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REsp 1773244/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 05/04/2019

RECURSO ESPECIAL Nº 1.773.244 - RJ (2018/0049055-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : AMERICAN AIRLINES INC ADVOGADOS : CLÁUDIO BONATO FRUET - DF006624

RODRIGO SÉRGIO BONAN DE AGUIAR - RJ047111 LUIZ LEONARDOS - RJ009647

ALEXANDRE MULLER BUARQUE VIVEIROS - DF024080 CONSTANZA WOLTZENLOGEL - RJ102000

RECORRIDO : AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA - ME ADVOGADOS : JOSÉ ROBERTO RUTKOSKI E OUTRO(S) - SP146114

SARAH DA SILVA CAVALCANTE E OUTRO(S) - SP316369 CLOVIS VERNIERI CARNEIRO - SP093690

RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NULIDADE DE MARCA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. AUSENTE. SÚMULA 284/STF. QUEBRA DA CONFIANÇA LEGÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA NÃO VERIFICADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. AUSÊNCIA. SECONDARY MEANING, SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA OU DISTINTIVIDADE ADQUIRIDA. FENÔMENO QUE NÃO POSSUI O ALCANCE PROPUGNADO PELA RECORRENTE. DIREITO DE EXCLUSIVIDADE. MITIGAÇÃO. MARCA EVOCATIVA. SINAL DE USO COMUM. EMPRESAS QUE PRATICAM ATIVIDADES DISTINTAS. CONFUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA.

1.                           Ação ajuizada em 7/1/2008. Recurso especial interposto em 18/7/2014 e concluso à Relatora em 14/3/2018.

2.                           O propósito recursal é verificar a higidez do ato administrativo que concedeu o registro da marca nominativa AMERICA AIR, na classe que assinala serviços de transporte aéreo, à empresa recorrida.

3.                           Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional.

4.                           O recurso especial não pode ser conhecido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente.

5.                           A concessão do registro marcário pelo órgão administrativo competente não constitui circunstância apta a criar na recorrente a legítima expectativa de que o INPI não iria deferir quaisquer outros pedidos de registro de sinais que, segundo a percepção particular do detentor do direito marcário, conflitaria com o seu. Hipótese em que não se verifica a ocorrência de quebra de confiança legítima, insegurança jurídica ou de má-fé dos recorridos.

6.                           Como regra, a utilização de sinal marcário obtido regularmente junto ao INPI não pode ser entendido como conduta fraudulenta ou desonesta praticada com o intuito de angariar ou desviar, ilicitamente, a clientela de terceiros. O sucesso de pretensão deduzida nesse sentido, na medida em que implica grave restrição ao direito titulado pelo proprietário da marca impugnada, exigiria comprovação da prática de conduta fraudulenta ou de sua má-fé ao requerer o registro, circunstâncias cujo exame, consoante entendimento cristalizado na Súmula 7/STJ, é defeso em sede de recurso especial.

7.                           Tratando-se de marcas evocativas ou sugestivas, aquelas que apresentam baixo grau de distintividade, por se constituírem a partir de expressões que remetem à finalidade, natureza ou características do produto ou serviço por elas identificado, como ocorre no particular, este Tribunal tem reconhecido que a exclusividade conferida ao titular do registro comporta mitigação, devendo ele suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Precedentes.

8.                           O fenômeno da distintividade adquirida (significação secundária ou secondary meaning) ocorre em relação a algum signo de caráter comum, descritivo ou evocativo que, dada a perspectiva criada no consumidor ao longo de um largo tempo de uso, passa a adquirir eficácia distintiva suficiente, a ponto de possibilitar seu registro como marca.

9.                           A exclusividade de uso pretendida nesta demanda, todavia, não constitui decorrência lógica, direta e automática do reconhecimento da aquisição de distintividade. Deve-se ter em consideração as circunstâncias usualmente analisadas para decidir sobre a possibilidade ou não de convivência entre marcas em aparente conflito.

10.                        Em se tratando de marcas “fracas”, descritivas ou evocativas, afigura-se descabida qualquer alegação de anterioridade de registro quando o intuito da parte for o de assegurar o uso exclusivo de expressão dotada de baixo vigor inventivo. Precedente.

11.                        O âmbito de proteção de uma marca é delimitado, acima de tudo, pelo risco de confusão que o uso de outro sinal, designativo de serviço idêntico, semelhante ou afim, possa ser capaz de causar perante o consumidor.

12.                        No particular, diante do fato de a denominação impugnada tratar-se de expressão evocativa/sugestiva e de ambas as empresas prestarem serviços distintos – não tendo sido constatada a possibilidade de confusão junto ao público – inexiste, a partir da interpretação da lei de regência e do quanto consolidado pela jurisprudência do STJ, qualquer razão jurídica apta a ensejar a declaração de nulidade do registro marcário da recorrida.

13.                        O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (voto-vista), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 02 de abril de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.773.244 - RJ (2018/0049055-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : AMERICAN AIRLINES INC ADVOGADOS : CLÁUDIO BONATO FRUET - DF006624

RODRIGO SÉRGIO BONAN DE AGUIAR - RJ047111 LUIZ LEONARDOS - RJ009647

ALEXANDRE MULLER BUARQUE VIVEIROS - DF024080 CONSTANZA WOLTZENLOGEL - RJ102000

RECORRIDO : AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA - ME ADVOGADOS : JOSÉ ROBERTO RUTKOSKI E OUTRO(S) - SP146114

SARAH DA SILVA CAVALCANTE E OUTRO(S) - SP316369 CLOVIS VERNIERI CARNEIRO - SP093690

RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por AMERICAN AIRLINES, INC. com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional.

Ação: de nulidade de marca, ajuizada pela recorrente em face do INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (primeiro recorrido) e de AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA. (segunda recorrida), com o objetivo de obter provimento judicial que: (i) declarasse a nulidade do registro marcário n. 821.790.463; (ii) condenasse o primeiro recorrido a indeferir os pedidos de registro ns. 828.634.882, 828.634.890 e 900.120.711; (iii) condenasse a segunda recorrida a se abster de utilizar a marca AMERICA AIR para serviços de transporte aéreo, sob pena de multa diária; e que (iv) condenasse a segunda recorrida ao pagamento de indenização pelo registro e uso indevidos da marca, assim como pelos atos de concorrência desleal relacionados.

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para “decretar a nulidade do registro nº 821.790.463 – marca AMERICA AIR, e a indeferir os pedidos de registros n. 828.634.882, 828.634.890 e 900.120.711 todos da empresa ré, com a condenação da mesma à abstenção de uso da referida marca no que se refere a serviços de transportes aéreos de passageiros e de carga, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)” (e-STJ fl. 1549).

Acórdão: deu “provimento à remessa necessária considerada como feita e à apelação da AMÉRICA AIR TÁXI AÉREO LTDA. e do INPI, revogando-se a tutela concedida na sentença, determinando o prosseguimento da análise dos pedidos de registro n° 828.634.882, n° 828.634.890 e n° 900.120.711, nos termos já expostos; restando prejudicado o recurso da empresa AMERICAN AIRLINES, INC.” (e-STJ fls. 1816/1817).

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram

rejeitados.

