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TJSP; Apelação Cível 1003161-65.2018.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 27/08/2018; Data de Registro: 28/08/2018

Registro: 2018.0000657928

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1003161-65.2018.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante IDEALFARMA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA., é apelado H. LUNDBECK A/S.

ACORDAM, em 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U. Compareceu para sustentação oral o Dr.Felipe Valente Mesquita.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAURÍCIO PESSOA (Presidente), CLAUDIO GODOY E GRAVA BRAZIL.

São Paulo, 27 de agosto de 2018.

MAURÍCIO PESSOA

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Voto nº 11807

Apelação nº 1003161-65.2018.8.26.0100

Apelante: Idealfarma Indústria e Comércio de Produtos Farmacêuticos Ltda. Apelado: H. Lundbeck A/S

Comarca: São Paulo

Juiz(a): Luís Felipe Ferrari Bedendi

Ação pelo procedimento comum com pedido de antecipação de tutela – Patente de invenção – Composto químico “vortioxetina”, utilizado na composição de antidepressivos – Autora titular de fórmula química a qual é a base do composto “vortioxetina” – Confissão da ré quanto à fabricação e comercialização do composto patenteado pela autora – Não inclusão na exceção prevista no artigo 43, III, da Lei de Propriedade Industrial – Danos materiais e morais – Ocorrência – Honorários de advogado mantidos – Sentença mantida – Recurso desprovido

 

Em “ação pelo procedimento comum com pedido de tutela provisória de urgência 'inaudita altera parte'” (composto químico “vortioxetina”, utilizado na composição de antidepressivos) ajuizada por H. Lundbeck A/S em face de Idealfarma Indústria e Comércio de Produtos Farmacêuticos Ltda., a r. sentença, de relatório adotado, julgou procedentes os pedidos para condenar a ré: (i) à abstenção do uso, produção, exportação, colocação/oferecimento à venda, importação, mantimento em estoque, divulgação, ocultação ou recebimento, com fins econômicos, da vortioxetina, em forma livre ou de bromidrato de vortioxetina; (ii) ao pagamento de danos morais a título de lucros cessantes, a serem arbitrados em liquidação de sentença;

(iii)                ao pagamento do montante de R$ 10.000,00, a título de danos morais, sobre os quais deverão ser acrescidos correção monetária pelos índices da Tabela Prática do TJSP, a partir da publicação da sentença, e juros moratórios de 1% ao mês, a contar da data do fato (apreensão); e

(iv)                ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios sobre o valor atualizado da causa, por ser ilíquido o valor da condenação (fls. 313/321).

Recorre a corré a sustentar, em síntese, que é empresa distribuidora de insumos e matérias-primas farmacêuticas, com atuação em todo o território nacional, atendendo especificamente as farmácias de manipulação para a preparação de medicamentos magistrais (manipulados), sendo suas fórmulas elaboradas de acordo com as prescrições médicas e, por ocasião do uso, atendendo às necessidades individuais de cada paciente; que não se enquadra como farmácia de manipulação, visto que atua como importadora e distribuidora de insumos farmacêuticos para o mercado magistral, que, por sua vez, não é atendido pela autora; que os casos individuais são atendidos pelas farmácias magistrais, através de prescrição médica fornecida por médico habilitado; que suprimir a possibilidade de fracionamento e de comercialização de qualquer produtos às farmácias magistrais é ignorar a exceção prevista no art. 43, III, da Lei de Propriedade Industrial; que a propriedade industrial possui finalidade que transcende o interesse de seu titular, observando o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país; que o objetivo da autora é dominar o mercado, limitar e prejudicar a livre concorrência e exercer de forma abusiva posição dominante; que a exceção prevista no art. 43, III, da LPI, permite acesso às drogas patenteadas, priorizando o acesso à saúde, conferindo ao consumidor o direito de escolher e optar por medicamentos manipulados, sem que isso ocasione a quebra de direito e produção em larga escala da detentora da patente; que não está praticando qualquer ato criminoso ou ilegal, vez que está agindo em exercício regular de seu direito; que não restou caracterizada a prática de concorrência desleal com a contrafação, tendo em vista que a ré nunca comercializou no mercado o produto da autora, não estando comprovada qualquer ofensa à sua imagem, identidade ou credibilidade; que nunca utilizou a marca da autora. Requer a reforma da sentença e, subsidiariamente, a redução dos danos morais e dos honorários sucumbenciais.

 

Recurso preparado (fls. 339/340) e respondido (fls. 344/360).

 

Oposição ao julgamento virtual (fls. 375).

É o relatório.

 

Sumariada a controvérsia e à vista de todo o processado, o recurso não prospera.

Narra a petição inicial que a apelada é titular da patente BR 1220120231207, concedida pelo INPI com prazo de vigência até 21/03/2027, sobre o composto “vortioxetina”, e da patente PI0212733-4, que cobre uma composição farmacêutica que compreende este composto, com prazo de vigência até 13/05/2024; que a vortioxetina é uma inovadora substância desenvolvida pela apelada para ser empregada no tratamento de distúrbios psiquiátricos, tais como depressão e ansiedade; que a Lundbeck Brasil Ltda. é a única autorizada a explorar este invento; que a apelante está importando, colocando à venda e vendendo o composto vortioxetina para ser usado na fabricação de composições farmacêuticas; que os atos praticados pela Idealfarma não estão abarcados pela exceção legal do art. 43, III, da LPI; que os atos de importação e comercialização que vêm sendo praticados pela apelante representam flagrante violação dos direitos de propriedade industrial da apelada; que a patente confere ao seu titular, até o fim do prazo de vigência, o direito de impedir terceiros de, sem o seu consentimento, praticar atos que impliquem a exploração do invento patenteado; que o direito de propriedade da apelada cobre tanto o composto vortioxetina na forma livre ou de bromidrato de vortioxetina como uma composição farmacêutica formulada com vortioxetina (ou bromidrato de vortioxetina); que o objeto das patentes não pode ser produzido, utilizado, colocado à venda, vendido, importado, exportado, mantido em estoque ou recebido por terceiros durante o prazo de vigência das patentes, sem a expressa autorização da apelada, sob pena de infringir o seu direito constitucional à propriedade industrial; que a exceção do art. 43, III, da LPI, abarca apenas processos de preparação de medicamento e medicamentos que, não obstante sejam objetos de patentes, poderão ser explorados por terceiros apenas em casos individuais nos quais haja uma razão médica (comprovada por prescrição) recomendando a manipulação do produto por profissional habilitado; que tal dispositivo legal não se aplica ao composto que é objeto da patente (o qual nunca poderá ser explorado por terceiros sem o consentimento do titular), a casos gerais e a distribuidores de princípio ativo, tais como a Idealfarma; que o dano causado à apelada é in re ipsa. Requereu liminarmente fosse a apelante compelida a se abster imediatamente de praticar futuros atos de infração das patentes BR122012023120-7 e PI0212733-4, sob pena de multa de R$ 30.000,00 por cada grama de composto importado/vendido, ou outro valor capaz de coibir a prática de infração, e a confirmação da tutela provisória de urgência, com o julgamento de procedência do pedido, para condenar a apelante a se obstar imediatamente de praticar futuros atos de infração das patentes BR122012023120-7 e PI0212733-4; condenar a apelante a pagar indenização integral pelos danos materiais causados pela prática de infração, incluindo os lucros cessantes, em montante a ser apurado em liquidação de sentença, e pelos danos morais causados.


O pedido liminar foi deferido (fls. 210/214).

A contestação foi apresentada, basicamente, com alegações de distinção entre a atividade da apelante e da apelada; inexistência de contrafação das patentes; de previsão legal da exceção do artigo 43, III, da Lei 9.279/96; de que o mercado magistral (farmácias de manipulação) não é atendido pela apelada; de que a apelante, com o desenvolvimento de sua atividade, não está ferindo direito ou praticando qualquer ato ilícito contra a apelada; e de que inexistem danos materiais e morais indenizáveis (fls. 224/249).

Pois bem!

Dispõe o artigo 42 da Lei de Propriedade Industrial que: “A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:

I               - produto objeto de patente;

II             - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.”

O artigo 43 da mesma lei, por sua vez, dispõe que: “O disposto no artigo anterior não se aplica:

 

(...)

III           - à preparação de medicamento de acordo com prescrição médica para casos individuais, executada por profissional habilitado, bem como ao medicamento assim preparado;”.

No caso em análise, é incontroverso que houve a confissão da apelante no sentido de que fabrica e comercializa vortioxetina a terceiros.

A apelante é importadora e distribuidora de insumos e matérias-primas farmacêuticas, e não farmácia magistral, não podendo, portanto, ser enquadrada na exceção contida no artigo 43, III, da Lei nº 9.279/1996.

Ora, conforme bem salientado na r. sentença recorrida, “Do texto do inciso e do seu cotejamento com a finalidade das exceções dispostas no artigo extrai-se: (1) a preparação do medicamento é condicionado à prescrição médica, (2) ela deve ser limitada a casos individuais, (3) a preparação deve ser feita por um profissional habilitado.

Ou seja, uma pessoa não autorizada não pode, de uma vez, preparar uma grande quantidade de um medicamento patenteado para obter uma grande quantidade de medicamento, visto que a própria preparação está condicionada à necessidade específica de cada pessoa estar na posse de uma receita médica.

Tal determinação exclui a possibilidade de fabricação, sem autorização do titular, em larga escala, ainda que a comercialização final seja condicionada à apresentação de uma receita médica, uma vez que é a preparação, e não a comercialização que deve estar condicionada à apresentação de receita médica.

E, no caso concreto, apesar de a ré defender sua qualidade de farmácia de manipulação, sequer apresentou uma prescrição médica individualizada acerca da necessidade de produção do medicamento.

A parte autora, por sua vez, apresentou diversas notas fiscais (fls. 196/202) que demonstram a venda em larga escala da ré a outras empresas jurídicas, demonstrando a completa ausência dos requisitos do art. 43, III, da Lei de Propriedade Industrial, bem como o claro intuito de explorar comercialmente substância protegida por patente, razão pela qual o feito deve ser julgado procedente” (fls. 315).

Quanto à responsabilidade civil, não há como se afastar as condenações por danos materiais e por danos morais.

Dispõe o artigo 210 da Lei de Propriedade Industrial que: “Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.”

A liquidação do “quantum” indenizatório e destinado à reparação do dano material deverá ser realizada por arbitramento, conforme determinado.

Esse tem sido o entendimento e o critério desta Câmara Especializada, conforme se verifica, por exemplo, do seguinte julgado:

“Propriedade industrial. Comercialização indevida de produtos com a marca e o desenho industrial registrados pelas autoras. Direito de exclusividade de utilização. Ilícito demonstrado. Dano material presumido e cuja indenização se deve apurar em liquidação. Dano moral. Sentença revista. Recurso provido.” (Apelação Cível nº 0005860-10.2014.8.26.0028, Rel. Des. Claudio Godoy, j. em 27/03/2018);

Aqui, a conduta desautorizada da apelante caracteriza, por conseguinte, abusividade.

Diante disso, não se pode afastar o pedido de indenização por dano moral.

É patente a responsabilidade da apelante pelo abalo à honra subjetiva da apelada, pessoa jurídica, em razão da violação ao seu direito de personalidade.

O dano moral, aqui, é presumido e dispensa comprovação, cuidando-se de dano in re ipsa, uma vez que os efeitos danosos são conhecidos.

Este Tribunal de Justiça em particular as Câmaras Especializadas de Direito Empresarial tem se manifestado nesse sentido em casos análogos, conforme se verifica, por exemplo, do

seguinte julgado:

“Apelação. Modelo de utilidade. Ação cominatória cumulada com pedido de indenização por danos materiais e morais. Preliminar. Nulidade por cerceamento de defesa. Inocorrência. Desnecessidade de intimação do perito judicial para apresentar esclarecimentos ou de qualquer outra prova. Mérito. Utilização indevida do modelo de utilidade desenvolvido pelo autor. Biodigestor de dejetos suínos. Ação de nulidade de patente julgada improcedente pelo TRF da 2ª Região. Validade da patente concedida que não pode ser questionada. Comparação com patentes estrangeiras que se mostra inócua. Prova pericial que constatou a reprodução parcial do modelo de utilidade nas granjas de propriedade da ré. Danos materiais configurados. Apuração que deve ser realizada em fase de liquidação. Art. 44, §3º, da Lei n. 9.279/96. Danos morais devidos. Prejuízos suportados pelo titular da patente que são presumidos e decorrem da própria violação da patente validamente concedida pelo INPI. Valor indenizatório arbitrado em R$ 150.000,00. Recurso provido” (Apelação Cível nº 1080106-69.2013.8.26.0100; Rel. Des. Hamid Bdine; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; j. em 20/06/2018);

É sabido que o valor da indenização por danos morais deve ser fixado em montante suficiente para impedir o seu causador de reiterar na sua prática, porém, em quantia que não gere na vítima o enriquecimento indevido, vedado que é no ordenamento jurídico.

Assim, observados os princípios da proporcionalidade e moderação, a indenização fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais) se mostra adequada à natureza da causa.

Por todo o exposto, a procedência dos pedidos iniciais era e é de rigor.

Por fim, os honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor atualizado da causa, por ser ilíquido o valor da condenação, não comportam redução, haja vista estarem em consonância com o regramento jurídico (CPC, art. 85, §2º).

Eis porque, não há como e nem tampouco porque reformar-se a r. sentença recorrida que se mantém por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.

MAURÍCIO PESSOA
Relator