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Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível 0003816-49.2014.8.26.0244, Relator (a): Grava Brazil, julgado em 15 julho 2016

br037-jpt

 

Registro: 2016.0000494217

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0003816-49.2014.8.26.0244, da Comarca de Iguape, em que é apelante ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO – ECAD e apelada PREFEITURA MUNICIPAL DE IGUAPE.

 

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVÉRIO DA SILVA (Presidente sem voto), SALLES ROSSI E PEDRO DE ALCÂNTARA DA SILVA LEME FILHO.

 

São Paulo, 15 de julho de 2016.

 

Grava Brazil Relator
Assinatura Eletrônica

 

APELAÇÃO Nº: 0003816-49.2014.8.26.0244

 

APELANTE: ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO - ECAD
APELADA: PREFEITURA MUNICIPAL DE IGUAPE COMARCA: IGUAPE
JUIZ PROLATOR: JOSÉ MARQUES DE LACERDA

 

Direito do autor – Ação de cumprimento de preceito legal c/c cobrança de direitos autorais
– Improcedência – Inconformismo – Acolhimento – Direitos autorais que compreendem os direitos do compositor (autor da obra intelectual), bem como os direitos conexos do intérprete, dos músicos executantes e do produtor, aos quais se aplicam, no que couber, as mesmas proteções
– Autor que representa todos os titulares desses direitos – Necessidade de autorização prévia e de recolhimento de direitos autorais junto ao autor para a execução pública de obras musicais em evento comemorativo do aniversário do município réu, a despeito da existência de intuito lucrativo direito ou indireto
– Desnecessidade de prova de quais as obras musicais executadas no evento e dos respectivos autores, que não impactam no valor dos direitos autorais devidos, cuja fixação é de competência do autor, disciplinada em seu regulamento de arrecadação – Pagamento de cachê aos artistas intérpretes contratados para o evento que não elide o dever de pagamento de direitos autorais, ainda que aqueles sejam, também, compositores das obras musicais executadas – Inteligência da Lei n. 9.610/98 – Jurisprudência do C. STJ – Aplicabilidade, ao caso, do art. 105, da Lei n. 9.610/98 – Sentença reformada – Recurso provido.

 

VOTO Nº 25480

 

I - Trata-se de sentença que, em ação de cumprimento de preceito legal c/c cobrança de direitos autorais, julgou a demanda improcedente. Confira-se fls. 139/143.

 

Inconformado, apela o autor (fls. 145/162), sustentando, em resumo: (i) violação aos arts. 31 e 98, da Lei n. 9.610/98; e (ii) aplicação, ao caso, do art. 105, da Lei n. 9.610/98. Colalciona diversos julgados do C. STJ e deste E. Tribunal de Justiça em amparo às suas pretensões. Prequestiona os arts. 68, 97, 98, 99 e 105, da Lei n. 9.610/98.

 

O preparo foi recolhido (fls. 165/166), sendo o recurso recebido (fls. 168). Sem contrarrazões (fls. 170).

 

da sentença apelada.

 

É o relatório, adotado, quanto ao mais, o

 

II - Discute-se, no caso, a obrigação do apelado de pagar direitos autorais ao apelante para a execução pública de obras musicais em evento, promovido pela municipalidade sem intuito lucrativo direto ou indireto, em comemoração a seu aniversário de 476 anos, tendo em vista, em suma, a inexistência de prova de que teriam sido executadas obras musicais de autores outros que não os próprios artistas contratados para se apresentar no evento, cujo cachê já remuneraria, também, os direitos autorais.

 

Discute-se, também, determinação para que o apelado não mais realize a execução pública de obras musicais sem a prévia autorização do apelante.

 

A necessidade de autorização e recolhimento prévios de direitos autorais junto ao apelante para a execução pública de obras musicais, a despeito da existência de intuito lucrativo direto ou indireto, está expressamente prevista no art. 68, caput e §§ 1° a 4°, c/c art. 99, da Lei n. 9.610/98. Tal obrigação de pagamento de direitos autorais em nada infirma o direito dos munícipes à cultura.

 

O apelante é associação que, na qualidade de única entidade competente para a arrecadação e distribuição de direitos autorais no país, reúne todas as demais associações do setor, representativas dos titulares de direitos autorais e conexos, tendo legitimidade para representar todos os titulares a elas vinculados na defesa de seus interesses, inclusive para autorizar a execução pública de obras musicais e cobrar os direitos autorais respectivos (arts. 98, caput, e 99, caput e § 2°, da Lei n. 9.610/98).