Recurso especial: aponta a existência de dissídio jurisprudencial e

alega violação dos artigos: 2º, V, 124, V, XIX e XXIII, 125, 126, 129, 165, 195, III, e 209 da Lei 9.279/96; 6 bis, 6 quinquies, C.1, 8 e 10 bis da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (CUP); e 535, II, do CPC/73. Além de apontar negativa de prestação jurisdicional, afirma que o prévio reconhecimento pelo INPI de seu direito ao registro da marca AMERICAN AIRLINES, sem qualquer ressalva, exige que se respeite o princípio da confiança legítima, como forma de manutenção da estabilidade das relações entre a administração pública e os administrados. Não se pode deixar de considerar, segundo aduz, os altos investimentos feitos na proteção e divulgação de sua marca, os quais decorreram da confiança e da segurança depositadas no ato de outorga estatal. Assevera que permitir a convivência entre as marcas AMERICAN AIRLINES e AMERICA AIR impede que o sinal registrado previamente, e que constitui também seu nome empresarial, exerça uma de suas funções elementares, a de identificar a procedência dos serviços ofertados. Alega que a manutenção do acórdão impugnado pode gerar aproveitamento indevido da fama e do renome adquiridos por ela ao longo de seu tempo de existência, o que caracterizaria, outrossim, a prática de concorrência desleal. Pugna pela aplicação da teoria do “significado secundário” ou da “distintividade adquirida” (originalmente, na expressão em inglês, secondary meaning), devendo-se, para tanto, levar em conta o uso prolongado da marca, a tradição, a respeitabilidade e o volume de investimentos na sua divulgação.

Admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem, tendo sido provido o agravo interposto pela recorrente e determinado-se sua reautuação como recurso especial.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.773.244 - RJ (2018/0049055-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : AMERICAN AIRLINES INC ADVOGADOS : CLÁUDIO BONATO FRUET - DF006624

RODRIGO SÉRGIO BONAN DE AGUIAR - RJ047111 LUIZ LEONARDOS - RJ009647

ALEXANDRE MULLER BUARQUE VIVEIROS - DF024080 CONSTANZA WOLTZENLOGEL - RJ102000

RECORRIDO : AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA - ME ADVOGADOS : JOSÉ ROBERTO RUTKOSKI E OUTRO(S) - SP146114

SARAH DA SILVA CAVALCANTE E OUTRO(S) - SP316369 CLOVIS VERNIERI CARNEIRO - SP093690

RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NULIDADE DE MARCA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. AUSENTE. SÚMULA 284/STF. QUEBRA DA CONFIANÇA LEGÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA NÃO VERIFICADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. AUSÊNCIA. SECONDARY MEANING, SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA OU DISTINTIVIDADE ADQUIRIDA. FENÔMENO QUE NÃO POSSUI O ALCANCE PROPUGNADO PELA RECORRENTE. DIREITO DE EXCLUSIVIDADE. MITIGAÇÃO. MARCA EVOCATIVA. SINAL DE USO COMUM. EMPRESAS QUE PRATICAM ATIVIDADES DISTINTAS. CONFUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA.

1.                           Ação ajuizada em 7/1/2008. Recurso especial interposto em 18/7/2014 e concluso à Relatora em 14/3/2018.

2.                           O propósito recursal é verificar a higidez do ato administrativo que concedeu o registro da marca nominativa AMERICA AIR, na classe que assinala serviços de transporte aéreo, à empresa recorrida.

3.                           Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional.

4.                           O recurso especial não pode ser conhecido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente.

5.                           A concessão do registro marcário pelo órgão administrativo competente não constitui circunstância apta a criar na recorrente a legítima expectativa de que o INPI não iria deferir quaisquer outros pedidos de registro de sinais que, segundo a percepção particular do detentor do direito marcário, conflitaria com o seu. Hipótese em que não se verifica a ocorrência de quebra de confiança legítima, insegurança jurídica ou de má-fé dos recorridos.

6.                           Como regra, a utilização de sinal marcário obtido regularmente junto ao INPI não pode ser entendido como conduta fraudulenta ou desonesta praticada com o intuito de angariar ou desviar, ilicitamente, a clientela de terceiros. O sucesso de pretensão deduzida nesse sentido, na medida em que implica grave restrição ao direito titulado pelo proprietário da marca impugnada, exigiria comprovação da prática de conduta fraudulenta ou de sua má-fé ao requerer o registro, circunstâncias cujo exame, consoante entendimento cristalizado na Súmula 7/STJ, é defeso em sede de recurso especial.

7.                           Tratando-se de marcas evocativas ou sugestivas, aquelas que apresentam baixo grau de distintividade, por se constituírem a partir de expressões que remetem à finalidade, natureza ou características do produto ou serviço por elas identificado, como ocorre no particular, este Tribunal tem reconhecido que a exclusividade conferida ao titular do registro comporta mitigação, devendo ele suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Precedentes.

8.                           O fenômeno da distintividade adquirida (significação secundária ou secondary meaning) ocorre em relação a algum signo de caráter comum, descritivo ou evocativo que, dada a perspectiva criada no consumidor ao longo de um largo tempo de uso, passa a adquirir eficácia distintiva suficiente, a ponto de possibilitar seu registro como marca.

9.                           A exclusividade de uso pretendida nesta demanda, todavia, não constitui decorrência lógica, direta e automática do reconhecimento da aquisição de distintividade. Deve-se ter em consideração as circunstâncias usualmente analisadas para decidir sobre a possibilidade ou não de convivência entre marcas em aparente conflito.

10.                        Em se tratando de marcas “fracas”, descritivas ou evocativas, afigura-se descabida qualquer alegação de anterioridade de registro quando o intuito da parte for o de assegurar o uso exclusivo de expressão dotada de baixo vigor inventivo. Precedente.

11.                        O âmbito de proteção de uma marca é delimitado, acima de tudo, pelo risco de confusão que o uso de outro sinal, designativo de serviço idêntico, semelhante ou afim, possa ser capaz de causar perante o consumidor.

12.                        No particular, diante do fato de a denominação impugnada tratar-se de expressão evocativa/sugestiva e de ambas as empresas prestarem serviços distintos – não tendo sido constatada a possibilidade de confusão junto ao público – inexiste, a partir da interpretação da lei de regência e do quanto consolidado pela jurisprudência do STJ, qualquer razão jurídica apta a ensejar a declaração de nulidade do registro marcário da recorrida.

13.                        O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.773.244 - RJ (2018/0049055-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : AMERICAN AIRLINES INC ADVOGADOS : CLÁUDIO BONATO FRUET - DF006624

RODRIGO SÉRGIO BONAN DE AGUIAR - RJ047111 LUIZ LEONARDOS - RJ009647

ALEXANDRE MULLER BUARQUE VIVEIROS - DF024080 CONSTANZA WOLTZENLOGEL - RJ102000

RECORRIDO : AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA - ME ADVOGADOS : JOSÉ ROBERTO RUTKOSKI E OUTRO(S) - SP146114

SARAH DA SILVA CAVALCANTE E OUTRO(S) - SP316369 CLOVIS VERNIERI CARNEIRO - SP093690

RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal é verificar a higidez do ato administrativo que concedeu o registro da marca nominativa AMERICA AIR, na classe que assinala serviços de transporte aéreo, à empresa recorrida.

1.        DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O Tribunal de origem pronunciou-se de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais da controvérsia, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535, II, do CPC/73.

