do CCP 857;

SS) Outra decisão do TJUE invocada na decisão recorrida é a decisão C-121/17;

TT) Contudo, esta decisão foi tomada no contexto de um caso que é muito diferente do caso presente, nomeadamente, uma combinação de princípios ativos;

UU) Temos assim que se trata de uma situação com uma realidade factual totalmente distinta do presente processo, pelo que não se justifica a invocação desta decisão na decisão ora recorrida;

VV) Sendo, aliás, essa invocação uma demonstração de não ter sido correctamente apreendida, na decisão recorrida, a matéria factual e legal em apreciação no processo do pedido de CCP 857;

WW)   A decisão recorrida ignora a decisão do TJUE no processo C-650/17, que baseou a recusa do CCP 857 proferida pelo INPI;

XX) Ao contrário do processo que originou a decisão do TJUE C-650/17 a patente de base em questão providencia uma orientação técnica extensa e específica sobre a maneira de produzir a referida molécula final do produto atezolizumab;

YY) Assim, no presente processo, um especialista na matéria não precisa de embarcar numa “etapa inventiva independente”, tendo em vista a descrição da patente de base em questão, para chegar à molécula biológica do produto atezolizumab;

ZZ) O pedido de CCP 857 cumpre todos os requisitos legais à sua concessão.

 

Termina no sentido da revogação do Acórdão recorrido, “sendo em consequência, concedido o CCP 857, como se afigura de Direito e de Justiça!”.

 

Não foram produzidas contra-alegações.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, feito que foi o confronto das decisões proferidas pela 1ª instância (pelo Tribunal da propriedade Intelectual, que manteve a decisão do INPI de 3.08.2020, publicada no BPI de 6.08.2020, (de recusa do CCP 857 para a substância ‘atezolizumab’, com fundamento no incumprimento da alínea a) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE)  e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve aquela decisão integralmente, constatada a situação de dupla conforme entre as mesmas, foi determinada a remessa dos autos à Formação, para apreciação da admissibilidade da revista excecional interposta, nos termos e para os efeitos do art. 672º nº 3 do CPC, vindo a ser proferido Acórdão que admitiu a mesma, mas apenas “ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC [em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito], ficando, assim, prejudicada a apreciação do fundamento decorrente da invocada alínea c) do mesmo normativo”, ou seja, ficando prejudicada a apreciação da invocada contradição de julgados.

 

Cumpre, pois, decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art.  679º, todos do CPC).

 

O OBJECTO DA REVISTA:

A questão a apreciar neste recurso consiste em saber se o CCP 857, requerido pela recorrente para a substância ‘atezolizumab’ cumpre o requisito previsto na alínea a) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE, ou seja, se aquela substância está protegida pela patente de base, a EP nº 1210428, de que aquela é titular.

 

Antes do mais, afigura-se-nos importante aqui reproduzir a factualidade que resultou provada das instâncias:

1. A recorrente figura como titular da patente europeia nº 1210428 (adiante também designada ‘EP 428’), cuja epígrafe é: ‘PD-1, Um receptor para B7-4 e suas utilizações’, e cujo resumo é: ‘A invenção identifica PD-1 como um receptor para B7-4.

A B7-4 pode inibir a activação de células imunitárias após ligação a um recptor inibidor numa célula imunitária. Por conseguinte, a invenção proporciona agentes para modular PD-1, B7-4 e a interacção entre B7-4 e PD-1 a fim de modular um sinal co-estimulador ou inibidor numa célula imunitária que resulta na modulação da resposta imunológica, a qual protege, de acordo com as suas reivindicações independentes 1, 2, 9,10 e 12-14, o seguinte (cfr. doc. junto a fls. 121-243 dos autos), que se dá por reproduzido:

1. Método de modulação de uma resposta imunológica compreendendo colocar em contacto in vitro uma célula que expressa B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem pelo menos 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4, ou uma célula imunitária que expressa PD-1, o qual é o receptor para B7-4, com um agente seleccionado do grupo consistindo de B7-4, uma proteína compreendendo um domínio extracelular de B7-4, PD-1 e anticorpos anti-B7-4 com PD-1para modular, desse modo, a resposta imunológica.

2. Utilização de uma quantidade terapeuticamente eficaz de um agente seleccionado do grupo consistindo de: B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, PD-1, o qual é o receptor para B7-4, uma proteína que compreende um domínio extracelular de B7-4, e anticorpos anti-B7-4, para a

preparação de uma composição farmacêutica para modular uma resposta imunológica, em que o agente modula a interacção de B7-4 com PD-1 para modular, desse modo, a resposta imunológica quando se coloca em contacto uma célula que expressa B7-4 ou uma célula imunitária que expressa PD-1. […]

9. Vacina compreendendo um antigénio patogénico e um agente seleccionado do grupo consistindo de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem pelo menos 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, uma proteína compreendendo um domínio extracelular de B7-4, PD-1, o qual é o receptor para a molécula de B7-4, e anticorpos anti-B7-4, o qual inibe a interacção de B7-4 e PD-1.

10. Utilização de um agente seleccionado do grupo consistindo de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem pelo menos 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, uma proteína compreendendo um domínio extracelular de B7-4 de B7-4, PD-1, o qual é o receptor para a molécula de B7-4, e anticorpos anti-B7-4, que inibe a interacção de PD-1 e B7-4, para a preparação de uma composição farmacêutica para tratar um indivíduo que sofre de um estado que beneficiaria da regulação positiva de uma resposta imunológica, sendo a referida condição seleccionada do grupo que consiste de um tumor, um distúrbio neurológico ou uma doença imunodepressora. […]

12. Utilização de um agente seleccionado do grupo consistindo de: formas solúveis de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína tendo, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, PD-1, o qual é o receptor para a molécula de B7-4 e anticorpos anti-B7-4, o qual estimula a sinalização mediada por B7-4 através de PD-1 numa célula imunitária de um indivíduo, para a preparação de uma composição farmacêutica para tratar o referido indivíduo que sofre de um estado que beneficiaria da regulação negativa de uma resposta imunológica, sendo a condição seleccionada do grupo que consiste de um transplante, uma alergia e um distúrbio auto-imune.

13. Método de identificação de um composto que tem a aptidão para modular a actividade de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína tendo, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, ou actividade de PD-1 modulando a interacção entre B7-4 e PD-1, compreendendo, num ensaio baseado em células - colocar em contacto uma célula que expressa B7-4 com o composto de ensaio e determinar a aptidão do PD-1 para ligar com a célula que express B7-4 - ou colocar em contacto uma célula que expressa PD-1 com o composto de ensaio e determinar a aptidão da B7-4 para se ligar com a célula que expressa PD-1.

14. Método de identificação de um composto tendo a aptidão para modular a actividade de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína tendo, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, ou actividade de PD-1, modulando a interacção entre B7-4 e PD-1, compreendendo, num ensaio de células - colocar em contacto a B7-4 com o composto de ensaio e determinar a aptidão de PD-1 para ligar com B7-4 - ou colocar em contacto PD-1 com o composto de ensaio e determinar a aptidão de B7-4 para ligar com PD-1.’

2. Em 13.11.2017, a recorrente apresentou junto do INPI pedido de protecção do certificado complementar de protecção (CCP) n° 857 (adiante ‘CCP 857’) com base na referida patente europeia EP 428 (ponto 1 do presente enunciado de factos), anexando comprovativo da Autorização de Introdução no Mercado (AIM) concedida pela decisão C(2017)6512, notificada a 25.09.2017, para o medicamento com o nome comercial ‘Tecentriq’ cuja substância activa é ‘atezolizumab’ – um anticorpo monoclonal humanizado da imunoglobulina G1 anti-ligando de morte celular programada-1 (PD-L1), com alteração na fracção Fc - para ‘o tratamento de doentes adultos com carcinoma urotelial (CU) ou cancro do pulmão de células não-pequenas, localmente avançado ou metastático’, nos termos constantes de fls. 32-68 dos autos, que se dão por reproduzidos.

