Registro:
2020.0000846985
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos
estes autos do Apelação Cível nº 1017267-63.2017.8.26.0004, da Comarca de São
Paulo, em que é apelante STEIL COMÉRCIO DE ELETRÔNICOS LTDA. - ME, é apelado
SIRI COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA.
ACORDAM, em 1ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U. Sustentaram oralmente os
Drs. Wiliam Patricio e Marcelo Castelo Ferraresi.", de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação
dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (Presidente sem voto), ALEXANDRE
LAZZARINI E AZUMA NISHI.
São Paulo, 14 de outubro de 2020
CESAR
CIAMPOLINI RELATOR
Assinatura
Eletrônica
1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial Apelação nº 1017267-63.2017.8.26.0004
Comarca:
São Paulo 1ª Vara Empresarial e de Conflitos relacionados à Arbitragem
MM. Juiz de Direito Dr. Rogério
Murillo Pereira Cimino
Apelante:
Steil Comércio de Eletrônicos Ltda. ME Apelados: Siri Comércio e Serviços Ltda.
VOTO
Nº 21.535
Ação cominatória, cumulada com pedido
de índole condenatória por danos materiais, proposta pela titular da marca
registrada “Rcell” contra empresa que a utiliza sem autorização. Sentença de
procedência, afastada preliminar de mérito (prescrição). Apelação da ré.
Coincidência de abrangência
territorial, que, em tempos de Internet, deve ser vista de modo menos
restritivo. Potencialização, dada a utilização universalizada de buscas via
mecanismos como por exemplo o do Google, da possibilidade de consulta
simultânea de produtos pelo universo de compradores. Deste modo, o fato de a ré
estar estabelecida a mais de 500 quilômetros da autora é menos relevante, não
impedindo a concorrência desleal.
Especificidade: atuação no mesmo
ramo de atividade, “lato” e “stricto sensu”, de venda de celulares e aparelhos
de telefonia em geral.
Registro da marca “Rcell” no
INPI, detido pela autora. Propriedade industrial (doutrina de DENIS BORGES
BARBOSA). Uma vez concedida a marca pelo INPI, “há que se fixar como premissa a
validade de tal concessão” (STJ, REsp 1.741.348, NANCY ANDRIGHI).
Condenação da ré a abster-se do
uso da marca, bem como a pagar indenização pelos prejuízos sofridos pelas
autoras, conforme se apurar em liquidação de sentença. Prejuízo causado que
prescinde de comprovação, estando “in re ipsa” em casos de violação de
propriedade intelectual, posto que derivado
“da natureza da conduta perpetrada” (STJ, REsp 1.677.787, NANCY ANDRIGHI).
Sentença mantida, também na
forma do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça. Apelação
desprovida.
RELATÓRIO.
Cuida-se de julgar apelação
contra sentença (fls. 314/318) que julgou procedente ação cominatória em tema
de direito marcário, cumulada com pedido de índole condenatória, que ostenta o
seguinte relatório:
“SIRI COMÉRCIO E
SERVIÇOS LTDA. (RCELL) ajuizou apresente 'Ação Inibitória Cumulada com Indenização
por Perdas e Danos' em face de STEIL COMÉRCIO DE ELETRÔNICOS LTDA. ME.
Alega, a
requerente, que a parte ré tem se apropriado indevidamente de sua marca
registrada (RCELL) para captação de clientela no mesmo segmento de mercado em
que atua, qual seja, o de telefonia. Diante da prática de concorrência desleal
e violação de sua propriedade industrial (da autora), pleiteia a procedência da
demanda para determinar que a requerida se abstenha de utilizar a marca em
comento, bem como para seja condenada a indenizar os danos materiais causados.