Note-se que, ao contrário do alegado pela recorrente, no que concerne à tese da distintividade adquirida (ou secondary meaning), o aresto de fls. 1854/1860 (e-STJ) tratou expressamente da questão, ainda que de modo sucinto.

2.        DA TUTELA DA CONFIANÇA LEGÍTIMA

A primeira tese defendida pela recorrente com o objetivo de derruir as conclusões alcançadas pelo tribunal de origem é a de que o acórdão impugnado

– ao decidir pela possibilidade de convivência entre sua marca, AMERICAN AIRLINES, e aquela da empresa recorrida, AMERICA AIR – teria violado o princípio da confiança legítima.

Todavia, no particular, verifica-se da leitura das razões do especial que a recorrente não indicou, no que concerne especificamente a esse ponto, qual dispositivo de lei federal teria sido violado pela Corte a quo, o que, como é cediço, impede a apreciação da insurgência, em razão do disposto na Súmula 284/STF.

Ainda que tal óbice fosse superado, impende destacar que, de acordo com tal princípio, a confiança depositada pelas partes de uma relação somente merece proteção jurídica a partir do momento em que se mostra capaz de nelas criar uma expectativa legítima. Tal expectativa se caracteriza pelo fato de, quando frustrada, abalar os primados da boa-fé e da segurança jurídica.

Importa consignar que a confiança legítima não pode ser extraída de um contexto de mera expectativa, como no particular, o qual não gera a tutela jurídica pleiteada.

Com efeito, a concessão do registro marcário pelo órgão administrativo competente não constitui circunstância apta a criar na recorrente a legítima expectativa de que o INPI não iria deferir quaisquer outros pedidos de registro de signos que, segundo a percepção particular do detentor do direito marcário, conflitaria com o seu.

Ou ainda, conforme explicitado no acórdão impugnado:

O deferimento de um registro a uma empresa não pode, sob alegação de confiança legítima, impedir que outra obtenha registros válidos para marca assemelhada, se a ordem jurídica também autoriza isso. (e-STJ fls. 1810/1811)

A análise acerca dos pedidos depositados junto à autarquia federal é balizada por critérios técnicos, decorrentes da legislação vigente e de regulamentação específica – a título ilustrativo: Lei 9.279/96, Lei 5.648/70, Decreto 8.854/16, IR DIRMA 01/13, Portaria 11/17, Portaria PR 216/15 – sendo certo que constitui atribuição exclusiva do órgão examinador analisar e deferir os pedidos de registro de marcas.

Assim, não tendo o ato administrativo de concessão de uso de marca criado nenhuma expectativa legítima de algo além do direito de a recorrente ter seus serviços identificados por meio do sinal nominativo para o qual obteve registro, não se pode cogitar de quebra de confiança, insegurança jurídica ou de má-fé dos recorridos, diante da inocorrência de demonstração de atuação arbitrária de quaisquer deles.

3.        DA CONCORRÊNCIA DESLEAL

O segundo argumento invocado pela recorrente é de que a utilização da marca AMERICA AIR pela empresa recorrida, como designativo de serviços de transporte aéreo de carga e de pessoas, configuraria a prática de concorrência desleal, pois constitui ato contrário aos usos honestos em matéria comercial.

A alegação, todavia, não se sustenta. E por uma razão bastante singela: o mero uso de marca devidamente registrada não constitui ato de concorrência desleal.

De fato, como regra geral, a utilização de sinal marcário obtido regularmente junto ao INPI não pode ser entendido como conduta fraudulenta ou desonesta praticada com o intuito de angariar ou desviar, ilicitamente, a clientela de terceiros.

Ainda que o ato administrativo de registro possa ser anulado judicialmente por desrespeito aos ditames da Lei 9.279/96, não se pode imputar à recorrida a prática de ato de concorrência desleal simplesmente por identificar os serviços que presta mediante uso da marca concedida pelo órgão estatal competente.

Ademais, o sucesso de pretensão deduzida nesse sentido, na medida em que implicaria grave restrição ao direito titulado pelo proprietário da marca impugnada, exigiria comprovação da prática de conduta fraudulenta (art. 195, III, da LPI) ou de sua má-fé ao requerer o registro (art. 124, XXIII), circunstâncias cujo exame, consoante entendimento cristalizado na Súmula 7/STJ, é defeso em sede de recurso especial.

Em suma, se no acórdão recorrido não foram assentadas premissas fáticas que permitam concluir que a recorrida abusou de seu direito para capturar eventual prestígio da marca da recorrente, não há, diante da natureza da presente espécie recursal, falar em concorrência desleal.

4.        DO GRAU DE DISTINTIVIDADE E DA CONFUSÃO

Impende destacar que, para além de meramente assegurar ou garantir os interesses próprios de seu titular, a marca possui a importante finalidade de proteger os consumidores (função social), conferindo-lhes meios para aferir a origem e a qualidade dos produtos ou serviços adquiridos.

As marcas registráveis, por sua vez, podem ser classificadas de acordo com seu grau de distintividade, havendo diferença, portanto, entre as chamadas marcas de fantasia, as marcas arbitrárias e as marcas evocativas ou sugestivas (as mais “fracas” em termos distintivos).

Quanto a essas últimas (evocativas ou sugestivas) – marcas que apresentam baixo grau de distintividade, por se constituírem a partir de expressões que remetem à finalidade, natureza ou características do produto ou serviço por elas identificado, como ocorre no particular –, este Tribunal tem reconhecido que a exclusividade conferida ao titular do registro (art. 129, caput, da LPI) comporta mitigação, devendo ele suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Nesse sentido: REsp 1.166.498/RJ, 3ª Turma, DJe 30/03/2011; e AgRg no REsp 1.046.529/RJ, 4ª Turma, DJe 04/08/2014.

Para que seja mitigada a regra da exclusividade, entretanto, é necessário que se verifique que a coexistência dos signos não cause confusão ao consumidor, sob pena de se frustrar o alcance de uma ou mais das finalidades marcárias.

Sucede que, quanto ao ponto, o Tribunal de origem assentou – com base no acervo fático-probatório dos autos – que os serviços prestados por ambas as empresas de transporte aéreo apresentam sensível distintividade, pois se trata de atividades “com foco” [...] “em âmbitos muito diversos”, sendo “perfeitamente possível a distinção do tipo de serviço prestado especificamente por cada uma das empresas: uma [a recorrida] atua no âmbito de táxi aéreo e a outra [a recorrente] no transporte regular aéreo de passageiros” (e-STJ fl. 1813, sem destaque no original).

Também constou do aresto que “a América Air Taxi Aéreo Ltda. é uma empresa regional, de pequeno porte, e que nem de longe é possível existir qualquer confusão com a gigante American Airlines” (e-STJ fl. 1832, sem destaque no original).

E mais, quando do exame dos embargos declaratórios opostos em face do acórdão impugnado, reeditou-se a afirmação de que “a empresa embargada [AMERICA AIR TAXI AÉREO] atua no ramo de táxi aéreo, havendo distintividade no tipo de serviços prestados por ambas as empresas, não se cogitando da extensibilidade de suas rotas” (e-STJ fl. 1857).

Com base nessas conclusões – e considerando o baixou grau de distintividade da marca da recorrente –, a Corte regional decidiu que a convivência entre os sinais registrados se afigura absolutamente viável, pois não há risco de confusão junto ao público consumidor.