3. Em 26.02.2020, a recorrente foi notificada pelo INPI para proceder à regularização de objecções à concessão do peticionado CCP, por incumprimento do disposto na alínea a) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE e artigos 116º e 118º do CPI, nomeadamente nos seguintes termos, cfr. doc. junto a fls. 90-90v dos autos, que se dá por reproduzido:

- O produto Atezolizumab, tal como definido pela alínea d) do nº 1 do artigo nº 11 do Regulamento (CE) Nº 469/2009, não se encontra compreendido nas reivindicações da patente de base nº 1210428;

- […] a matéria técnica contida na descrição é insuficiente não permite concluir que as reivindicações visam, implícita mas necessariamente, o produto Atezolizumab, de uma forma específica.

- Como tal, é entendimento do INPI que a Patente de base EP 1210428 não protege o produto Atezolizumab, tal como exigido pela alínea a) do artigo 3º do Regulamento (CE) Nº 469/2009.’

4. Em 27.04.2020, a recorrente respondeu à dita notificação do INPI, argumentando que, ‘em conformidade com a decisão “Eli Lilly”, as reivindicações [da patente de base] visam, implícita mas necessariamente, o princípio activo em causa [atezolizumab] de forma específica’, substância que assim está plenamente suportada na dita patente, nos termos constantes de fls. 69-74 dos autos, que se dão por reproduzidos.

5. Em 6.05.2020, o INPI voltou a notificar à recorrente as aludidas objecções ao pedido de CCP (ponto 3 do presente enunciado de factos), esclarecendo, com referência à resposta da recorrente às ditas objecções (ponto 4 do presente enunciado de factos), designadamente o seguinte, nos termos constantes de fls. 90v-91v dos autos, que se dá por reproduzido:

‘A argumentação por vós apresentada refere que “…O atezolizumab é um anticorpo monoclonal especificamente ligado a PD-L1. B7-4 humano é outro nome para PD-L1 humano…” E “… mesmo embora o produto atezolizumab não seja citado como tal na descrição, é facilmente entendido pelo especialista na técnica ao ler a divulgação da descrição da patente de base que o referido produto é identificável como tal…” E “…No último parágrafo da página 87 está descrito como um anticorpo anti-B7-4 pode ser confirmado como sendo um anticorpo anti-B7-4, i.e., este pode ser utilizado para isolar um polipéptido de B7-4 por técnicas convencionais…” – considera-se que poderiam ser vários os anticorpos com capacidade de reconhecimento/ligação a B7-4 ou anticorpos anti-B7-4, porém os cadernos da patente de base EP 1210428 não vêm restringir este universo de anticorpos ao produto Atezolizumab implícita, mas necessariamente de uma forma específica (poderá ser vista a estrutura de cadeia leve e pesada em WHO Drug Information, vol. 29, nº3, 2015, pp. 387 – ver https://www.who.int/medicines/publications/druginformation/innlists/RL74.pdf )’.

6. Em 6.07.2020, a recorrente respondeu à nova notificação de objecções por parte do INPI (ponto 5 do presente enunciado de factos), argumentando designadamente que, ‘as informações dadas ao especialista na técnica na especificação da patente de base proporcionam informação suficiente e específica para o especialista na técnica ser capaz de executar a invenção como reivindicada… [e] ter produzido todos os anticorpos abrangidos pela definição funcional das reivindicações na data efectiva da patente de base EP 1210428 B1…Portanto, o atezolizumab está protegido pela patente de base EP 1210428 B1’, nos termos constantes de fls. 69-89 dos autos, que se dão por reproduzidos.

7. Por despacho de 3.08.2020, publicado no BPI de 6.08.2020, o INPI recusou o mencionado pedido de CCP 658, com fundamento em que o mesmo não cumpre o disposto no artigo 3º, alínea a) do Regulamento 469/2009/CE, concluindo designadamente que ‘apesar do Atezolizumab responder efectivamente à definição funcional que figura nas reivindicações da patente de base…, esta patente não contém qualquer indicação que permita identificar este produto de forma específica. Acresce que o Atezolizumab foi descrito pela primeira vez no pedido de patente US8217149 e pedidos relacionados, cuja data de prioridade é de 2008 (ver https://www.guidetoimunepharmacology.org/GRAC/LigandDisplayForward?tab=biology&ligandld=7 990 ), ou seja, depois da data de prioridade da patente de base do presente CCP, o que contraria a argumentação apresentada pelas requerentes… Assim, à data de prioridade da patente de base (2000/08/23), que serviu de apoio a este CCP, um especialista na matéria não seria capaz de deduzir de forma directa e inequívoca o Atezolizumab como sendo um anticorpo anti-B7-4, e como tal não consideraria que este princípio activo estivesse protegido pelas reivindicações da patente de base’, nos termos constantes de fls. 90-93v dos autos, que se dão por reproduzidos.

8. Em 6.10.2020, a recorrente apresentou junto do INPI pedido de modificação da dita decisão de recusa do CCP 857 (ponto 7 do presente enunciado de factos), solicitando que fosse revogado o despacho de recusa e concedido o CCP em causa, nos termos constantes de fls. 68-90v dos autos, que se dão por reproduzidos.

9. Por decisão de 5.02.2021, publicado no BPI de 4.03.2021, o INPI indeferiu o mencionado pedido de modificação da decisão de recusa do CCP 857 (ponto 8 do presente enunciado de factos), com fundamento designadamente no seguinte, nos termos constantes de fls. 95-109 dos autos, que se dão por reproduzidos:

‘[…] face às recentes decisões do TJUE, o pedido de patente deve conter alguma indicação que permita ao especialista na matéria poder identificar especificamente esse produto, tal como exigido no segundo critério da Royalty Pharma1. Ou seja, o INPI não considera que seja suficiente que as reivindicações, à luz da descrição, protejam a utilização de todos os anticorpos anti-B7-4, para que o “atezolizumab” esteja protegido pela patente de base, cumprindo, assim, a alínea a) do artigo 3º do regulamento.

Acresce que foi concedida, à Genentech (filial da Roche), a Patente Europeia nº 2376535 com data de prioridade de 9 de Dezembro de 2008, ou seja, depois da data de prioridade da patente de base do presente CCP (1999.08.23), para um grupo de anticorpos anti-PD-L1 que inclui o “atezolizumab”. Isto mostra que o Instituto Europeu de Patentes considerou os anticorpos reivindicados naquela patente posterior como novos e inventivos à luz do estado da técnica, do qual faz parte a presente de base, o que parece indicar que o “atezolizumab” só foi desenvolvido anos mais tarde após uma actividade inventiva autónoma. […] o “atezolizumab” não se encontra protegido por uma patente de base em vigor, pelo que o presente pedido de CCP não cumpre com a alínea a) do art. 3º do regulamento […].’

10. Por decisão de 21.09.2017 da Comissão Europeia, foi concedida a autorização de introdução no mercado (AIM) C(2017)6512 para o medicamento para uso humano ‘Tecentriq’ (princípio activo: ‘atezolizumab’), mencionando nomeadamente e como indicações terapêuticas, nos termos constantes de fls. 41-68 dos autos, que se dão por reproduzidos: Tecentriq em monoterapia é indicado para o tratamento de doentes adultos cancro de pulmão de células não-pequenas (CPCNP), localmente avançado ou metastático, após quimioterapia prévia’.