Devidamente
citada, a parte contrária apresentou contestação. Preliminarmente, aduziu
incompetência deste Juízo para julgamento da demanda e prescrição da pretensão
autoral. No mérito, afirma que as empresas promovem a venda de seus produtos de
modo distinto e miram público diverso. Que a autora adotou nome comum para sua
marca nominativa, devendo se interpretar a colidência desta com o nome fantasia
da ré de forma a observar a possibilidade de convívio. Por tais razões, não
haveria confusão ao consumidor, violação do direito marcário da autora ou
prática de concorrência desleal. Pleiteia, assim, a total improcedência do
pedido inicial.
Houve réplica às
fls. 250/252.
A decisão de
fls. 253/254 acolheu a preliminar de incompetência, reformada pelo v. Aresto de
fls. 300/313.” (fls. 314/315).
A preliminar de
mérito foi rejeitada pelos seguintes fundamentos:
“Na hipótese dos
autos, que trata de dano - razão pela qual, inclusive, justificou-se a competência
deste Juízo para julgamento do feito, o prazo prescricional passa a correr da
data da ciência, pela vítima, do injusto causado. Trata-se de aplicação da
Teoria actio nata, onde a pretensão
nasce somente a partir do inequívoco conhecimento do dano causado.
A data de
constituição da ré é indiferente para que se analise o prazo prescricional do
direito da autora, porque não decorre da lei que tal registro torne presumível
sua existência a quaisquer terceiros. Portanto, competia, à requerida,
demonstrar o fato impeditivo do direito da requerente (artigo 373, inciso II,
do Código deProcesso Civil), o que não ocorreu nos autos.
Afasta-se,
assim, a preliminar de prescrição.” (fl.
315).
No mérito
propriamente dito, o pedido cominatório foi julgada procedente:
“No mérito, é
hipótese de procedência da ação.
O artigo 129,
caput, da Lei de Propriedade Industrial, dispõe que 'a propriedade da marca
adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta
Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território
nacional (...)'.
O documento
juntado às fls. 66/67 denota que o registro da marca nominativa 'R CELL' foi
concedido à autora, sendo que, dentre as especificações, encontra-se àquele
atinente a celular, comunicações por telefone, telecomunicações e serviços de
telefonia.
A ré, por sua
vez, confessa ser empresa que comercializa produtos de telefonia para o
mercado, inclusive sob a denominação de 'R CELL'. Os documentos de fls. 71/73
comprovam a utilização do elemento nominativo.
Ora, é a exata
hipótese de subsunção do caso à norma supramencionada.
Cumpre observar
que o nome empresarial da ré não é 'R CELL', mas sim o seu nome fantasia que,
com o que consta dos autos, não se sabe a partir de quando fora utilizado, ônus
este que também competia à parte (fato impeditivo do direito do autor), ficando
prejudicada a eventual aplicação do princípio da anterioridade para a justa
mitigação do direito da autora.
Tendo em vista
que a proteção da marca é para todo território nacional e que a ré não
demonstrou utilizar-se do nominativo 'R CELL' como nome fantasia antes do
depósito da propriedade pela requerente, é desnecessário, até porque não
decorre da lei, que a autora tenha alguma filial no local onde está localizada
a loja da demandada...
O fato de outras
empresas utilizarem-se da nomenclatura 'RCELL' é indiferente, igualmente, para
a lide havida entre as partes nesses autos. A violação ou não de direitos por
terceiros não autoriza a violação aqui apurada.” (fls. 316/317).
O pedido de indole
indenizatória, igualmente
foi julgado procedente:
“Porque presente
o ilícito civil (violação da propriedade industrial), surge o dever de
indenizar, que para a hipótese dos autos se dá, por razoabilidade, através do
artigo 210, inciso III, da Lei n.o 9.279/96, a ser apurado em sede de
liquidação de sentença.
Isso porque,
embora o caput confira ao prejudicado
a aplicação do critério mais favorável, não se pode afirmar ao certo que
consumidores locais tenham deixado de comprar da autora para comprar da ré, até
por não há loja da requerente no local.