 

Nos termos dos arts. 5°, XIII e XIV, e 89 a 95, da Lei n. 9.610/98, são titulares dos direitos autorais os compositores, e titulares de direitos conexos os intérpretes, os músicos executantes e o produtor fonográfico, além das empresas de radiodifusão, aos quais se aplicam, no que couber, as mesmas proteções conferidas ao autor (art. 89, da Lei n. 9.610/98). Os interesses de todos os titulares de direitos autorais e conexos são representados pelo apelante (art. 97, caput, c/c art. 99, caput, da Lei n. 9.610/98; no mesmo sentido, arts. 1° e 3°, do estatuto do apelante, fls. 35, p. 1, e Parte I, item, do regulamento de arrecadação do apelante, p. 749, fls. 39).

 

Não há, portanto, fundamento, à luz da disciplina legal da matéria, para sustentar que o pagamento de cachê aos artistas intérpretes que se apresentaram no evento dispensa a prévia autorização e o pagamento de direitos autorais ao apelante, na forma prevista e autorizada pela Lei n. 9.610/98, ainda que se trate do intérprete originário das obras musicais executadas e, até mesmo, de seu compositor (o que, embora alegado, não foi comprovado pelo apelado, como lhe cabia, ex vi do art. 333, II, do CPC/73).

 

Ademais, o apelado não trouxe aos autos prova de que o contrato celebrado com os artistas ou quem os represente e o pagamento efetuado a esse título contemplava, além da execução de interpretação ao vivo no evento, direitos autorais, ainda que apenas em relação a eles próprios, relativos à composição das obras executadas, de modo que, à luz da sistemática legal, tal presunção é descabida e infundada.

 

Desnecessária, ainda, a comprovação de quais obras musicais específicas teriam sido executadas no evento, eis que a cobrança dos direitos autorais não é feita por obra musical executada (cf. fls. 43v/51), bastando, para que sejam devidos, a execução pública de obras musicais no evento realizado pelo apelado, a qual, além de comprovada (fls. 55/60), é incontroversa (fls. 128).

 

Nesse ínterim, convém destacar que cabe ao próprio apelante, na condição de representante dos titulares dos direitos autorais e conexos acima referidos, definir os respectivos valores, a serem recolhidos, a título de remuneração, por aquele que deseja realizar a execução pública da obra musical (o que está disciplinado em seu regulamento de arrecadação, cf. fls. 43v/50, e refletido no documento de fls. 51).

 

Nesta senda, a jurisprudência do C. STJ é pacífica no sentido de que (i) a execução das obras musicais pelos intérpretes originais, ainda que sejam os próprios compositores, não afasta a obrigação de pagamento de direitos autorais ao apelante, e (ii) é desnecessária a prova de quais obras musicais específicas foram executadas durante o evento, à luz da sistemática prevista na Lei n. 9.610/98, inclusive sob pena de inviabilizar a cobrança dos valores devidos, cuja competência para fixação pertence ao apelante. Confira-se:

 

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. ESPETÁCULO AO VIVO. COMPOSITOR DA OBRA MUSICAL COMO INTÉRPRETE DA CANÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA DOS DIREITOS AUTORAIS PELO ECAD. POSSIBILIDADE.
1. Inexiste violação ao art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - Ecad detém a gestão coletiva dos direitos autorais, com atribuição de arrecadar e distribuir os royalties relativos à execução pública das obras musicais (ADIn n. 2.054-4).
3. No tocante especificamente às obras musicais, os direitos autorais englobam tanto os autores, compositores, como os direitos conexos atribuídos aos artistas intérpretes, às empresas de radiodifusão e às produtoras fonográficas (conforme arts. 5°, XIII, 11, 14 e 89 da Lei 9.610/1998).
4. O Superior Tribunal de Justiça entende ser "cabível o pagamento de direitos autorais em espetáculos realizados ao vivo, independentemente do cachê recebido pelos artistas, ainda que os intérpretes sejam os próprios autores da obra" (REsp 1207447/RS, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 29/06/2012). É que o conteúdo econômico da obra musical pode advir de sua criação artística como compositor ou como intérprete - direito conexo na execução da obra musical.
5. O fato gerador da ação de cobrança proposta pelo Ecad teve como conteúdo patrimonial os direitos de autor - proteção da relação jurídica pelo trabalho intelectual na composição da obra musical - e não arrecadar a prestação pecuniária decorrente de sua execução musical, que é fato gerador advindo da interpretação do artista no espetáculo. Assim, independentemente do cachê recebido pelos artistas em contraprestação ao espetáculo realizado (direito conexo), é devido parcela pecuniária pela composição da obra musical (direito de autor). 6. O autor pode cobrar sponte sua os seus direitos autorais, bem como doar ou autorizar o uso gratuito, dispondo de sua obra da forma como lhe aprouver, desde que, antes, comunique à associação de sua decisão, sob pena de não afastar a atribuição da gestão coletiva do órgão arrecadador. 7. Recurso especial provido."1