1 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 30 de abril de 2020, no processo de reenvio prejudicial C-650/17 remetido pelo Bundespatentgericht no caso Royalty Pharma Collection Trust vs Deutsches Patent-und Markenamt, relativo à interpretação das condições de obtenção do Certificado complementar de protecção previstas no artigo 3º, al. a) do Regulamento (CE) nº 429/2009, designadamente do conceito de ‘produto protegido por uma patente de base em vigor’ e respectivos critérios de apreciação.

11. Em parecer remetido a este tribunal nos termos do artigo 42º do CPI, o INPI sustenta a decisão recorrida, nos termos constantes de fls. 110-119 dos autos, que se dão por reproduzidos.

12. Foi concedida a patente europeia nº 2376535 com a epígrafe ‘Anticorpos anti-PD-L1 e a sua utilização para melhoria do funcionamento das células T’ e data de prioridade 9 de Dezembro de 2008, que tem por objecto designadamente ‘anticorpos anti-PD-L1’ (onde se inclui o ‘atezolizumab’), nos termos do doc. junto a fls. 243v-403 dos autos, que se dá por reproduzido.

13.Antes de 1999 eram mencionadas em publicações da especialidade, modificações de Fc e métodos de realização das mesmas e de prevenir a ligação de regiões Fc do anticorpo aos correspondentes receptores, cfr. docs. 2 a 4 juntos a fls. 17-25 dos autos, que se dão por reproduzidos.

 

Apreciando:

Como acima ficou referido, o que importa ponderar e decidir é se no caso vertente se verificam as condições para recusa do pedido da recorrente de certificado complementar de protecção (CCP) nº 857 para a substância ‘atezolizumab’, por falta dos necessários requisitos previstos artigo 3º alínea a) do Regulamento 469/2009/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6.5.2009.

 

Resulta dos considerandos preliminares do dito regulamento que com o mesmo se procura criar uma regime que proteja e incentive, na Comunidade e na Europa, a investigação farmacêutica, que é longa e onerosa, pondo termo a uma protecção insuficiente que a vem penalizando, atenuando-se os riscos de deslocalização dos centros de investigação situados nos Estados-Membros para países que oferecem uma melhor protecção, para tanto se criando uma solução uniforme a nível comunitário, evitando-se uma evolução divergente das legislações nacionais que origine novas disparidades susceptíveis de criara entraves à livre circulação dos medicamentos na Comunidade e de, consequentemente, afectar directamente o funcionamento do mercado interno.

Prevê-se, para tanto, um certificado complementar de protecção (CCP) [que fora introduzido na ordem jurídica da União pelo Regulamento (CEE) n.º 1768/92, do Conselho, de 18.6.1992], para os medicamentos relativamente aos quais tenha sido dada autorização de introdução no mercado (AIM) e estritamente limitada ao produto abrangido por esta como medicamento, e que possa ser obtido a pedido do titular de uma patente nacional ou europeia nos mesmos termos em cada Estado-Membro, sendo que duração da protecção conferida pelo certificado deverá ser determinada de forma a permitir uma protecção efectiva suficiente, devendo o titular de uma patente poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de introdução no mercado da Comunidade do medicamento em causa.

Contudo, todos os interesses em causa num sector tão complexo e sensível como o farmacêutico, incluindo os relativos à saúde pública, deverão ser tomados em consideração, pelo que, para se atingir tal efeito, o certificado não poderá ser concedido por um período superior a cinco anos.

 

O Certificado Complementar de Protecção (CCP) visa, pois, prolongar a duração da proteção da patente para os princípios ativos utilizados em medicamentos até um período máximo de cinco anos, desde que esse produto esteja protegido pela referida patente de base e devidamente identificado na AIM (cf. artigo 4º do Regulamento (CE) n.º 469 de 6 de Maio de 2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao CCP para os medicamentos), sendo que, uma vez concedido, confere os mesmos direitos que os atribuídos pela patente de base, estando sujeito às mesmas limitações e obrigações

Contudo, a proteção que o mesmo concede apenas abrange o produto coberto pela AIM do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo de validade do certificado (arts. 4.º e 5.º do Regulamento CCP).

 

Dispõe o artigo 1º deste regulamento, sob a epígrafe “Definições”, o seguinte:

Para efeitos do presente regulamento entende-se por:

a) ‘Medicamento’: qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou associação de substâncias que possa ser administrada ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais;

b) ‘Produto’: o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento;

c) ‘Patente de base’: a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado;

d) ‘Certificado’: o certificado complementar de protecção”.

 

Por seu turno, preceitua o artigo 2º , sob a epígrafe “Âmbito de aplicação”, que “‘Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado-Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua introdução no mercado, a um processo de autorização administrativa por força da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano ou da Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos veterinários, podem ser objecto de um certificado, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.” Já o art. 3º, sob a epígrafe “Condições de obtenção do certificado”, dispõe nos termos seguintes:

O certificado é concedido se no Estado-Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo  e à data de tal pedido:

a) O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b) O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado, nos termos do disposto na Directiva 2001/83/CE ou na Directiva 2001/82/CE, conforme o caso;

c) O produto não tiver sido  objecto de um certificado;

d) A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização do produto no mercado, como medicamento.

 

O pedido de CCP 857 formulado pela Autora recorrente indica como patente de base a patente europeia nº EP 1210428 (EP 428) e como autorização de introdução no mercado (AIM) a concedida pela Decisão C(2017)6512 de 21.09.2017 da Comissão Europeia para o referido produto/princípio activoatezolizumab”, também conhecida pelo nome comercial “Tecentriq”, enquanto medicamento para tratamento de certos tipos de cancro em humanos adultos.

 

Resulta dos autos que, à data do pedido do CCP 857 (13.11.2017), estava em vigor a EP 428, validada em Portugal desde 2 e vigente até 23.08.2020, cujas reivindicações não mencionam, de forma expressa, o ”atezolizumab”, objecto do pedido de CCP.

 

Preceitua o artigo 9º do CPI (aplicável por força do artigo 64(1) da Convenção sobre a Patente Europeia), que “O âmbito da protecção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações”.

 

Ora, o que consta nas reivindicações da patente EP 428 é a utilização, numa composição destinada a modular a resposta imunológica por interacção de B7-4 com PD-1, de “anticorpos anti-B7-4”, sem se mencionar expressa ou implicitamente o produto/princípio activo atezolizumab, objecto do pedido de CCP 857.

 

Sustenta a recorrente que o produto alvo do pedido de CCP 857, o atezolizumab, está protegido pela patente EP 428, apesar de esta não lhe fazer referência específica, uma vez que aquela patente visa, implícita mas necessariamente, o princípio activo em causa de forma específica, pelo que deveria ter sido concedido, nos termos do artigo 3º al. a) supra transcrito.

Mais postulando não ter sentido dizer-se que a patente não tem suporte para o dito CCP, em virtude de o seu objecto – o princípio activo atezolizumab – não se encontrar protegido na dita patente, já que, sendo um anticorpo anti-PD-L1 modificado em Fc reivindicado na patente, terá de entender-se como compreendido “implícita, mas necessariamente” no objecto da invenção patenteada.

Entendeu-se na sentença e bem assim no Acórdão recorrido, acolhendo como boa a decisão do INPI, que o CCP deve ser recusado por se entender que o produto objecto do pedido de CCP (atezolizumab) para o medicamento para que foi concedida a AIM, Tecentriq®, não está protegido pela patente base, a patente europeia n.º 1210428 (EP’428), não cumprindo por isso o disposto na al. a) do art. 3º do Regulamento.