Cumpre assinalar que as duas circunstâncias retro citadas, conforme entendimento consolidado desta Corte, são inviáveis de reexame em sede de recurso especial, por esbarrarem no óbice da Súmula 7/STJ. Nesse sentido: REsp 900.568/PR, 4ª Turma, DJe 03/11/2010; e REsp 866.736/RJ, 3ª Turma, DJ 27/02/2008.

5.        DA SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA OU DISTINTIVIDADE ADQUIRIDA (SECONDARY MEANING)

Não há dúvida, no particular, de que a marca previamente registrada pela recorrente, AMERICAN AIRLINES, se enquadra na classificação de marca evocativa, uma vez que seus elementos, AMERICAN (americano ou americana) e AIRLINES (linhas aéreas ou companhia aérea), remetem diretamente aos serviços de transporte aéreo por ela prestados.

Argumenta a recorrente, contudo, com o intuito de demonstrar a necessidade de se declarar a nulidade da marca da recorrida (AMERICA AIR), que deve ser aplicada à hipótese a chamada teoria da distintividade adquirida (da significação secundária, ou secondary meaning).

Tal teoria, segundo doutrina do Prof. DENIS BORGES BARBOSA, contempla que sinais a princípio desprovidos de distintividade suficiente para obterem proteção jurídica pelo registro podem adquirir tal propriedade a partir do momento em que seu uso ou divulgação ocorra com tal intensidade ou por tanto tempo que o público tenha se habituado a associar o signo a uma determinada origem de bens ou serviços, mesmo em condições que, em abstrato, vedariam seu registro por ausência de distinguibilidade (Proteção das marcas: uma perspectiva semiológica. Lumen Juris, 2017).

Ou, em outros termos: significação secundária é o fenômeno que ocorre em relação a algum signo de caráter genérico ou comum, geralmente alguma expressão dicionarizada, que, dada a perspectiva criada no consumidor ao longo de um largo tempo de uso, passa a adquirir eficácia distintiva suficiente, a ponto de possibilitar seu registro como marca (com fundamento na parte final do inciso IV do art. 124 da LPI).

Nesse passo, é inegável que a distinguibilidade que a expressão AMERICAN AIRLINES tenha adquirido – e o que ela representa perante o público consumidor de seus serviços – garante à marca distintividade suficiente para fins de registro.

lhe atribuir.

Todavia, tal fenômeno não possui o alcance que a recorrente procura

De acordo com o que se pode depreender do próprio Acordo TRIPs (promulgado pelo Dec. 1.355/94), o efeito derivado do reconhecimento de eventual caráter distintivo de algum sinal originariamente desprovido dessa característica, em decorrência do uso, relaciona-se unicamente com a possibilidade de registro. Dispõe o art. 15, 1, da Seção 2:

Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas. Quando os sinais não forem intrinsecamente capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os Membros poderão condicionar a possibilidade do registro ao caráter distintivo que tenham adquirido pelo seu uso. [...]

A exclusividade de uso pretendida nesta demanda não constitui decorrência lógica, direta e automática do reconhecimento da aquisição de distintividade pela marca. Inexiste disposição legal específica a esse respeito, tampouco entendimento jurisprudencial albergando a postulação deduzida, de modo que se impõe ter em consideração as circunstâncias usualmente analisadas para decidir sobre a possibilidade ou não de convivência entre marcas em aparente conflito.

Por ocasião do julgamento do REsp 1.166.498/RJ (DJe 30/3/2011), esta 3ª Turma reconheceu que, em se tratando de marcas “fracas”, descritivas ou evocativas, afigura-se descabida qualquer alegação de anterioridade de registro quando o intuito da parte for o de assegurar o uso exclusivo de expressão dotada de baixo vigor inventivo.

Segundo o acórdão em questão, “[m]arcas de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos de um restrito grupo empresarial, devendo o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar na intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais e explorar o mesmo segmento mercadológico.”

Conclui-se, assim, que, mesmo se a presente hipótese concreta versasse sobre empresas atuantes no mesmo ramo específico de atividades – o que não é o caso, frise-se –, o resultado do presente julgamento, em observância ao entendimento já firmado por esta Turma, não poderia ser diferente.

Por outro viés, não há falar que o presente entendimento representa afronta ao disposto no artigo 6 quinquies, C.1, da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (promulgada pelo Dec. 75.572/75), segundo o qual “[p]ara determinar se a marca é suscetível de proteção deverão ser levadas em consideração todas as circunstâncias de fato, particularmente a duração do uso da marca”.

Isso porque não se está, em absoluto, negando que a marca da recorrente possua proteção jurídica: o registro que lhe foi concedido detém eficácia e lhe garante o uso para designar seus serviços. O que se está a reconhecer é que, de acordo com a interpretação conferida à legislação de regência pela jurisprudência consolidada nesta Corte, as circunstâncias fáticas subjacentes à hipótese (natureza evocativa da marca, utilização em serviço diverso daquele prestado pela parte adversa, ausência de confusão) impedem que se reconheça que o uso da marca registrada pela recorrida viole direito da recorrente.

Na realidade, a pretensão recursal deduzida somente poderia alcançar o resultado objetivado caso estivesse fundada no fato de o sinal registrado pela recorrente ter sido alçado ao status, perante o órgão competente, de marca de alto renome, circunstância não discutida nos juízos de origem.

Quanto ao ponto, vale transcrever lição doutrinária que bem elucida a questão:

A proteção da marca se restringe aos produtos e serviços com os quais o marcado pode ser confundido pelo consumidor. Se não houver a possibilidade de confusão - isto é, de o consumidor considerar que o fornecedor de certo produto ou serviço é o mesmo de outro com marca igual ou semelhante -, não decorrerá do registro nenhum direito de exclusividade. O INPI classifica as diversas atividades econômicas de indústria, comércio e serviços, agrupando-as segundo o critério de afinidade, em classes, que auxiliam a pesquisa de possíveis fontes de confusão. O titular do registro de uma marca terá direito à sua exploração exclusiva nos limites fixados por este critério. Não poderá, por conseguinte, opor-se à utilização de marca idêntica ou semelhante por outro empresário se estiver afastada qualquer possibilidade de confusão. Exceção feita, apenas, ao titular de marca de alto renome (McDonald's, Natura, Nike, etc.), cuja proteção se estende a todos os ramos de atividade econômica (LPI, art. 125). O registro de determinada marca na categoria das de alto renome é ato discricionário do INPI, insuscetível de revisão pelo Poder Judiciário, senão quanto aos seus aspectos formais, em vista da tripartição constitucional de poderes do Estado. Uma vez registrada a marca nesta categoria, o seu titular poderá impedir o uso de marca semelhante ou idêntica em qualquer ramo da atividade econômica. (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 27ª ed. Saraiva,2015, págs. 116/117, sem destaque no originan( �br style='mso-special-character:line-break'>

Como é cediço, o âmbito de proteção de uma marca é delimitado, acima de tudo, pelo risco de confusão que o uso de outro sinal, designativo de serviço idêntico, semelhante ou afim, possa ser capaz de causar perante o consumidor (art. 124, XIX, da LPI).