 

"Direitos autorais. Legitimidade do ECAD para fixar os valores. Desnecessidade de indicação das músicas e dos autores. 1. Já assentou a Corte não ser "necessário que seja feita identificação das músicas e dos respectivos autores para a cobrança dos direitos autorais devidos, sob pena de ser inviabilizado o sistema causando evidente prejuízo aos titulares" (REsp nº 526.540/RS, de minha relatoria, DJ de 9/12/03; REsp nº 255.387/SP, de minha relatoria, DJ de 4/12/2000). De igual forma, os valores cobrados são aqueles fixados pela própria entidade (REsp nº 151.181/GO, de minha relatoria, DJ de 19/4/99). 2. Recurso especial conhecido e provido."2

 

Embora possa ser questionável o sistema de controle, recolhimento e distribuição de direitos autorais que tem no apelante sua figura central, fato é que tal sistema está amparado na Lei n. 9.610/98. Desse modo, cabe observá-lo e, ao julgador, zelar por seu regular funcionamento.

 

Em vista do exposto, são devidos os valores cobrados pelo apelante ao apelado a título de direitos autorais referentes ao evento realizado.

 

Adicionalmente, comprovada, nos autos, a realização de evento pelo apelado no qual houve execução pública de obras musicais sem que tenha sido obtida prévia autorização e recolhidos os direitos autorais pertinentes junto ao apelante, cabível, à luz do art. 105, da Lei n. 9.610/98, a condenação do apelado em obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar obras musicais, líteromusicais e fonogramas nos eventos que realize, sem que para tanto tenha obtido a necessária autorização prévia junto ao apelante. Nesse sentido também já decidiu o C. STJ3.

 

Concluindo, pelos fundamentos acima expostos, reforma-se a sentença para, julgando procedente a demanda: (i) condenar o apelado em obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar obras musicais, líteromusicais e fonogramas nos eventos que realize, sem que para tanto tenha obtido a necessária autorização prévia junto ao apelante; (ii) condenar o apelado ao pagamento dos valores devidos e não pagos a título de direitos autorais pelo evento realizado, no montante de R$ 46.085,20, a ser acrescido de correção monetária a contar do ajuizamento e de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (art. 405, do CC); e (iii) condenar o apelado ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, no montante de 10% sobre o valor da condenação atualizado, nos termos do art. 20, § 3°, do CPC.

 

recurso. É o voto.

 

III - Ante o exposto, dá-se provimento ao

 

DES. GRAVA BRAZIL - Relator

 


1 REsp 1114817/MG, 4a T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 03.12.2013, DJe de 17.12.2013. No mesmo sentido: REsp 1219273/RJ, STJ, 3a T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 24.04.2014, DJe de 08.05.2014; REsp 1238730/SC, STJ, 4a T., Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 19.11.2013, DJe de 17.12.2013; REsp 812763/RS, 4a T., Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 19.11.2013, DJe de 20.03.2014; REsp 1207447/RS, STJ, 3a T., Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 12.06.2012, DJe de 29.06.2012; dentre outros.

2 REsp 623687/RS, STJ, 3a T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 07.06.2005, DJe de 22.08.2005. No mesmo sentido: REsp 439881/RJ, STJ, 4a T., Rel. Min. César Asfor Rocha, j. em 05.06.2007, DJe de 12.11.2007; REsp 612615/MG, STJ, 3a T., Rel. Para acórdão Min. Castro Filho, j. em 20.06.2006, DJe de 07.08.2006; dentre outros.

3 REsp 936893/RN, STJ, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva, j. em 07.02.2012, DJe 13.02.2012.