 

Vejamos:

O TJUE tem procurado dissipar dúvidas que vão surgindo sobre a interpretação do art. 3º al. a) do dito Regulamento.

Para essa tarefa interpretativa, releva o art. 69.º do Convénio sobre a Patente Europeia (CPE, assinado em Munich em 5.10.1973, que estabelece um procedimento único de concessão de patentes entre os Estados membros, que entrou em vigor em Portugal em 01-01-1992, cujo nº 1 estatui que “o âmbito da proteção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações, cuja interpretação é também realizada através da descrição e dos desenhos”, acrescentando o n.º 2 que “durante o período até à concessão da patente europeia, o âmbito da proteção conferida pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações contidas no pedido tal como publicado.

Contudo, a patente europeia, tal como concedida ou modificada no decurso do procedimento de oposição, de limitação ou de revogação, determina retroativamente a proteção.

Importa, para além disso, ter presente o art. 1.º do Protocolo Interpretativo do art.69º da referida Convenção, por força do art. 164.º n.º 1, da CPE, dela faz parte integrante, que o artigo 69º não deve ser interpretado como significando que a extensão da proteção conferida por uma patente europeia é determinada no sentido estrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que poderiam ocorrer nas reivindicações. Nem deve ser considerado como significando que as reivindicações servem unicamente como orientação e que a proteção se estende também ao que, da consideração da descrição e desenhos por um especialista na matéria, o titular da patente entendeu proteger. Pelo contrário, o artigo 69º deve ser interpretado como definindo uma posição, entre estes extremos, que assegura simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros.

No que toca à descrição da invenção, prescreve o art. 83º do Convénio sobre a Patente Europeia (CPE) que a invenção deve ser descrita no pedido de patente europeia de forma suficientemente clara e completa para que um perito na matéria a possa executar.

Mais estatuindo o art. 84º do mesmo instrumento, a propósito das reivindicações, que estas, definindo o objeto da proteção pedida, devem ser claras e concisas e apoiar-se na descrição.

Dispõe, no mesmo sentido, o art. 66.º do Código da Propriedade Industrial (aplicável em tudo o que não contrarie a CPE, como dispõe o art. 77.º, n.º 2, que a invenção deve ser descrita no pedido de patente de maneira suficientemente clara e completa que permita a sua execução por um perito na especialidade.

Vejamos, então, por força do princípio da interpretação conforme, a interpretação que o TJUE tem feito, à luz das regras acima enunciadas, do art. 3.º, al. a), do Regulamento n.º 469/2009.

No acórdão de 24-11-2011, proferido no processo C-322/2010 (Medeva)[1], o TJUE sublinhou que, “de acordo com o artigo 5.º do Regulamento n.º 469/2009, cada CCP confere os mesmos direitos que a patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações. Daqui se deduz que o artigo 3.º, alínea a), do mesmo Regulamento se opõe à emissão de um CCP referente a princípios ativos que não constem do texto das reivindicações dessa patente de base.

Da mesma forma, se uma patente reivindica uma composição de dois ingredientes ativos, mas não inclui nenhuma reivindicação para um desses ingredientes ativos individualmente, um SPC baseado nessa patente não pode ser emitido para um desses ingredientes ativos sozinhos.

Essa abordagem também é confirmada pelo ponto 20, seção 2, da exposição de motivos da Proposta de Regulamento do Conselho (CEE) de 11 de abril de 1990, sobre a criação de um certificado complementar de proteção para medicamentos [COM(90) 101 final ; a seguir, "Explicação dos motivos"], parágrafo em que se faz referência expressa e única, em relação ao que é "protegido pela patente de base", ao texto das reivindicações da patente de base. Esta interpretação também é consistente com a mencionada no décimo quarto considerando do Regulamento (CE) nº 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de julho de 1996, que cria um certificado complementar de proteção para produtos (DO L 198, p. 30), que se refere à necessidade de "produtos" "serem incluídos em patentes que os reivindiquem especificamente". (Cf. pontos 25. a 27. do citado acórdão Medeva).

Culminando o TJUE (Quarta secção) neste Acórdão MEDEVA, por declarar que:

1) O artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção de medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à concessão de um certificado complementar de protecção pelos serviços competentes da propriedade industrial de um Estado-membro para ingredientes activos não mencionados no texto das reivindicações de patente de base invocadas em apoio do pedido.

2) A alínea b) do artigo 3.º do Regulamento n.º 469/2009 deve ser interpretada no sentido de que, desde que estejam igualmente preenchidos os demais requisitos estabelecidos no referido artigo, não obsta a que os serviços competentes da propriedade industrial de um Estado-Membro Estado conceder um certificado complementar de proteção para uma composição de dois ingredientes ativos, coincidente com o que consta do texto das reivindicações de patente de base reivindicadas, quando o medicamento para o qual a AIM for apresentada em apoio ao pedido de certificado de proteção complementar não incluir apenas esta composição dos dois princípios ativos, mas também outros.

 

Nesta conformidade, declarou o TJUE, no acórdão Medeva, que o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades competentes em matéria de propriedade industrial de um Estado‑Membro concedam um certificado complementar de proteção para princípios ativos que não são mencionados no texto das reivindicações da patente de base invocada em apoio desse pedido.

 

Posteriormente, no acórdão de 12-12-2013, proferido no processo C-493/2012 (Ely Lilly[2]), a que o Acórdão recorrido fez alusão, o TJUE reforçou o papel essencial das reivindicações para determinar se um produto está protegido por uma patente de base na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP[3] reafirmando que um princípio ativo que não seja mencionado nas reivindicações de uma patente de base, através de uma definição estrutural ou até mesmo, em determinadas condições, funcional, não pode ser considerado como estando protegido na aceção do citado normativo.

Ou seja, ainda que o TJUE tenha admitido que nem sempre é necessária uma referência literal ao princípio ativo, através do seu nome ou da sua estrutura química, nas reivindicações de uma patente de base, podendo uma definição funcional de um princípio ativo constante dessas reivindicações ser suficiente, tal apenas sucederá em determinados casos que o Tribunal especificou.

Por estas razões, concluiu o TJUE, neste acórdão Eli Lilly, nos seguintes termos:

O artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção de medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que, para poder considerar que um princípio ativo está "protegido por uma patente de base em vigor" na acepção desta disposição, não é necessário que o princípio ativo seja mencionado nas reivindicações desta patente através de uma fórmula estrutural. Quando este princípio activo estiver abrangido por uma fórmula funcional que conste das reivindicações de uma patente concedida pelo Instituto Europeu de Patentes, este artigo 3.º, alínea a), não obsta, em princípio, à concessão de um certificado complementar de protecção para este activo princípio, desde que, no entanto, com base em tais reivindicações, interpretadas em particular de acordo com a descrição da invenção, conforme prescrito no artigo 69 da Convenção Europeia de Patentes e no Protocolo Interpretativo da mesma, pode-se concluir que essas reivindicações referidas especificamente, implícita mas necessariamente, ao princípio ativo em causa, cuja verificação compete ao órgão jurisdicional de reenvio”.

 

Por sua vez e mais relevantemente, o TJUE pronunciou-se no acórdão de 25-07-2018, no processo n.º C-121/17 (Teva v Gilead[4]), a respeito dos critérios que permitem determinar se um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é protegido por uma patente de base em vigor na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP.