Nesse contexto, diante do fato de a denominação impugnada tratar-se de expressão evocativa/sugestiva e de ambas as empresas prestarem serviços distintos não tendo sido constatada a possibilidade de confusão junto ao público – inexiste, a partir da interpretação da lei de regência e do quanto consolidado pela jurisprudência do STJ, qualquer razão jurídica apta a ensejar a declaração de nulidade do registro marcário da recorrida.

6.        DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL

Os acórdãos trazidos à colação pela recorrente não tratam de situações fáticas idênticas àquelas que integram a presente demanda, de modo que o exame do dissenso pretoriano invocado fica inviabilizado.

7.        CONCLUSÃO

Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2018/0049055-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.773.244 / RJ

Números Origem: 08000097620084025101 200851018000092

PAUTA: 19/02/2019 JULGADO: 19/02/2019

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

Secretário

Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : AMERICAN AIRLINES INC ADVOGADOS : CLÁUDIO BONATO FRUET - DF006624

RODRIGO SÉRGIO BONAN DE AGUIAR - RJ047111 LUIZ LEONARDOS - RJ009647

ALEXANDRE MULLER BUARQUE VIVEIROS - DF024080 CONSTANZA WOLTZENLOGEL - RJ102000

RECORRIDO : AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA - ME ADVOGADO : CLOVIS VERNIERI CARNEIRO - SP093690

RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, conhecendo parcialmente do recurso especial e, nesta parte, negando-lhe provimento, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.773.244 - RJ (2018/0049055-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : AMERICAN AIRLINES INC

ADVOGADOS : CLÁUDIO BONATO FRUET - DF006624

RODRIGO SÉRGIO BONAN DE AGUIAR - RJ047111 LUIZ LEONARDOS - RJ009647

ALEXANDRE MULLER BUARQUE VIVEIROS - DF024080 CONSTANZA WOLTZENLOGEL - RJ102000

RECORRIDO : AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA - ME ADVOGADO : CLOVIS VERNIERI CARNEIRO - SP093690

RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Pedi vista dos autos

para melhor exame da controvérsia.

Trata-se de recurso especial interposto por AMERICAN AIRLINES, INC. (fls. 1.867/1.906, e-STJ), com amparo no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (fls. 1.800/1.841, e-STJ).

Consta dos autos que, em janeiro de 2008, AMERICAN AIRLINES, INC. ajuizou ação de nulidade de registro de marca em desfavor de AMERICA AIR TÁXI AÉREO LTDA. e do INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INPI, afirmando existir conflito entre as marcas American Airlines e América Air.

Na petição inicial, a autora aduz que adotou seu nome empresarial em 11.4.1934 e obteve o registro de sua marca junto ao INPI em 6.8.1996, sendo a maior companhia aérea estrangeira em atuação no Brasil. Apesar da notoriedade de sua marca, tomou conhecimento do pedido de registro da marca nominativa América Air, colidente com a sua, apresentando oposição na forma do artigo 158 da Lei nº 9.279/1996. Porém, a recorrida obteve o registro e requereu outros dois, o que ensejou a propositura da presente ação.

Alega que por ser uma marca notoriamente conhecida e amplamente utilizada, possuindo alto grau de distintividade, usufrui de ampla proteção, o que obsta o registro de marca de terceiro que a reproduza ou imite, o que pode levar o consumidor a confundir os serviços ou a crer que o serviço assinalado pela marca mais recente tem origem ou ligação com o da mais antiga.

Afirma que a marca da primeira ré não passa de uma gritante imitação da sua, pois reproduz parcialmente a combinação de palavras e as identidades fonética, visual e gráfica.

Observa que não é vedado o registro dos termos "Airlines", "Air", "América" ou "American", mas é necessário que o termo esteja acompanhado de outras designações. No caso dos autos, a marca da primeira ré "emprega as mesmas duas palavras que formam a marca da Autora e na mesma ordem para criar uma situação de aproximação e lembrança conhecida de sua concorrente e lucrar ilicitamente com a associação provocada" (fl. 15, e-STJ).

Ressalta que o porte das empresas não pode ser tomado como parâmetro para excluir a irregistrabilidade de marca similar. Aduz que entender de modo diverso é punir a sociedade que alcança sucesso com sua atividade.

Considera fazer jus à indenização em decorrência dos atos de concorrência desleal praticados pela primeira ré.

O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido para decretar a nulidade do Registro nº 821.790.463 - marca América Air - e indeferir os outros 2 (dois) pedidos de registro, com a condenação da primeira ré à abstenção do uso da marca no que se refere a serviços de transportes aéreos de passageiros e de carga, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), a partir do trânsito em julgado.

Na oportunidade, o magistrado sentenciante esposou a seguinte fundamentação:

"(...)

No caso em apreço observo que a marca AMERICA AIR corresponde a uma imitação da marca AMERICAN AIRLINES da autora, eis que reproduz parcialmente a combinação de palavras, podendo ser observada a semelhança e quase identidade fonética, visual e gráfica das duas marcas.

(...)

Ora, o fato de oferecerem as empresas, tanto da autora como a da ré, serviços de transporte aéreo com destinos diversos não impede a possibilidade de confusão por parte dos consumidores.

Com efeito, os consumidores que contratam os serviços de táxi aéreo dentro do território nacional a um custo elevado são os mesmos que possuem condições financeiras para realizar vôos internacionais oferecidos pela Autora, o que induziria o consumidor contratar os serviços de táxi aéreo ou fretamento de aeronaves oferecidos pela empresa ré na confiança de ser ela pertencente à empresa autora.

Observa-se ainda que todos os pedidos e registros da empresa ré possuem como elemento preponderante a grafia das letras, que não é suficiente para diferenciá-la da marca AMERICAN AIRLINES da Autora principalmente se levarmos em conta que ambas as empresas trabalham no serviço de transporte aéreo" (fl. 1.548, e-STJ).

Inconformada, a primeira ré interpôs recurso de apelação, sustentando que a marca da autora é fraca, descritiva do serviço prestado, não merecendo proteção. O INPI, a seu turno, afirmou que as marcas são suficientemente distintas, não ensejando erro ou confusão entre os consumidores. Além disso, como os outros dois pedidos de registro ainda estão sob apreciação em âmbito administrativo, não seria possível a análise de mérito pelo Judiciário.

A autora interpôs apelação adesiva, requerendo a reforma da sentença no ponto que indeferiu o pedido de indenização em virtude da prática de atos de concorrência desleal.