Por fim, quanto
ao pedido de condenação da requerida em informar aos consumidores da região que
a autora 'R CELL' não possui relação com aquela, não vislumbro necessidade.
As alegações de
que a requerida se passou como se a autora fosse, ou como representante
daquela, não restaram devidamente demonstradas nos autos, sendo injustificada
sua condenação neste sentido.”(fl.317).
Eis o dispositivo
sentencial:
“Ante o exposto,
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE
o pedido
formulado na inicial para determinar que a ré se abstenha, em definitivo, de
utilizar-se do nominativo "R CELL" em lojas físicas, internet, redes
sociais etc., sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) por
descumprimento, a contar da inequívoca intimação desta. CONDENO a requerida,
igualmente, ao pagamento de danos materiais, a serem apurados em sede de
liquidação de sentença, utilizando-se para tanto o critério do artigo 210,
inciso III, da Lei de Propriedade Industrial, atualizado do ajuizamento da ação
através da Tabela Prática do TJSP e acrescido de juros de mora de 1% a contar
da citação, julgando extinto o feito, com resolução do mérito, nos termos do
artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Porque
sucumbente na quase totalidade, arcará, a ré, com as custas, despesas
processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor total da
condenação.” (fls. 317/318)
Embargos de
declaração da parte sucumbente, a autora (fls. 321/324), foram acolhidos para
esclarecimento acerca do valor das custas de apelação (fl. 325).
Apela a autora, fls. 328/357.
Apoda de nula a sentença, por
cerceamento de defesa. Quando assim não se decidir, reiterando o que disse em
contestação, que se julgue a ação improcedente in totum, ou ao menos que
se pronuncie prescrição do pedido indenizatório.
Certificada à fl. 365 a falta de
contrarazões.
Feito incluido anteriormente em
mesa de julgamento virtual, nela julgado (fls. 371/391).
Posteriormente, mercê do
recebimento de declaratórios da apelante (fls. 394/391), o julgamento foi
anulado (fl. 400/402), posto que olvidada por este relator a petição de fls.
370, pela qual a apelante havia manistado oposição ao julgamento por este modo.
Procede-se, pois, a novo
julgamento, em mesa telepresencial.
FUNDAMENTAÇÃO.
Face ao teor da contestação, rejeito
a preliminar de cerceio de defesa.
É que, com a defesa, os fatos
tornaram-se incontroversos.
Se antes já não se discutia
fosse a autora detentora, perante o INPI (fl. 44, proc. 903480514) da marca Rcell, passou a ser certo, com o
ingresso da ré na relação processual, também: a) que ela opera no mesmo
ramo empresarial, de venda de equipamentos de telefonia e comunicação; e (b) ostenta
na fachada de sua loja a palavra RCELL.
Sintomática dessa tranquilidade
quanto aos fatos é esta assertiva das razões de apelação, que repete o que já
vinha em contestação:
“E não é só, as
impressões das logomarcas utilizadas pela Recorrida em suas apresentações na
web e em material publicitário que estão acostadas às fls. 162-167, demonstram
que a Apelada se utiliza da denominação “RCELL TELECOM”, que não se confunde
com o nome fantasia “RCELL CELULARES E ELETRÔNICOS” utilizado pela Apelante.” (fl. 340).
Sendo esses os fatos
que se há de apreciar nesta ação pela qual, primordialmente, a autora busca
proteção de sua marca registrada, era desnecessária, realmente, como decidido
na origem, a produção de mais provas. Para sentenciar, o Exmo. Sr. Dr. Juiz de
Direito havia tão só que valorar essas circunstâncias incontroversas, como
dispõe o Código de Processo Civil:
“Art. 374. Não dependem de prova os
fatos;
...
III admitidos no processo
como incontroversos; ...”.
Posto isso,
fundamentando o voto, passo também a examinar os mesmos fatos, incontroversos,
concluindo, assim como a sentença, pela existência do potencial de
confundibilidade e pelo prestígio da marca registrada.