Neste processo a apresentante Teva UK Ltd. contestou a validade do CCP concedido à Gilead Sciences Inc. para um produto farmacêutico destinado ao tratamento do vírus da imunodeficiência humana (VIH), estando em causa um CCP, que tem por base a patente n° 915894 (EP894) e que é relativo ao mesmo medicamento antirretroviral (comercializado sob a marca TRUVADA), que contém dois princípios ativos – o tenofovir disoproxil e a emtricitabina – sendo que a Gilead se apoiava na reivindicação 27 para defender que a emtricitabina vinha aí definida funcionalmente, estando, por isso, a combinação dos ditos princípios protegida pela patente de base.[5]

 

Face à sua clareza, renovemos aqui considerandos importantes deste Acórdão em relação à questão que nos ocupa:

Considerou-se neste Acórdão o seguinte:

35. “no que se refere à patente europeia, importa salientar que, nos termos do artigo 69. o da CPE, o âmbito da proteção conferida por essa patente é determinado pelas reivindicações. As indicações que figuram no artigo 1. o do protocolo interpretativo desse artigo 69. o esclarecem que as reivindicações devem assegurar simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau 8 ECLI:EU:C:2018:585 ACÓRDÃO DE 25. 7. 2018 — PROCESSO C-121/17 TEVA UK E O. razoável de segurança jurídica para terceiros. Assim, nem devem servir unicamente de linhas diretrizes nem ser lidas no sentido de que significam que o âmbito da proteção conferido por uma patente é determinado pelo sentido estrito e literal do texto das reivindicações.

36. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3. o , alínea a), do Regulamento n. o 469/2009, em princípio, não se opõe a que um princípio ativo que corresponde à definição funcional constante das reivindicações de uma patente emitida pelo IEP possa ser considerado como estando protegido por aquela patente, na condição, porém, de que, com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção, conforme previsto no artigo 69. o da CPE e no protocolo interpretativo do mesmo, seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio ativo em causa, de forma específica (Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C-493/12, EU:C:2013:835, n. o 39). [sublinhado nosso]

37. Em consequência, um produto só pode ser considerado protegido pela patente de base em vigor, na aceção do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento nº 469/2009, quando o produto objeto do CCP seja expressamente mencionado, ou seja necessária e especificamente visado, nas reivindicações dessa patente.

38. Para o efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.º 36 do presente acórdão, há que atentar na descrição e nos desenhos da patente de base, conforme prescreve o artigo 69. o da CPE, lido à luz do protocolo interpretativo do mesmo, dado que esses elementos permitem determinar se o produto objeto do CCP é visado nas reivindicações da patente de base e é efetivamente abrangido pela invenção coberta por essa patente.

39. Esta exigência é conforme com o objetivo do CCP, que consiste em restabelecer um período suficiente de proteção efetiva da patente de base, permitindo ao seu titular beneficiar de um período suplementar de exclusividade após a expiração dessa patente, destinado a compensar, pelo menos parcialmente, o atraso sofrido na exploração comercial da sua invenção, devido ao lapso de tempo decorrido entre a data do depósito do pedido de patente e a da obtenção da primeira AIM na União. A este respeito, o considerando 4 do Regulamento n. o 469/2009 precisa que a concessão deste período suplementar de exclusividade tem por finalidade incentivar a investigação e, para tal, visa permitir a amortização dos investimentos efetuados na investigação (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C-493/12, EU:C:2013:835, n. os 41 e 42 e jurisprudência referida).

40. Em contrapartida, o CCP não se destina a ampliar o âmbito da proteção conferida por esta patente para lá da invenção coberta pela referida patente. Com efeito, seria contrário ao objetivo do Regulamento n. o 469/2009, recordado no número precedente do presente acórdão, conceder um CCP para um produto que não fosse abrangido pela invenção coberta pela patente de base, na medida em que esse CCP não teria por objeto os resultados da investigação reivindicados por essa patente.

41. Além disso, atendendo à necessidade, recordada no considerando 10 do Regulamento n. o 469/2009, de considerar todos os interesses em jogo, incluindo os da saúde pública, admitir que um CCP possa conferir uma proteção mais ampla ao titular da patente de base do que a assegurada por esta patente a título da invenção por ela coberta seria contrário à ponderação que deve ser feita, no que se refere ao incentivo da investigação na União através dos CCP, dos interesses da indústria farmacêutica com os da saúde pública (v., por analogia, Acórdão de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK, C-577/13, EU:C:2015:165, n. o 36 e jurisprudência referida).

42. Importa acrescentar que, atendendo aos interesses referidos nos considerandos 4, 5, 9 e 10 do Regulamento n. o 469/2009, não é admissível que o titular de uma patente de base em vigor possa obter um CCP de cada vez que introduzir no mercado de um Estado-Membro um medicamento que contenha, por um lado, um princípio ativo, protegido, enquanto tal, pela sua patente de base, que ECLI:EU:C:2018:585 9 ACÓRDÃO DE 25. 7. 2018 — PROCESSO C-121/17 TEVA UK E O. constitui o objeto da invenção coberta por essa patente, e, por outro lado, outra substância que não é o objeto da invenção coberta pela patente de base (v., nesse sentido, Acórdão de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK, C-577/13, EU:C:2015:165, n. o 37).

43. Daqui resulta que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo Regulamento n. o 469/2009, as reivindicações não podem permitir ao titular da patente beneficiar, através da obtenção de um CCP, de uma proteção que ultrapasse a que é conferida pela invenção coberta por essa patente. Assim, para efeitos da aplicação do artigo 3. o , alínea a), deste regulamento, as reivindicações da patente de base devem ser entendidas à luz dos limites da invenção divulgada, conforme resulta da descrição e dos desenhos dessa patente.

 44. Esta interpretação é corroborada pelo artigo 4. o do Regulamento n. o 469/2009, que precisa que a proteção conferida pelo CCP abrange apenas o produto coberto pela AIM do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do CCP, mas unicamente «[d]entro dos limites da proteção assegurada pela patente de base».

45. O mesmo sucede com o artigo 5. o deste regulamento, nos termos do qual o CCP confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações. Assim, se o titular da patente podia, durante o período de validade desta, opor-se, invocando a sua patente, a qualquer utilização ou a certas utilizações do seu produto sob a forma de um medicamento que consista nesse produto ou que o contenha, o CCP concedido para esse mesmo produto conferir-lhe-á os mesmos direitos para qualquer utilização do produto, enquanto medicamento, que tenha sido autorizada antes de o certificado expirar (Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Medeva, C-322/10, EU:C:2011:773, n. o 39, e de 24 de novembro de 2011, Georgetown University e o., C-422/10, EU:C:2011:776, n. o 32).

46. Resulta do que precede que o objeto da proteção conferida por um CCP deve limitar-se às características técnicas da invenção coberta pela patente de base, conforme reivindicadas por essa patente.

47. No que diz respeito à aplicação desta regra, em primeiro lugar importa precisar que, em conformidade com um princípio comum aos direitos das patentes dos Estados-Membros, refletido no artigo 1. o do protocolo interpretativo do artigo 69. o da CPE, as reivindicações de uma patente devem ser interpretadas por referência ao ponto de vista do especialista na matéria e deve, por conseguinte, ser determinado se o produto objeto de um CCP é necessariamente abrangido pela invenção coberta por essa patente.

48. Para o efeito, há que verificar se o especialista na matéria pode compreender de forma unívoca, com base nos seus conhecimentos gerais e à luz da descrição e dos desenhos da invenção que estão contidos na patente de base, se o produto visado nas reivindicações desta patente constitui uma característica técnica necessária para a solução do problema técnico, divulgada por essa patente.