A Corte de origem, por sua Câmara Especializada, deu provimento aos apelos da América Air Táxi Aéreo Ltda. e do INPI e julgou prejudicado o recurso da American Airlines, Inc. em aresto assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - REGISTRO DE MARCAS - POSSIBILIDADE - NÃO OCORRÊNCIA DE CONFUSÃO PERANTE O PÚBLICO CONSUMIDOR - MARCAS FRACAS QUE REMETEM À EXPRESSÃO DE USO COMUM - MARCA CONTENDO EXPRESSÃO EFETIVAMENTE DESGASTADA COM O FIM DE INDICAR O TIPO DE PRODUTO, SERVIÇO OU CLIENTELA - CONCESSÃO DOS REGISTROS DENTRO DOS PARÂMETROS DO ARTIGO 124, VI DA LPI

1                             - A marca da empresa AMERICAN AIRLINES, INC. é formada pelos termos 'AMERICAN' e 'AIRLINES' que possuem natureza evocativa e são de uso comum, na medida em que traduzidos da língua inglesa para a língua portuguesa significam 'americano, cidadão dos EUA' e 'linha aérea, companhia de transportes aéreos';

2                             - A princípio, tal expressão não poderia ser registrada, ante os termos do art. 124, VI da LPI. A questão encontra tratamento e solução legislativa adequada, na medida em que expressões de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, não podem servir individualmente como marca, sob pena de que se exclua o uso de sinal franqueado a todos, o que constituiria abuso;

3                             - Na medida em que a empresa AMERICAN AIRLINES, INC. optou por registrar sua marca pelos termos 'AMERICAN' e 'AIRLINES', que correspondem a um sinal que indica o tipo de produto assinalado pela referida marca, se por um lado teve a vantagem de trazer a ideia do tipo de produto que comercializa na mente do consumidor (serviços de transporte de passageiros e cargas), também trouxe para si a possibilidade de arcar com a convivência com outras marcas assemelhadas;

4                             - O fato da empresa AMERICAN AIRLINES, INC. atuar há mais de dez anos no mercado não tem o condão de impedir os registros da AMÉRICA AIR TÁXI AÉREO LTDA., ante a natureza evocativa dos termos que compõem as marcas em cotejo, conforme já exposto;

5                             - Uma marca registrada outrora, ainda que seja notória, pode vir a desgastar-se com o tempo por diversos fatores, como no caso, do uso habitual indicativo de produto/serviço, passando a pertencer ao rol de palavras corriqueiras que, como no caso em concreto, visam a identificar produtos relacionados à aviação. Portanto, o fato das marcas possuírem elementos nominativos semelhantes não é suficiente para caracterizar a possibilidade de confusão entre as marcas de titularidade das empresas em litígio, notadamente em se tratando de termos que sofreram efetivo desgaste;

6                 - Os pedidos de registro nºs 828.634.882, 828.634.890 e nº 900.120.711 deverão prosseguir no âmbito da Autarquia, devendo, no entanto, ser observada a natureza evocativa e de marca fraca dos termos que compõe as marcas em análise, já que a questão foi judicializada, incidindo as repercussões do inciso XXXV do art. 5º da CF;

7                             - Remessa necessária considerada como feita conhecida e provida;

8                             - Apelações da empresa AMÉRICA AIR TÁXI AÉREO LTDA. e do INPI conhecidas e providas;

9                             - Prejudicado o recurso da empresa AMERICAN AIRLINES, INC, 10 - Inversão do ônus da sucumbência" (fls. 1.839/1.840, e-STJ).

Daí a interposição do recurso especial ora em exame.

Nas presentes razões (fls. 1.867/1.906, e-STJ), a recorrente aponta, além da existência de dissídio jurisprudencial, violação dos seguintes dispositivos com as respectivas teses:

(i)        art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 - porque o tribunal de origem não se manifestou sobre acerca da aplicação ao caso do fenômeno do secondary meaning;

(ii)        arts. 124, V e XIX, e 129 da Lei nº 9.279/1996 e 8º da Convenção da União de Paris - porque foi violado o direito de exclusividade de uso do nome empresarial, do título do estabelecimento e da marca, esse último reconhecido pelo INPI, ferindo o princípio da confiança legítima no ato administrativo. Destaca que o direito protege o detentor da marca mais antiga, impedindo o registro de marca que seja reprodução ou imitação de outra já reconhecida;

(iii)        arts. 2º, inciso V, da Lei nº 9.279/1996 e 10 bis da Convenção da União de Paris (CUP) - porque o uso de marca praticamente idêntica para assinalar produtos da mesma natureza caracteriza concorrência desleal, restando evidente o intuito da recorrida de se locupletar do renome da marca notória, E

(iv)        art. 6º quinquies C1 da CUP - porque o uso prolongado de uma marca e o volume de investimentos na sua divulgação, são fatores cruciais para definir seu grau de distintividade (secondary meaning). No caso da marca American Airlines, Inc., já houve o reconhecimento de sua distintividade pelo INPI, o que foi desconsiderado pelo acórdão recorrido.

Foram apresentadas contrarrazões somente pelo INPI (fls. 2.018/2.023, e-STJ). O recurso especial não foi admitido na origem (fls. 2.053/2.054, e-STJ), tendo sido interposto agravo em recurso especial, no qual ficou consignada a necessidade de melhor análise da matéria, com a determinação de reautuação do recurso (fl. 2.138, e-STJ).

Levado o feito a julgamento pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 19.2.2019, após a prolação do voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi, conhecendo parcialmente do recurso e negando-lhe provimento, pedi vista dos autos antecipadamente e agora apresento meu voto.

É o relatório.

Cinge-se a controvérsia a definir se (i) o prévio registro da marca garante seu uso exclusivo em território nacional, ato administrativo tutelado pelo princípio da confiança legítima; o uso de marca "praticamente idêntica" configura concorrência desleal; (iii) aplicável ao caso a teoria da distintividade adquirida (secondary meaning), e, em caso positivo, (iv) se tem como decorrência lógica o direito ao uso exclusivo da marca.

No laborioso voto que apresentou a esta Turma julgadora na sessão de 19.2.2019, a relatora do feito entendeu inexistir negativa de prestação jurisdicional. Concluiu Sua Excelência, no mérito, que o ato administrativo de concessão de uso da marca não tem o condão de criar expectativa no sentido de que o INPI não iria deferir o registro de outros signos que entendesse obedecer os requisitos legais, daí a inaplicabilidade do princípio da confiança legítima ao caso. Destacou que o uso de marca devidamente registrada não constitui ato de concorrência desleal, além de não haver prova nos autos de que a recorrida abusou de seu direito para capturar eventual prestígio da marca concorrente. Considerou também que a marca da recorrente possui baixa distintividade, sendo viável a convivência com outras marcas semelhantes, esbarrando na Súmula nº 7/STJ a alteração do entendimento da Corte local no sentido de inexistir possibilidade de confusão entre os signos. Consignou, por fim, que ainda que a marca da recorrente tenha distinguibilidade suficiente para fins de registro, não detém o direito de exclusividade na forma defendida, o que somente seria alcançado se a marca tivesse sido alçada ao status de marca de alto renome.

Adiro às conclusões da relatora no que diz respeito à inexistência de negativa de prestação jurisdicional, visto que a Corte local, em embargos declaratórios, enfrentou a questão da aplicação da teoria da distintividade adquirida à hipótese dos autos (fl. 1.857, e-STJ).

Partilho também do entendimento de que não é cabível a invocação do princípio da confiança legítima no ato administrativo para concluir que o ato de registro de marca autoriza o uso exclusivo na forma pretendida pela recorrente.

Com efeito, apesar de o registro conferir o direito ao uso exclusivo do signo, esse direito não é absoluto, encontrando limites seja nos princípios da especialidade e da territorialidade, seja no grau de distintividade da marca, o qual pode variar com o decorrer do tempo.

Nesse contexto, o registro da marca, ainda que concedido sem ressalvas, não é suficiente para gerar uma expectativa legítima de que serão indeferidos todos os pedidos de registro que o titular da marca considerar semelhantes ao seu.

Sob essa perspectiva, não há falar em quebra de confiança ou em insegurança jurídica diante do deferimento do registro da marca recorrida.