Como se sabe, para a aferição de
eventual colidência entre marcas, ou entre marcas e nome empresarial, deve-se
analisar, mais do que o critério de anterioridade, os de territorialidade
e de especificidade.
Assim, no STJ, de segura
relatoria:
“A proteção de
denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como tópico da legislação
marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71), pelo que o exame de eventual
colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da
anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação
sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de
marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71, consagradores do
princípio da especificidade. Precedentes.
Disso decorre
que, para a aferição de eventual colidência entre denominação e
marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade,
mas deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do
direito marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfico de proteção;
e (ii) o princípio da especificidade,
segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de 'alto
renome' (ou 'notória', segundo o art. 67 da Lei 5.772/71), está
diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço, como corolário da
necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.” (REsp 1.204.488, NANCY ANDRIGHI; grifei;
destaquei “territorialidade” e “especificidade” em negrito).
Territorialidade
relaciona-se ao âmbito geográfico de proteção. Em tempos de Internet, e no
meio da Internet, a possibilidade de conflito entre clientes das partes é
evidente.
Os consumidores fazem buscas
pelo Google antes de comprar. O fato de a ré estar estabelecida à mais de 500
quilômetros da autora é menos relevante, diante disso.
Como escreveu o MM. Juiz de
Direito LUIS FELIPE FERRARI BEDENDI na decisão de fls. 85/89, pela qual, a
princípio, deferiu liminar à autora, posteriormente, sob minha relatoria,
reformada pelo Tribunal:
“No tocante ao
critério da territorialidade, tem-se que a sociedade autora ostenta caráter
nacional, seja porque possui filiais em outros Estados além da sede em São
Paulo-Capital [vide contrato social de fls. 46/53], seja porque realiza
comércio em todo o país.
Diante desse
caráter nacional, não há como se negar que a requerida, mesmo distante da sede
da autora, valendo-se de nome fantasia idêntico à marca registrada, pode
provocar confusão no consumidor, ao pensar que se trata de loja autorizada ou
vinculada de qualquer maneira à demandante.
Confira-se pelas
fotos de fls. 71/73: ao denominar-se como Rcell celulares e eletrônicos, em
loja física e nas redes sociais, é absolutamente possível que o cliente imagine
tratar-se de estabelecimento vinculado à marca da autora.” (fl. 87)
Especificidade,
o segundo critério que cumpre observar, diz com a proteção da marca
relativamente ao tipo de produto ou serviço, como corolário da necessidade de
se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.
A esse respeito, honrando-me com
citação, o ilustre Dr. BEDENDI ponderou, na mesma decisão:
“Há sempre de se
ter em mente que a proteção marcária presta-se a uma finalidade, qual seja, a
de preservar a regular concorrência e evitar aquela desleal, parasitária e
predatória. Nessa mesma linha, cito trecho de julgado do e. Desembargador Cesar
Ciampolini da 1ª Câmara Reservada Empresarial do Tribunal de Justiça de São
Paulo, o qual resume com clareza qual a razão ontológica das patentes e dos
registros:
Na dinâmica
introduzida pela Lei 9.279/96, a colidência entre marcas (e mesmo a repressão
aos atos de concorrência desleal) depende e deve ser analisada, sobretudo,
diante do potencial de confusão junto aos consumidores. [Apel. 1119173-36.2016.8.26.0100,
j. 04/10/2017]
E, na hipótese,
como dito, existe possibilidade de confusão ao consumidor.” (fl. 87).
Não se pode, de fato,
data
venia, dar razão à postulação da apelante, sendo inegável o potencial
de confundibilidade, decorrente de ambas as partes atuarem no ramo da venda de
telefones. Essa atividade está dentro do rol daquelas protegidas pela marca,
consoante registro que foi concedido à autora pelo INPI.