49. Em segundo lugar, à luz do objetivo do Regulamento n. o 469/2009 recordado no n. o 39 do presente acórdão, para apreciar se um produto é abrangido pela invenção coberta por uma patente de base basta apenas ter em consideração a evolução técnica à data de depósito ou à data de prioridade dessa patente, de modo a que o produto possa ser especificamente identificado pelo especialista na matéria à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.

50. Com efeito, se se admitisse que essa apreciação podia ser efetuada à luz dos resultados da investigação realizada após a data de depósito ou de prioridade da patente de base, um CCP poderia permitir ao seu titular beneficiar indevidamente de uma proteção para esses resultados, apesar de estes ainda não 10 ECLI:EU:C:2018:585 ACÓRDÃO DE 25. 7. 2018 — PROCESSO C-121/17 TEVA UK E O. serem conhecidos à data de prioridade ou de depósito da referida patente e, além disso, fora de qualquer processo destinado à obtenção de uma nova patente. Conforme recordado nos n. os 40 e 41 do presente acórdão, isso seria contrário ao objetivo do Regulamento n. o 469/2009.

51. Por conseguinte, para determinar se um produto objeto de um CCP está protegido por uma patente de base, na aceção do artigo 3. o , alínea a), desse regulamento, esse produto deve poder ser especificamente identificado pelo especialista na matéria à luz de todos os elementos divulgados pela patente de base e da evolução técnica existente à data de depósito ou de prioridade dessa patente.

52. Tendo em conta todas estas considerações, um produto é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção do artigo 3. o , alínea a), do Regulamento n. o 469/2009, desde que, mesmo que não esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base, esse produto seja necessária e especificamente visado por uma das reivindicações dessa patente. Para o efeito, o referido produto deve estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por esta patente. O especialista na matéria deve poder identificar especificamente este produto à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da mesma patente.

53. Essa interpretação do artigo 3. o , alínea a), do Regulamento n. o 469/2009 também deve ser adotada numa situação como a que está em causa no processo principal, em que os produtos objeto de um CCP sejam compostos por vários princípios ativos de efeito combinado.

54 …

55. Em especial, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em conformidade com as considerações que figuram nos n. os 47 a 51 do presente acórdão, se, do ponto de vista do especialista na matéria, a combinação dos princípios ativos que compõem o produto objeto do CCP em causa está necessariamente abrangida pela invenção coberta por essa patente e se cada um desses princípios ativos é especificamente identificável, com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da referida patente.

…”

Terminando o TJUE, neste Acórdão, por declarar que “O artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base:

– A combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e

– Cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.

 

Posteriormente, no acórdão de 30-04-2020, proferido no processo C-650/17[26] (Royalty Pharma[6]), apoiando-se fundamentalmente da doutrina do Acórdão TEVA, o TJUE considerou os seguinte:

37. Consequentemente, o Tribunal de Justiça considerou que, para avaliar se um determinado produto está protegido por uma patente de base em vigor nos termos do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009, deve verificar-se, quando o produto não expressamente nomeado nas reivindicações da referida patente, se for necessária e especificamente incluída em uma dessas reivindicações. Para tais fins, dois requisitos cumulativos devem ser atendidos. Por um lado, o produto deve necessariamente ser incluído, para os versados ​​no assunto, à luz da descrição e dos desenhos da patente básica, na invenção objeto da referida patente. Por outro lado, o técnico no assunto deve ser capaz de identificar especificamente este produto à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente e com base no estado da técnica na data de depósito ou prioridade da mesma patente (v., a este respeito, acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e outros, C‑121/17, EU:C:2018:585, n.° 52).

[sublinhado nosso]

40. A fim de determinar se o segundo requisito referido no n.º 37 do presente acórdão está preenchido, cabe mais especificamente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o objeto da CCP em causa se enquadra nos limites do que, na data de depósito ou de prioridade da patente básica, o técnico no assunto pode deduzir objetivamente, direta e inequivocamente, do relatório descritivo da patente, tal como foi depositado, com base em seus conhecimentos gerais na área considerada na data do depósito, apresentação ou prioridade e em face da estado da arte em uma ou outra dessas datas.

41. Assim, mesmo quando o produto objeto da CCP não se deduz individualmente, como modalidade específica, das informações protegidas pela patente básica, em princípio, a concessão de uma CCP não está excluída.

 

42. No entanto, quando o produto não é explicitamente divulgado pelas reivindicações da patente de base, mas se enquadra em uma definição funcional geral como a utilizada na patente de base em questão no processo principal, o técnico no assunto deve ser capaz de deduzir direta e inequivocamente do fascículo da patente, pois foi depositado que o produto objeto da CCP está coberto pela referida patente.

43. Resulta do exposto que há que responder à primeira e à segunda questões que o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que um produto está protegido por uma patente de base em vigor, nos termos do referido disposição, se, ainda que não seja deduzida individualmente, como uma forma de realização específica, da informação contida naquela patente, responde a uma definição funcional geral utilizada por uma das reivindicações da patente de base e está necessariamente incluída na invenção abrangida por desde que possa ser especificamente identificada, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, por um especialista na área, com base em seus conhecimentos gerais na área considerada na data de depósito ou prioridade da patente básica e o estado da arte na mesma data.

 

Acabando por declarar que:

1) O artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto está protegido por uma patente de base em vigor, na aceção desta disposição, quando responde a uma definição funcional geral utilizada por uma das reivindicações da patente de base e está abrangido necessariamente pela invenção coberta por essa patente, sem que resulte, no entanto, de forma individualizada, enquanto composição concreta, das especificações técnicas da referida patente, desde que seja especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela mesma patente, pelo especialista na matéria, com base nos seus conhecimentos gerais no domínio em questão à data de depósito ou de prioridade da patente de base e na evolução técnica nessa mesma data.

[sublinhado nosso]

2) O artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que um produto não está protegido por uma patente de base em vigor, na aceção desta disposição, quando, embora esteja abrangido pela definição funcional constante das reivindicações dessa patente, tenha sido desenvolvido após a data de depósito do pedido de patente de base, na sequência de uma atividade inventiva autónoma.

 

Neste processo, o TJUE remeteu, no essencial, para as considerações feitas nos precedentes acórdãos, acrescentando, em face da particularidade do caso [estava em causa um único princípio ativo – a sitaglipina – e o CCP havia sido recusado por se ter considerado que o produto havia sido desenvolvido após a data de depósito do pedido da patente e que, em consequência, o objeto da proteção desta não correspondia ao medicamento posteriormente desenvolvido e comercializado], que quando o produto não está explicitamente divulgado pelas reivindicações da patente de base, mas está compreendido num definição funcional geral como a utilizada pela patente de base em causa no processo principal.

Todavia, o TJUE sublinhou que o facto de esse produto estar abrangido pela definição funcional constante das reivindicações da patente não invalida a interpretação de que se o mesmo tiver sido desenvolvido após a data de depósito ou de prioridade da patente de base, na sequência de uma atividade inventiva autónoma, já não poderá considerar-se abrangido pelo objeto da proteção conferida por essa patente.

Calcorreada a jurisprudência dominante do TJUE a respeito da interpretação do art. 3.º, al. a), do Regulamento n.º 469/2009, importará volver ao caso que nos ocupa, analisando a factualidade apurada a fim de saber se o produto para o qual a recorrente obteve o CCP 857 está, ou não, protegido por uma patente de base na aceção do referido normativo.

Recorde-se, a propósito, que a recorrente é titular da patente europeia nº 1210428 (também designada EP 428), cuja epígrafe é: ‘PD-1, Um receptor para B7-4 e suas utilizações’, e cujo resumo é: ‘A invenção identifica PD-1 como um receptor para B7-4.