Como se sabe, uma marca para ser registrada, isto é, para ser apropriada por alguém com exclusividade, precisa destacar-se suficientemente do domínio comum, não se podendo conceder a alguém a propriedade privada e exclusiva sobre termos verbais que são usados comumente pelas pessoas quando tratam daquele objeto ou serviço. Em razão disso, os signos descritivos não são, a princípio, apropriáveis como marca (artigo 124, VI, da Lei nº 9.279/1996).

Uma marca descritiva pode, porém, alcançar um maior grau de distintividade devido a sua utilização contínua por um longo período, da publicidade, dos investimentos feitos pelo empresário e da liderança em seu mercado de atuação, ganhando um significado próprio, que permite ao consumidor relacionar o termo comum àquela marca específica. É o fenômeno do secondary meaning.

No caso dos autos, não há dúvida de que a marca American Airlines é descritiva ou evocativa, formada por termos designativos do serviço prestado, como bem destacou a ilustre Relatora. Também não há controvérsia acerca do fato de a marca ter alcançado destacada distintividade, adquirindo uma significação própria junto ao consumidor, o que foi assinalado pelo próprio órgão de registro, conforme se observa da sentença:

"(...)

Ressalte-se que o INPI, em 1994, ao reexaminar os pedidos de registros nº 816.205.159, emitiu o seguinte parecer técnico, o qual transcrevo:

'Trata-se de recurso tempestivo e com a retribuição devida paga, contra o ato administrativo que indeferiu o pedido de registro em epígrafe, com base no item 06 do art. 65 do CPI (Código de Propriedade Industrial).

No caso, verifica-se que a palavra AIRLINES não se enquadra no item 65 invocado, além do mais é do conhecimento de todos que o conjunto marcário em questão pertence à empresa do mesmo nome há décadas, não havendo porque ser indeferido o seu pedido de registro no Brasil'

Destacou o Instituto que a marca da autora já possuía distintividade e era merecedora de proteção no Brasil" (fl. 1.547, e-STJ).

O fato de a marca ter adquirido distintividade garante o direito à exclusividade, mas nos limites concedidos às marcas fracas. Vale transcrever, no ponto, os comentários de Lélio Denicoli Schmidt:

"(...) Há, porém, um contrapeso. Não se pode perder de vista a origem comum do sinal que só se tornou marca contra sua própria natureza. Sua debilidade inata estará sempre latente. É preciso equilibrar adequadamente os interesses conflitantes daquele que faz jus à proteção marcária e dos demais indivíduos que não podem ficar privados do uso de um signo necessário, comum ou vulgar. As formas de expressão do povo são um patrimônio público (art. 216, I, da Constituição Federal de 1988), cujo uso semântico não pode ser cerceado". (A distintividade das marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância. São Paulo: Saraiva, 2013, edição eletrônica).

Assim, ainda que a marca tenha adquirido distintividade suficiente para ser registrada, está sujeita a conviver com outras que se utilizam dos mesmos termos comuns, assim como com o uso do signo na linguagem corrente, justamente porque inapropriáveis - é o que se denomina de exclusividade mitigada.

A propósito:

"COMERCIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA EVOCATIVA. REGISTRO NO INPI. EXCLUSIVIDADE. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1.                           Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, admitindo-se a sua utilização por terceiros de boa-fé.

2.                           O monopólio de um nome ou sinal genérico em benefício de um comerciante implicaria uma exclusividade inadmissível, a favorecer a detenção e o exercício do comércio de forma única, com prejuízo não apenas à concorrência empresarial - impedindo os demais industriais do ramo de divulgarem a fabricação de produtos semelhantes através de expressões de conhecimento comum, obrigando-os à busca de nomes alternativos estranhos ao domínio público - mas sobretudo ao mercado em geral, que teria dificuldades para identificar produtos similares aos do detentor da marca.

3.                           A linha que divide as marcas genéricas - não sujeitas a registro - das evocativas é extremamente tênue, por vezes imperceptível, fruto da própria evolução ou desenvolvimento do produto ou serviço no mercado. Há expressões que, não obstante estejam diretamente associadas a um produto ou serviço, de início não estabelecem com este uma relação de identidade tão próxima ao ponto de serem empregadas pelo mercado consumidor como sinônimas. Com o transcorrer do tempo, porém, à medida em que se difunde no mercado, o produto ou serviço pode vir a estabelecer forte relação com a expressão, que passa a ser de uso comum, ocasionando sensível redução do seu caráter distintivo. Nesses casos, expressões que, a rigor, não deveriam ser admitidas como marca por força do óbice contido no art. 124, VI, da LPI, acabam sendo registradas pelo INPI, ficando sujeitas a terem sua exclusividade mitigada.

4.                           Recurso especial a que se nega provimento."

(REsp 1.315.621/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/6/2013, DJe 13/6/2013)

Nessa situação, a diferenciação entre as marcas é possível porque o termo em sentido comum é utilizado em conjunto com outros elementos identificadores.

Confira-se:

"PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCA REGISTRADA "BANKNOTE" - DENOMINAÇÃO GENÉRICA DE PRODUTO. DESNECESSIDADE DE ANULAÇÃO DO REGISTRO.

I                              - A marca registrada junto ao INPI de cunho genérico, estreitamente ligada ao produto, torna possível o uso por empresas do mesmo ramo de atividades, desde que no sentido comum e em conjunto com outros elementos identificadores, não havendo que se falar em exclusividade e anulação de registro por via própria.

II                            - Recurso especial da ré conhecido e provido."

(REsp 128.136/RJ, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/8/2000, DJ 09/10/2000)

No caso da American Airlines a proteção concedida foi ao conjunto marcário.

Assim, o confronto deve se dar sob essa perspectiva.

A marca da recorrida, América Air, traz uma palavra diferente em sua composição, "air", que significa ar, e não companhia aérea (airlines). Apesar disso, não há como negar que o conjunto marcário não apresenta relevantes diferenças (sentença - fl. 1.548, e-STJ).

De todo modo, apesar da semelhança entre os termos, a conclusão da Corte local foi no sentido de que há diferença entre os serviços prestados e o porte das empresas, inexistindo possibilidade de confusão, o que autoriza a convivência dos signos:

"(...)

Ademais, no presente caso, trata-se de linhas aéreas com foco em atividades do ramo de transportes aéreos, mas em âmbitos muito diversos. Ou seja, é perfeitamente possível a distinção do tipo de serviço prestado especificamente por cada uma das empresas: uma atual no âmbito de táxi aéreo e a outra no transporte regular de passageiros" (fl. 1.813, e-STJ).

Vale acrescentar o seguinte trecho do voto-vista que acompanhou o vencedor da apelação:

"(...)

Ademais, a América Air Taxi Aéreo Ltda. é uma empresa regional, de pequeno porte, e que nem de longe é possível existir qualquer confusão com a gigante American Airlines" (fl. 1.832, e-STJ).

É oportuno mencionar, no ponto, que a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que a proteção à marca (assim como ao nome comercial) tem como real objetivo, do ponto de vista do titular, coibir a ocorrência de prejuízo resultante da competição ou concorrência, evitando que o trabalho de um empresário seja apropriado por outro. Além disso, busca proteger o consumidor, de modo que sua escolha seja livre.

Daí a necessidade de se verificar, no juízo de arguição de nulidade, a existência de potencial confusão ou associação entre as marcas, o que se caracteriza quando existe incerteza acerca da origem dos produtos e serviços.

Partindo dessa premissa, o primeiro passo para se investigar a existência de confusão ou associação indevida é verificar se existe um único mercado real, pertinente, em que ambas as marcas atuam.


A Corte de origem, como referido, concluiu que não existe um espaço de concorrência entre as marcas, pois as sociedades empresárias têm portes diferentes e os serviços prestados são diversos. Nessa parte, o voto da Relatora não conheceu do recurso especial por entender incidir a Súmula nº 7/STJ, conclusão com a qual peço licença para divergir.

No caso dos autos, as marcas foram registradas na mesma classe (38:20-30), relativa a "38 - serviços de comunicação, publicidade, propaganda, transporte, armazenagem, embalagem, hotelaria e alimentação em geral, 20 - serviços de transporte de carga, armazenagem e embalagem de mercadoria em geral, 30 - serviços de transporte de passageiros, viagem e turismo" (fl. 1.811, e-STJ), obtendo a marca recorrida, ainda, registro na subclasse 40, que trata de serviços auxiliares do transporte em geral e da armazenagem.

Além disso, a despeito de a recorrida prestar serviços de táxi aéreo, ambas atuam no transporte aéreo de passageiros, o que demonstra a existência de um espaço de mercado comum. Além disso, o fato de uma companhia ser de pequeno porte, com voos regionais, enquanto a outra opera em voos internacionais, com aeronaves maiores, conquanto possa afastar a possibilidade de confusão direta, como acentuou o acórdão, pode ensejar associação indevida, sob a suposição de que a empresa maior setorizou seus serviços, conforme destaca a sentença:

"(...)

Ora, o fato de oferecerem as empresas, tanto da autora com a da ré, serviços de transporte aéreo com destinos diversos não impede a possibilidade de confusão por parte dos consumidores.

Com efeito, os consumidores que contratam serviços de táxi aéreo dentro do território nacional a um custo elevado são os mesmos que possuem condições financeiras para realizar vôos internacionais oferecidos pela Autora, o que induziria o consumidor contratar os serviços de táxi aéreo ou fretamento de aeronaves oferecidos pela empresa ré na confiança de ser ela pertencente à empresa autora" (fl. 1.548, e-STJ).

Nesse cenário, conclui-se que há um espaço concorrencial em que as sociedades empresárias atuam, motivo pelo qual é necessário identificar de forma mais precisa se a semelhança entre os signos é realmente suscetível de causar confusão ao consumidor. Na tentativa de alcançar objetividade na análise, a doutrina sugere algumas verificações:

(a)                                                                                                      se existe semelhança entre os conjuntos marcários, especialmente dos elementos mais expressivos (impressão de conjunto deixada pela marca);

(b)                                                                                                    se, dentre o público ao qual a marca é destinada, (b.1) qual o grau de


atenção do consumidor comum; (b.2) em que circunstâncias se adquire o produto; (b.3) qual a natureza e o meio em que o consumo é realizado;

(c)                                                                                                 se, na linguagem, (c.1) há semelhança ortográfica entre os signos, ou (c.2) semelhança fonética entre os signos, e

(d)                                                                                               se existe similitude figurativa.

No caso concreto, a resposta aos itens "a" e "c" é afirmativa, pois existe semelhança entre os elementos do conjunto marcário das sociedades empresárias, tanto proximidade ortográfica quanto fonética.

Porém, analisando as marcas no contexto de mercado em que estão inseridas, isto é, no meio em que o consumo é realizado, verifica-se que ali convivem diversos signos semelhantes, utilizando os termos "air", "airway" e "airlines", assim como nomes de países e continentes (United Airlines, Korean Air, Air Canada, China Eastern Airlines, Air China, Air Europa, Eva Air, Air France, Airasia X, Airasia, Asiana Airlines, Alaska Airlines, Aegean Airlines, Tui Airways, Fiji Airways). Observa-se que grande parte dessas empresas mantêm vôos para o Brasil.

A presença desses elementos comuns é capaz de desenvolver no consumidor uma atenção aos detalhes que diferenciam cada marca. A natureza do consumo é mais sensível, afastando a possibilidade de erro, não obstante a semelhança entre as marcas concorrentes.

Esse fenômeno é denominado na doutrina de teoria da distância, segundo a qual uma nova marca não precisa guardar distância desproporcional em relação ao grupo de marcas semelhantes já aceitas no mercado. Assim, a comparação se dá não somente entre as marcas em disputa, mas também quanto ao mercado pertinente.

Acerca da teoria da distância, veja-se a lição de Lélio Denicoli Schmidt:

"(...) Desenvolvida na Alemanha, a teoria da distância também se vale da ideia de marcas imersas em campos de proteção com magnetismo variado. Seu postulado consiste no princípio segundo o qual a análise de colidência entre duas marcas deve levar em consideração o maior ou menor grau de distintividade que elas possuem, quando comparadas com as demais marcas já existentes em seu segmento. A possibilidade ou não de confusão é estabelecida não só com base no nível de semelhança que as marcas tidas como semelhantes observam entre si, mas também na similariedade que têm com as demais marcas de seu ramo de atividade" (A distintividade das marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância. São Paulo: Saraiva, 2013, edição eletrônica).

Assim, considerando que: (i) as marcas dividem um mesmo espaço concorrencial;

(ii) os signos em confronto têm semelhança ortográfica e fonética; (iii) a marca da recorrente é formada por elementos descritivos; (iv) a marca American Airlines é fraca do ponto de vista da distintividade, conquanto tenha adquirido reconhecimento para ser registrada; (v) o mercado pertinente é integrado por diversas marcas que possuem elementos comuns, o que habilita os consumidores a diferenciar os signos pelos detalhes e (vi) a marca da recorrida emprega um termo diferenciador, "air" (ar), em contraposição a "airlines" (companhia aérea), é possível concluir que não há possibilidade de confusão nesse ambiente mercadológico, estando o consumidor apto a diferenciar os signos em confronto.

Desse modo, fica prejudicado o pedido de indenização por atos de concorrência desleal.

Ante o exposto, acompanho o bem lançado voto da Ministra Nancy Andrighi, ainda que por outros fundamentos, para negar provimento ao recurso especial.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2018/0049055-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.773.244 / RJ

Números Origem: 08000097620084025101 200851018000092

PAUTA: 02/04/2019 JULGADO: 02/04/2019

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

Secretário

Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : AMERICAN AIRLINES INC ADVOGADOS : CLÁUDIO BONATO FRUET - DF006624

RODRIGO SÉRGIO BONAN DE AGUIAR - RJ047111 LUIZ LEONARDOS - RJ009647

ALEXANDRE MULLER BUARQUE VIVEIROS - DF024080 CONSTANZA WOLTZENLOGEL - RJ102000

RECORRIDO : AMERICA AIR TAXI AEREO LTDA - ME ADVOGADOS : JOSÉ ROBERTO RUTKOSKI E OUTRO(S) - SP146114

SARAH DA SILVA CAVALCANTE E OUTRO(S) - SP316369 CLOVIS VERNIERI CARNEIRO - SP093690

RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e negou-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (voto-vista), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.