Aqui não se trata, ressalte-se,
de mera semelhança fonética a induzir à confusão, mas sim de absoluta coincidência
de grafia! Ambas as partes apresentam-se à comunicadade de
compradores de telefones celulares como RCell.
Esse critério de
confundibilidade, vis à vis noções do homem médio, sempre se enfatiza nos
julgamentos das Câmaras de Direito Empresarial deste Tribunal, mormente quando
as partes em litígio atuam no mesmo ramo de comércio, indústria ou serviços.
Além do precedente de minha
relatoria antes referido, confiram-se:
“AÇÃO DE ABSTENÇÃO
DE USO DE MARCA CUMULADA
COM INDENIZAÇÃO.
Rés que apresentam seus produtos com marcas figurativas em imitação àquelas de
titularidade das autoras. Configurada a prática de comércio parasitário, em
usurpação ao prestígio alheio, eis que há notória semelhança com as marcas
registradas previamente pelas demandantes. Imitação sem cópia servil, mas
com semelhança suficiente para gerar confusão prejudicial ao titular com
precedência de uso e aos próprios consumidores. Prática de concorrência
desleal das rés. Determinação da sentença para que as requeridas, de modo
geral, se abstenham de usar a marca deve ser mantida. Indenização por danos
materiais que também deve subsistir, tal como fixada pelo Juízo a quo. Decisum que comporta, porém, alteração, para excluir a condenação
ao pagamento de indenização por danos morais, eis que os mesmos não restaram
comprovados nos autos. Recurso das autoras improvido e recurso do réu provido
em parte.” (Ap. 0004428-84.2012.8.26.0008, FRANCISCO
LOUREIRO,
Louis Vuitton X Empório do Pano; grifei).
“Ação
cominatória, cumulada com pedidos indenizatórios. Propriedade intelectual.
Sentença de parcial procedência, reconhecendo a violação de direito marcário
titulado pela autora e afastando a indenização por danos materiais. Apelação da
ré. Registro de marca mista titulada pela autora comprovado. Atuação no mesmo
ramo de atividade. Sinais distintivos utilizados pela ré que violam os
elementos nominativos e figurativos da marca da autora, causando confusão nos
consumidores. Identidade fonética, reforçando o uso
parasitário.
Danos morais que se encontram 'in re ipsa' em casos de violação de propriedade
intelectual. Prazo para cumprimento das determinações insuficiente, diante das
diligências necessárias para alteração do nome empresarial e do 'trade dress'
da ré. Sentença parcialmente reformada, de modo a fixar o prazo de 30 dias para
que a ré cesse definitivamente a utilização da marca em questão. Apelação a que
se dá parcial provimento.” (Ap.
1010992-91.2015.8.26.0320, de minha relatoria; Visual Joias X Visual Pratas;
grifei).
“PROPRIEDADE
INDUSTRIAL Marca Demanda iniciada por autora que pretende a proteção da marca
'Inbox Shoes', supostamente violada pela utilização dos réus de designativo
bastante semelhante ('Shoes Inbox') Inegável colidência entre os ramos de
atuação empresarial dos litigantes e expressiva semelhança entre as
marcas utilizadas Anterioridade na utilização da marca 'Inbox Shoes'
pela autora Criação de domínio virtual e pedido de registro de marca que são anteriores
aos dos réus Risco de confusão entre os consumidores e ilegal desvio de clientela
Ordem de abstenção mantida Apelação improvida DANO MORAL Marca Violação ao direito
de exclusividade conferido às autoras Simples fato da violação da propriedade
industrial apto para abalar a imagem e reputação das demandantes Prejuízo
extrapatrimonial presumido Pedido de indenização por dano moral procedente Verba
indenizatória mantida em R$ 10.000,00 Apelação improvida PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Marca Lucros cessantes Violação ao direito de exclusividade da marca Início de
prova do prejuízo material presente, coincidente com o registro do domínio pela
ré Indenizatória procedente Apelação improvida Dispositivo: negam provimento.” (Ap. 1004633-77.2018.8.26.0011, RICARDO NEGRÃO;
Inbox Shoes X Shoes Inbox; grifei).
“Processual
civil. Ré, em recuperação judicial, que pediu a concessão dos benefícios da
assistência judiciária gratuita por ocasião da interposição do recurso de
apelação. Benefício indeferido. Continuidade das atividades empresariais que
permitiu à ré o pagamento dos credores. Suficiência de recursos para pagamento
das custas e despesas processuais. Recolhimento do preparo determinado, o que
foi cumprido. Recurso da ré conhecido. Propriedade industrial. Marca.
Reprodução indevida. Utilização de elementos fonéticos e gráficos da
marca da autora Staroup pela ré Star*up. Ação inibitória e de reparação por
danos morais e materiais. Apreensão de mercadorias com imitação da marca da
autora. Elementos gráficos e fonéticos semelhantes que autorizam o
reconhecimento da imitação da marca da autora. Exploração pelas
marcas do mesmo segmento empresarial vestuário em jeans que confirma a
concorrência desleal. Colidência não afastada pelas logomarcas diversas em
razão da similitude fonética e gráfica dos signos. Risco de confusão dos
consumidores, que podem ser induzidos a concluir que mercadorias da ré
pertencem à família de produtos da autora. Risco de diluição da marca.
Concorrência desleal reconhecida. Indenização por danos materiais que será
objeto de liquidação de sentença, com escolha pela autora do critério de
apuração. Dano moral in re ipsa. Indenização por dano moral fixada em R$
50.000,00. Reforma da sentença no ponto em que se determinou a abstenção do uso
da marca. Observância da tese firmada pelo E. STJ, por força de recurso
repetitivo. Recursos parcialmente providos.” (Ap. 1096837-43.2013.8.26.0100, ALEXANDRE MARCONDES; Starup X
Star*up; grifei).
“Ação
condenatória Pretendida abstenção de uso de nome e pedido de indenização Autora
titular da marca 'Ecokid' Utilização, pela ré, de expressão semelhante
('Ecokids') Pedido de registro formulado pela ré indeferido pelo INPI nos
termos do artigo 124, XIX, da Lei de Propriedade Industrial ('a marca reproduz
ou imita registros de terceiros') Mesmo
ramo de atividade Possibilidade de
confusão Ilicitude Concorrência desleal
Danos morais 'in re ipsa' Manutenção do valor adequadamente fixado Sentença
mantida Honorários recursais cabíveis Recurso desprovido.” (Ap. 1087064- 95.2018.8.26.0100, MAURÍCIO PESSOA; Ecokid X Ecokids; grifei).
Assim o STJ exprimiu, certa
feita, esse critério de exame da possibilidade de confusão de marcas, considerada
a maneira como o homo medius vê as coisas, usando critérios que remetem ao art.
375 do CPC (regras de experiência comum, subministradas pela observação do que
normalmente acontece):
“O exame da
existência de confusão ou de associação de marcas deve ter como parâmetro, em
regra, a perspectiva do homem médio (homo medius), ou seja, do ser humano razoavelmente atento, informado
e perspicaz, o que não afasta avaliação diferenciada a depender do grau de
especialização do público-alvo do produto ou do serviço fornecido” (REsp 1.342.741, LUIS FELIPE SALOMÃO;
grifei).
De extrema a relevância para o
presente julgamento, por outro lado, é o fato de a autora, ao contrário da ré,
deter registro no INPI. Como obtempera DENIS BORGES BARBOSA, as marcas, “[s]ujeitas a registro, são propriedade
industrial, a partir do mesmo, não se concebendo, no direito brasileiro
vigente, um direito de propriedade natural, decorrente da ocupação sobre a
marca” (Proteção das Marcas, pág. 8).
Daí ter asseverado a
Ministra NANCY:
“Uma vez
concedido o direito de uso exclusivo de sinal marcário (que se presume
dotado de suficiente distintividade segundo os critérios técnicos do INPI), com
antecedência em relação ao uso feito por terceiros, e não versando a ação
acerca de pleito anulatório, há que se fixar como premissa a validade
de tal concessão, devendo ser considerados, para solução da controvérsia,
os efeitos legais que daí decorrem.” (STJ,
REsp 1.741.348).
Irrelevante,
anote-se, a circunstância a que se apegam as razões de apelação, de que a
certificação pelo INPS tenha- se dado apenas para o uso conjunto de “R” +
“cell”, posto que mais não pretende a autora do que a defesa da marca assim
formada, Rcell. Nada postula quanto
à letra “R”, ou à palavra “cell”. A letra “R” sozinha, assim como
“cell” sozinho, jamais seriam marcas registradas, ou, quando muito,
hipoteticamente, seriam ditas marcas tênues, fracas, a segunda delas (“cell”)
evocativa. Mas, juntas, “R” + “cell”=Rcell, formam dístico que o INPI, corretamente, entendeu registrável,
anotando, para evitarem-se dúvidas, no certificado copiado à fl. 44, não haver
direito exclusivo de uso quer de “R”, quer de “cell”.
E, de todo o modo, para disso se
dissentir, como faz a ora apelantes numa de suas linhas da defesa, ora
reiterada em apelação, caber-lhe-ia ter batido às portas da Justiça Federal,
chamando à lide também a autarquia.
À Justiça do Estado compete
apenas julgar “[a]s questões acerca do
'trade dress' (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras
demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial
entre particulares”, como decidiu, em sede repetitiva, a 2a Seção do
Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. CONCORRÊNCIA DESLEAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. TRADE DRESS. CONJUNTO-IMAGEM. ELEMENTOS
DISTINTIVOS. PROTEÇÃO LEGAL CONFERIDA PELA TEORIA DA CONCORRÊNCIA DESLEAL.
REGISTRO DE MARCA. TEMA DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL, DE ATRIBUIÇÃO ADMINISTRATIVA
DE AUTARQUIA FEDERAL. DETERMINAÇÃO DE ABSTENÇÃO, POR PARTE DO PRÓPRIO TITULAR,
DO USO DE SUA MARCA REGISTRADA. CONSECTÁRIO LÓGICO DA INFIRMAÇÃO DA HIGIDEZ DO
ATO ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1.
A
tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015 (art. 543-C do
CPC/1973), é a seguinte: As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem)
dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver
registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é
inequivocamente de competência da justiça estadual, já que não afeta interesse
institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em
ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao
titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória.
2.
No
caso concreto, dá-se parcial provimento ao recurso interposto por SS Industrial
S.A. e SS Comércio de Cosméticos e Produtos de Higiene Pessoal Ltda., remetendo
à Quarta Turma do STJ, para prosseguir-se no julgamento do recurso manejado por
Indústria e Comércio de Cosméticos Natura Ltda. e Natura Cosméticos S.A. (REsp 1.527.232, LUIS FELIPE SALOMÃO).
Prosseguindo, o pedido de condenação no
ressarcimento de danos materiais, de fato, como decidido, era procedente, na
linha de tradicional doutrina:
“A simples
violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do art. 159 do CC,
não sendo, pois, necessário, a nosso ver, que o autor faça a prova dos
prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada
procedente.” (GAMA CERQUEIRA, Tratado
de Propriedade Intelectual, 3ª ed., vol. 2, pág. 1.129).
Como decidiu a preclara Ministra
NANCY, em tema de propriedade industrial, “[o]
prejuízo causado prescinde de comprovação, pois se consubstancia na própria
violação do direito, derivando da natureza da conduta perpetrada. A demonstração do dano se confunde
com a demonstração da existência do fato, cuja ocorrência é premissa assentada,
devendo o montante ser apurado em liquidação de sentença” (STJ, REsp
1.677.787).
E, quanto à arguição de prescrição,
devia a preliminar ser, como o foi, rejeitada, exatamente pelos fundamentos
sentenciais, antes transcritos, que ora ficam ratificados, na forma do art. 252
do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.
Bem ponderou o MM. Juiz de
Direito a quo que não importa a data em que a ré tenha sido constituída.
Vale aquela em que a autora teve ciência da utilização, em concorrência
desleal, de sua marca. É o princípio da actio nata (Código Civil, art. 189).
E a data de ciência do
ato de concorrência desleal, no caso dos autos, em que não faria sentido ouvir testemunhas
a respeito, há de ser aquela do ingresso em Juízo com a presente ação, ou de
atos disto preparatórios, outorga de procuração ad judicia a advogado,
interpelação prévia ao ajuizamento etc. Quanto a estes atos, com
efeito, a prova é possível e se faz documentalmente.
Foi desa maneira que decidiu o
STJ, outra vez sob relatoria da Ministra NANCY:
“RECURSO
ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E NOME
EMPRESARIAL E DE REPARAÇÃO DE DANOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO INIBITÓRIA. PRESCRIÇÃO.
MARCO INICIAL. CIÊNCIA DA VIOLAÇÃO DO DIREITO. PRAZO DE 10 ANOS. REPARAÇÃO DE
DANOS. VIOLAÇÃO PERMANENTE. PRAZO DE 5 ANOS. MARCO INICIAL QUE SE RENOVA A CADA
DIA.
(…)
2. O propósito recursal é definir se as
pretensões de abstenção de uso de marca e nome empresarial e de reparação de
danos decorrentes da utilização não autorizada de sinais registrados estão
prescritas.
(…)
4.
A pretensão concernente à abstenção de uso de marca ou nome
empresarial nasce para o titular do direito protegido a partir do momento em
que ele toma ciência da violação perpetrada (princípio da actio nata), incidindosobre ela o prazo prescricional de 10 anos.
5.
A notificação extrajudicial, no particular, constitui
instrumento hábil à comprovação de que o alegado uso indevido do signo
distintivo era conhecido por seu titular, no mínimo, a partir da data nela
aposta (momento em que poderia ter ajuizado a ação cabível), o que dá ensejo a
reconhecer como prescrita a pretensão inibitória, em razão do decurso do prazo
aplicável.
6.
O prazo prescricional para propositura de ação
indenizatória por uso não autorizado de marca é quinquenal, sendo que seu termo
inicial nasce a cada dia em que o direito é violado. Precedentes. - RECURSO
ESPECIAL DE WALTER BELTRAME & CIA LTDA. CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE
PROVIDO - RECURSO ESPECIAL DE BELTRAME & IRMÃOS LTDA. PARCIALMENTE
PROVIDO.” (REsp 1.696.899).
Enfim
como não prosperavam, mesmo,
as teses de defesa, a saber, emprego de modo distinto de venda dos produtos,
público diverso, inexistência de violação do direito marcário da autora
ou de prática de concorrência desleal, ausência de prejuízo e prescrição
era, realmente, de ser julgada
procedente a ação, como o fez
a sentença apelada em seu dispositivo. Fica ela, assim, confirmada por seus próprios fundamentos (antes transcritos), na
forma do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.
Elevo os honorários
sucumbenciais (§ 11 do art. 85 do CPC), de 10% para 20% do valor da condenação.
DISPOSITIVO.
Em rejulgamento do apelo, volto
a negar-
lhe
provimento.
Consideram-se prequestionados
todos os dispositivos constitucionais e legais tratados, implícita ou
expressamente, no julgamento.
Na hipótese, todavia, de
apresentação de embargos de declaração, seu julgamento se dará necessariamente
em meio virtual, devido às consequências da pandemia nos trabalhos do Tribunal.
É como voto.
CESAR
CIAMPOLINI
Relator