A B7-4 pode inibir a activação de células imunitárias após ligação a um receptor inibidor numa célula imunitária. Por conseguinte, a invenção proporciona agentes para modular PD-1, B7-4 e a interacção entre B7-4 e PD-1 a fim de modular um sinal co-estimulador ou inibidor numa célula imunitária que resulta na modulação da resposta imunológica.’, a qual protege, de acordo com as suas reivindicações independentes 1, 2, 9,10 e 12-14, o seguinte, cfr. doc. junto a fls. 121-243 dos autos, que se dá por reproduzido:

1. Método de modulação de uma resposta imunológica compreendendo colocar em contacto in vitro uma célula que expressa B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem pelo menos 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4, ou uma célula imunitária que expressa PD-1, o qual é o receptor para B7-4, com um agente seleccionado do grupo consistindo de B7-4, uma proteína compreendendo um domínio extracelular de B7-4, PD-1 e anticorpos anti-B7-4 com PD-1 para modular, desse modo, a resposta imunológica.

2. Utilização de uma quantidade terapeuticamente eficaz de um agente seleccionado do grupo consistindo de: B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, PD-1, o qual é o receptor para B7-4, uma proteína que compreende um domínio extracelular de B7-4, e anticorpos anti-B7-4, para a preparação de uma composição farmacêutica para modular uma resposta imunológica, em que o agente modula a interacção de B7-4 com PD-1 para modular, desse modo, a resposta imunológica quando se coloca em contacto uma célula que expressa B7-4 ou uma célula imunitária que expressa PD-1. […]

9. Vacina compreendendo um antigénio patogénico e um agente seleccionado do grupo consistindo de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem pelo menos 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, uma proteína compreendendo um domínio extracelular de B7-4, PD-1, o qual é o receptor para a molécula de B7-4, e anticorpos anti-B7-4, o qual inibe a interacção de B7-4 e PD-1.

10. Utilização de um agente seleccionado do grupo consistindo de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína que tem pelo menos 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, uma proteína compreendendo um domínio extracelular de B7-4 de B7-4, PD-1, o qual é o receptor para a molécula de B7-4, e anticorpos anti-B7-4, que inibe a interacção de PD-1 e B7-4, para a preparação de uma composição farmacêutica para tratar um indivíduo que sofre de um estado que beneficiaria da regulação positiva de uma resposta imunológica, sendo a referida condição seleccionada do grupo que consiste de um tumor, um distúrbio neurológico ou uma doença imunodepressora. […]

12. Utilização de um agente seleccionado do grupo consistindo de: formas solúveis de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína tendo, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, PD-1, o qual é o receptor para a molécula de B7-4 e anticorpos anti-B7-4, o qual estimula a sinalização mediada por B7-4 através de PD-1 numa célula imunitária de um indivíduo, para a preparação de uma composição farmacêutica para tratar o referido indivíduo que sofre de um estado que beneficiaria da regulação negativa de uma resposta imunológica, sendo a condição seleccionada do grupo que consiste de um transplante, uma alergia e um distúrbio auto-imune.

13. Método de identificação de um composto que tem a aptidão para modular a actividade de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína tendo, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, ou actividade de PD-1 modulando a interacção entre B7-4 e PD-1, compreendendo, num ensaio baseado em células - colocar em contacto uma célula que expressa B7-4 com o composto de ensaio e determinar a aptidão do PD-1 para ligar com a célula que express B7-4 - ou colocar em contacto uma célula que expressa PD-1 com o composto de ensaio e determinar a aptidão da B7-4 para se ligar com a célula que expressa PD-1.

14. Método de identificação de um composto tendo a aptidão para modular a actividade de B7-4, a qual é um ligando proteico para PD-1 compreendendo a sequência de aminoácidos mostrada na figura 3 ou 4 ou uma proteína tendo, pelo menos, 50% de identidade de aminoácidos com a sequência de aminoácidos de B7-4 de comprimento total mostrada na figura 3 ou 4, ou actividade de PD-1, modulando a interacção entre B7-4 e PD-1, compreendendo, num ensaio de células - colocar em contacto a B7-4 com o com posto de ensaio e determinar a aptidão de PD-1 para ligar com B7-4 - ou colocar em contacto PD-1 com o composto de ensaio e determinar a aptidão de B7-4 para ligar com PD-1.”

 

Resulta assente nos autos que o princípio ativo “atezolizumab”, também conhecida pelo nome comercial “Tecentriq”, não foi objecto das reivindicações patente de base EP 4280.

 

Restará, por isso, apenas e tão só apreciar se, não obstante tal princípio não estar expressamente referido nas ditas reivindicações, pode considerar-se que ali se encontra definido funcionalmente, tal como pretende a recorrente e se, consequentemente, se pode considerar incluído princípio activoatezolizumab” nas reivindicações daquela EP 4280.

 

Para tanto e em primeiro lugar, importaria que o especialista na matéria, com base na evolução técnica à data do depósito ou de prioridade da patente de base, considerasse que o referido princípio ativo estava necessariamente abrangido, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta.

Ora, resulta da descrição da patente de base (EP 4280) – (também designada EP 428), cuja epígrafe é: ‘PD-1, Um receptor para B7-4 e suas utilizações’, e cujo resumo é: ‘A invenção identifica PD-1 como um receptor para B7-4, que esta B7-4 pode inibir a activação de células imunitárias após ligação a um receptor inibidor numa célula imunitária. Por conseguinte, a invenção proporciona agentes para modular PD-1, B7-4 e a interacção entre B7-4 e PD-1 a fim de modular um sinal co-estimulador ou inibidor numa célula imunitária que resulta na modulação da resposta imunológica.’, a qual protege, de acordo com as suas reivindicações independentes 1, 2, 9,10 e 12-14, o seguinte, cfr. doc. junto a fls. 121-243 dos autos, que se dá por reproduzido (vide facto provado nº 1).

 

Considerando que as reivindicações, definem o objeto da proteção pedida, devem as mesmas ser claras e concisas, apoiar-se na descrição e visar, ainda que não explícita ou expressamente, pelo menos implicitamente, mas necessária e especificamente, os princípios ativos em causa.

Ora, tal como observou a Comissão no âmbito do Acórdão Teva do TJUE (processo C-121/17), cujos fundamentos foram no essencial acima transcritos, a aludida reivindicação está redigida em termos que não satisfazem o critério estabelecido pelo TJUE, porquanto, ante o sentido estritamente literal, não se lhe adivinha na sua descrição a dita clareza, por forma a que, ainda que não explícita ou expressamente, pelo menos implicitamente, mas necessária e especificamente, se possa considerar nela visado princípio activo em questão, a “atezolizumab”.

 

Por outro lado, como muito bem é dito no Acórdão recorrido, no que se refere à evolução técnica à data da prioridade da patente de base em causa, é de sublinhar que não ficou demonstrado que a “atezolizumab” fosse um ingrediente ativo usado à data da prioridade da patente de base EP 4280 (23.08.1999) e muito menos que fosse um agente eficaz, conhecido pelo especialista na matéria, para o tratamento  do cancro do pulmão por meio da estimulação de respostas imunitárias resultante da inibição de um sinal inibidor mediado por PD-1/PD-L1 (B7-4) transmitido às células imunitárias.

 

Sendo que também não ficou demonstrado, como predica o Acórdão do TJUE C-650/17[26] (Royalty Pharma), no considerando 40 supra transcrito, que um especialista na técnica ao ler a especificação da EP 428 e tendo conhecimento geral comum no campo relevante, no momento do pedido, devesse poder deduzir directa e inequivocamente da especificação da patente, tal como foi depositada, que o produto objecto do CCP se insere no objecto da protecção desta patente.

E que esse especialista entendesse claramente que a patente de base proporciona base e descrição suficientes para anticorpos anti-PD-L1 modificados em Fc, incluindo atezolizumab, pelo que este não é especifica e necessariamente identificável por meio da definição funcional nas reivindicações, por um especialista na matéria, como estando protegido pela EP 428.

 

O que ficou provado (ponto 13 da matéria de facto), foi que “antes de 1999 eram mencionadas em publicações da especialidade, modificações de Fc e métodos de realização das mesmas e de prevenir a ligação de regiões Fc do anticorpo aos correspondentes receptores.

Mas não ficou provado que que o atezolizumab é um anticorpo anti-B7-4 já conhecido antes da data de prioridade da patente de base, sendo que nem tal nem é alegado pela Recorrente.

 

O que a Recorrente alega é que os conhecimentos gerais comuns disponíveis para os técnicos nesta matéria, na altura da prioridade da patente de base incluíam modificações bem conhecidas de Fc que reduziam a ligação de um anticorpo (por exemplo, um anticorpo anti-PD-L1) aos receptores de Fc gama, prevenindo a glicosilação dos resíduos de asparagina dentro da região CH2 do domínio Fc, necessários para essas interacções de ligação.

E que, sendo o atezolizumab um anticorpo monoclonal humanizado modificado na sua região Fc para prevenir funções efetoras de Fc, embora as mutações específicas sejam diferentes, o especialista na técnica ao ler o texto da EP428 e tendo conhecimento geral comum no campo relevante, no momento do pedido, entende claramente que a mesma proporciona base e descrição suficientes para anticorpos anti-PD-L1 modificados em Fc, incluindo atezolizumab.

E que, uma vez que a patente de base é direccionada ao tratamento de cancro pela regulação positiva de respostas imunitárias (o oposto à regulação negativa de respostas imunitárias para tratar doenças autoimunes), a patente de base leva o especialista na técnica a modificar, em algumas formas de realização, os anticorpos anti PD-L1 para reduzir a ligação aos recetores Fc gama e, assim, prevenir a função efetora da Fc não desejada, tal como a que causa doença autoimune.

 

Do alegado pela Recorrente parece retirar-se que o especialista na matéria tem indicações na patente base que lhe permitiriam chegar ao atezolizumab – o qual consta na decisão do INPI que foi descrito pela primeira vez no pedido de patente US8217149 e pedidos relacionados, cuja data de prioridade é de 2008 (ver https://www.guidetoimmunopharmacology.org/GRAC/LigandDisplayForward? tab=biology&ligandId=7990).

 

Ora, a patente de base tem de conter alguma indicação clara e inequívoca que permita ao especialista na matéria identificar especificamente o produto em questão, no caso o “atezolizumab”, não bastando que fossem já conhecidas modificações de Fc e métodos para realizar essas modificações e de prevenir a ligação do anticorpo aos receptores.

A patente de base que serviu de apoio ao CCP tem como data de prioridade 23.08.1999, sendo que não ficou provado que, nessa data, um especialista médio na matéria fosse capaz de deduzir de forma directa e inequívoca o “atezolizumab” como sendo um anticorpo anti-B7-4.

 

Como sustenta o TJUE, o CCP não se destina a ampliar o âmbito da protecção conferida pela patente de base para lá da invenção coberta por essa patente, pois que os resultados da investigação efectuada após a data de depósito ou de prioridade da referida patente não podem ser tidos em conta para efeitos de concessão de um CCP, já que tal permitiria ao seu titular beneficiar indevidamente da protecção desses resultados, mesmo que estes não fossem conhecidos em nenhuma dessas datas, o que seria manifestamente contrário ao objectivo do Regulamento n.º 469/2009.

 

Acresce que os demais elementos divulgados pela patente também nada adiantam no sentido de, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de 23.08.1999, se poder concluir que o princípio ativo “atezolizumab” fosse visado, necessária e especificamente, nas reivindicações da patente de base EP428.

 

Como bem sublinhou a sentença da 1ª instância, “não cremos que resulte demonstrado estar o atezolizumabimplicita, mas necessariamente’ referida de forma ‘específica’ nas reivindicações da patente EP 428, já que se trata apenas de um, um número indeterminado de outros ‘anticorpos anti-B7-4’, capazes de ser utilizados para obter o efeito reivindicado na patente de base, pelo que desde logo não se verifica a requerida correlação de necessidade entre a categoria dos ditos anticorpos genericamente identificada na patente e o produto ‘atezolizumabobjecto do pedido de CCP em causa, o qual, de todo o modo, não é ali identificado ou identificável de forma específica pelo perito na matéria, à data da prioridade desta patente (23.08.1999).

Não pode, pois, dizer que este produto esteja implicitamente referido de modo específico nas reivindicações da patente, como exigido na jurisprudência do TJUE invocada, atenta a redacção abrangente utilizada: ‘anticorpos anti-B7-4’ [ênfase aditado].

De resto, nem se demonstra que, à data da prioridade da patente (25.04.1996), tal composto (ou as suas propriedades) fosse sequer conhecido, pelo que de forma alguma se pode considerar abrangidos no âmbito de protecção da patente de base, onde nenhuma menção lhe é feita, quer nas correspondentes reivindicações, quer na descrição.”

 

Com efeito, para além da invenção da patente de base se referir ao anticorpo anti-B7-4 e não inserir nessa categoria a atezolizumab, não estando esta substância activa ali necessariamente abrangida, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data da prioridade da patente, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e também não sendo a atezolizumab, do ponto de vista do referido especialista e com base na dita evolução, especificamente identificável, atendendo a todos os elementos divulgados pela referida patente, a outra conclusão não é possível chegar senão a que o princípio ativo que compõe o produto para o qual foi obtido o CCP 857 não é necessária e especificamente visado nas reivindicações da EP 428.

 

Em conclusão, o produto ou a substância activaatezolizumab” não está “implícita, mas necessariamente” referida de forma específica nas reivindicações da Patente Europeia n.º 1210428 (EP428), nos termos do art. 3º al. a) CCP do Regulamento n.º 469/2009 do Parlamento e do Conselho, de 06-05-2009, pelo que o pedido de protecção de Certificado Complementar de Protecção nº. 857 formulado pela requerente ora recorrente DANA-FARBER CANCER INSTITUTE, INC. deverá ser rejeitado.

 

Termos em que se nega a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os juízes que integram a 7ª Secção Cível deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

 

Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Sousa Pinto

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

 

 



[1] Medeva BV contra Comptroller General of Patents, Designs and Trade Marks. Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) - Reino Unido. Medicamentos para uso humano - Certificado complementar de protecção - Regulamento (CE) n.º 469/2009. In https://curia.europa.eu/

[2] Eli Lilly and Company Ltd v. Human Genome Sciences Inc. Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo High Court of Justice (Inglaterra e País de Gales), Chancery Division (Patents Court).

[3] Importância essa que é corroborada pelo ponto 20., segundo parágrafo, da exposição de motivos da Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho, de 11-04-1990, bem como pelo considerando 14 do Regulamento (CE) n.º 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23-07-1996.

[4] Teva UK Ltd e o. contra Gilead Sciences Inc.

Pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Courts).

[5] Situação muito idêntica e seguida à que, seguindo de perto o Acórdão Teva Uk Ltd, tratou o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2021, no processo 384/16.9YHLSB.L1.S1, que seguimos de perto.

Veja-se também o Acórdão deste STJ de 18/03/2021, processo 281/17.0YHLSB.L1.S1. ambos in www.dgsi.pt

[6] Processo Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent- und Markenamt.

Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundespatentgericht