RECURSO ESPECIAL Nº 1.219.273 - RJ (2010/0188625-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : ABRIL RADIODIFUSÃO S/A ADVOGADOS : ANA PAULA FULIARO
TACIANA CROSARA MARTINS CARVALHO IAN BARBOSA SANTOS
MICHAEL GLEIDSON ARAÚJO CUNHA E OUTRO(S) RECORRIDO : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
ECAD
ADVOGADOS : KARINA HELENA CALLAI E OUTRO(S)
SIMONE DA SILVA CARVALHO E OUTRO(S) RECORRIDO : C E A MODAS LTDA
ADVOGADO : CLEMENTE MORGADO E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ECAD. AÇÃO DE COBRANÇA. DIREITOS AUTORAIS. ESPETÁCULO AO VIVO. AUTORES DAS OBRAS COMO INTÉRPRETES. POSSIBILIDADE. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 104 e 115 da Lei 5.988/73.
1. Ação de cobrança, ajuizada em 29.04.1998. Recurso especial concluso ao Gabinete em 09.12.2010.
2. Discussão relativa à possibilidade de cobrança de direitos autorais pelo ECAD, quando os intérpretes são os próprios autores das obras.
3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.
4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.
5. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é associação civil constituída pelas associações de direito do autor, com a finalidade de defesa e cobrança dos direitos autorais. Foi instituída pela Lei n.º 5.988/1973 e mantida pela atual Lei 9.610/1998.
6. Esta Corte tem entendimento pacífico no sentido da possibilidade do ECAD cobrar os direitos autorais, independentemente da remuneração recebida pela execução das obras musicais pelos seus próprios autores.
7. Há uma clara distinção entre o cachê pago aos artistas, entendido como direito conexo devido ao intérprete da obra, e o direito autoral propriamente dito, entendido como a remuneração pela criação da obra artística e que é passível de cobrança pelo ECAD.
8. Privilegia-se a gestão coletiva dos recursos, exercida de forma centralizada pelo ECAD. E, na hipótese, não há qualquer evidência de que os titulares dos direitos autorais pretenderam e efetuaram sua cobrança diretamente dos organizadores do evento, fixando valores para essa utilização, cobrando-os e arrecadando-os, por meio da sua inclusão no valor do cachê cobrado pela execução do show.
9. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, após o indeferimento do pedido de adiamento, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 24 de abril de 2014(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.219.273 - RJ (2010/0188625-0) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : ABRIL RADIODIFUSÃO S/A ADVOGADOS : ANA PAULA FULIARO
TACIANA CROSARA MARTINS CARVALHO IAN BARBOSA SANTOS
MICHAEL GLEIDSON ARAÚJO CUNHA E OUTRO(S) RECORRIDO : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
ECAD
ADVOGADOS : KARINA HELENA CALLAI E OUTRO(S)
SIMONE DA SILVA CARVALHO E OUTRO(S) RECORRIDO : C E A MODAS LTDA
ADVOGADO : CLEMENTE MORGADO E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Trata-se de recurso especial interposto por ABRIL RADIODIFUSÃO S/A, com base no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ).
Ação: de cobrança, ajuizada por ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD em face de ABRIL RADIODIFUSÃO S/A, C E A MODAS LTDA. e FRANCO BRUNI INSTITUTE visando o recebimento de valores relativos aos direitos autorais devidos pela execução de obras musicais em show da banda irlandesa U2 e do cantor Gabriel O Pensador, no evento "U2 Pop Mart", realizado no Rio de Janeiro em 1998.
Contestação: a C E A MODAS LTDA. alegou, em síntese, sua ilegitimidade passiva, pois sua função era apenas de agente arrecadadora da venda dos ingressos do evento. FRANCO BRUNI INSTITUT sustentou, preliminarmente, falta de pressupostos processuais e, no mérito, que haviam chegado a um acordo com os promotores do evento e com o autor acerca do valor que seria recolhido a título de direitos autorais, bem como que há conflito de interesses entre os verdadeiros titulares dos direitos autorais. A ABRIL RADIODIFUSÃO S/A (antiga MTV), por sua vez, alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, bem como a ilegitimidade ativa do autor, pois apenas patrocinou o evento e, no mérito, que não são devidos os valores cobrados pelo ECAD porque os direitos autorais foram pagos diretamente à banda, que somente executou músicas de sua própria autoria.
Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus ao pagamento dos direitos autorais no valor de R$143.605,25, conforme processo cautelar preparatório, além das custas e honorários advocatícios (e-STJ fls. 1820/1831).
Embargos de declaração: foram acolhidos para estabelecer a sucumbência recíproca, determinando o rateio das custas e honorários advocatícios, sendo metade para o autor e metade para os réus (e-STJ fls. 1853).
Acórdão: deu provimento à apelação interposta por ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD e negou provimento aos recursos de apelação interpostos pelos réus, para julgar totalmente procedente a demanda, condenando os réus, solidariamente ao pagamento da quantia de R$300.062,50, além das custas e honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 2048/2056):
Civil. Internacional Privado. Constitucional. Processual Civil. Lide de cobrança, intentada pelo citado escritório central de arrecadação e distribuição, de direitos autorais, relativos às apresentações de diversas músicas, em "shows" do grupo estrangeiro "U2", em janeiro de 1998, nesta cidade e na capital paulista; inseridos no pólo passivo empresas que promoveram os espetáculos, fizeram patrocínio ou garantiram o sucesso financeiro. Lide cautelar, também deduzida; concedida liminar; obrado o sequestro, nos guichês das vendas, de 10% do faturamento bruto. Defesas contendo preliminares de falta de condição acionária. Rejeição pelo Juízo. Agravo retido, pelo instituto mencionado, no hostilizar. Agravo de Instrumento, em condão assemelhado, desprovido por esta Câmara.
Sentença que julgou procedente em parte a demanda cognitiva, e procedente a cautelar; aditada em sede de embargos aclaratórios. Apelos, emanados do titular da pretensão, e dos titulares da resistência, cingidos apenas ao processo principal; com reiteração do agravo sob retenção; e contendo alguns, preliminares de nulidade do provimento guerreado, por insuficiência de fundamentos, e por carência da condição acionária da legitimidade. Esclarecimento maior da Sentença, por instância relatorial, à luz do artigo 515 § 4º da Lei de Regência, na redação dada pela Lei 11276/2006. Dito agravo instrumental, sob igual relatoria, pelo qual este Órgão Fracionário reputou existente tal condição da ação, por específico, quanto ao ECAD. Preclusão irradiada. Ademais, prevalência de muito, na processualística, da teoria do direito de ação como abstrato e autônomo; defluindo o interesse de um relato fático coerente; e sendo as legitimações suas pontas. Corroboração pela teoria mais moderna, da asserção. Discussão concernente, pois, quem tem espaço na esfera meritória, não na processual. Violação do art. 93 XI da Carta da República, ao qual se harmoniza o CPC no artigo 458, II, que não se caracterizou de bastante. Decisório sucinto, quanto ao fator da solidariedade, ventilado adiante, aí encerrado; devendo esta Câmara, a teor dos modernos princípios da celeridade, aproveitamento, e efetividade da tutela, em caso de dúvida, optar pelo prosseguimento cognitivo, no valorar, neste 2º grau de jurisdição, do acerto ou erro do decisório referido. Na substância, provas documentais, e depoimento testemunhal, que assinalam ter havido duas apresentações, do festejado conjunto musical, nesta capital, e na bandeirante, em fins de janeiro/1998; e que se fizeram ausentes a liberação, pelo dito órgão arrecadador, e o pagamento da verba a que fazia jus, nos encerros da Lei 5988/1973, que se aplica in casu, haja vista a eficácia da Lei 9610/1998, que sucedeu ao dito diploma, em 19 de fevereiro do ano último aludido. Incidência cabal dos artigos 104 e 105, do diploma antigo, aplicável. Fato de os músicos de tal conjunto serem estrangeiros, que não muda o repute, na forma da Convenção de Berna, que protege os direitos autorais em escala mundial, e nos encerros específicos de contrato de representação recíproca, firmado em Londres, em 1979, entre a "União Brasileira de Compositores", filiada ao demandante, e "Performing Right Society Ltd – PRS"; abrangendo por um lado o Brasil, e por outro, o Reino Unido, República da Irlanda, e diversos países, em plúrimos continentes, antigas colônias britânicas; hoje agrupados na "Commonwealth". Tratativas em grande número, no pacificar do problema dos referidos direitos, por várias comunicações recíprocas; inclusive, proposta de pagamento, ao autor, de elevado importe, não concretizado sob o pretexto de surpresa causada pela deflagração do processo acessório. Argumento de que os cantores do conjunto executaram apenas músicas próprias, que não foi positivado; aqui cabendo ao pólo passivo o ônus probatório, no cotejo de fato obstativo da pretensão; conforme o Digesto de Ritos no artigo 333 II. Dito depoimento testemunhal que aclarou a combinação da quantia de oito milhões de dólares americanos, na promoção dos espetáculos, a título de cachê, e abarcando outras despesas; máxime, transporte aéreo dos equipamentos utilizados. Direitos autorais que não se confundem com outros, conexos, nem com os cachês, à luz da jurisprudência do Egrégio STJ; aqui referenciando-se decisórios monocráticos do Ministro Humberto Gomes de Barros, e aresto, em sede de recurso especial, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Direito; ainda gizando ser o direito do ECAD independente de prova de filiação, e da existência do mencionado cachê. Positivação de que a décima parte dos dinheiros do faturamento de tais espetáculos alcançou a monta de R$ 300.062,50. Dever dos réus em pagar tal valor ao demandante. Solidariedade que expressamente decorre do artigo 128 da Lei 5988/1973, em harmonia para com o Código Civil de 1916. Existência de tal fator, na interpretação de tal lei geral e de tal lei especial, por racional e teleológico. Irrelevância do fato, tido por contrário pelo nobre sentenciante, de ter o "Instituto Franco Bruni" proposto acordo em torno de cento e quarenta e três mil reais, até porque o mesmo não foi efetivado; não tendo natureza de confissão, nem podendo demarcar números precisos. Termos iniciais que devem ser prestigiados na inteireza. Correção monetária pelo indexador adotado pela CGJ, a partir de janeiro/1998. Juros moratórios, desde então, em 0,5% ao Mês, pelo diploma bevilaquano, ate 10/01/2003, passando ao depois para 1% ao Mês, na vigência do diploma substantivo vigente. Sucumbência integral dos demandados, que deverão arcar, também por solidário, com as custas, e honorários de advogado. Verba última, fixada em 20% da monta da condenação; eis que grande foi o labor da representação postulatória da parte vencedora, em penoso tramitar procedimental. Agravo retido que se desprovê. Preliminares que se rejeitam. Sentença que se reforma. Provimento do apelo deduzido pelo autor. Desprovimento dos apelos interpostos pelos réus.
Embargos de declaração: interpostos por ABRIL RADIODIFUSÃO S/A, (e-STJ fls. 2079/2088); por C E A MODAS LTDA. (e-STJ fls. 2059/2061) e por FRANCO BRUNI INSTITUTE (e-STJ fls. 2071/2077), foram acolhidos apenas para fins de explicitação, sem alteração do julgado (e-STJ fls. 2143/2148). Interpostos novos embargos por C E A MODAS LTDA. (e-STJ fls. 2151/2152), foram rejeitados.
Recurso especial: interposto por ABRIL RADIODIFUSÃO S/A, como base na alínea "a" do permissivo constitucional (e-STJ fls. 2181/2204), aponta ofensa aos seguintes dispositivos legais:
(i) art. 535, II, do CPC, com fundamento na omissão do Tribunal de origem analisar seus argumentos no sentido de que (a) houve comprovação de que as músicas executadas no show eram de autoria dos próprios artistas e (b) houve erro na forma de cálculo do valor devido a título de direitos autorais, correspondente a 10% da arrecadação do evento;
(ii) art. 333 CPC, porquanto o Tribunal de origem desconsiderou a prova existente nos autos de que as músicas executadas nos shows eram de autoria dos próprios artistas;
(iii) 103 e 104, parágrafo único, da Lei 5.988/73, haja vista que "não cabe ao ECAD cobrar direitos autorais porque os integrantes do U2, como titulares dos direitos autorais, evidentemente negociaram e receberam o pagamento de tais direitos, tanto que vieram ao Brasil e realizaram o show no Rio de Janeiro (e-STJ fls. 2198/2199). Segundo a recorrente, é indevida a cobrança pelo ECAD quando os artistas executam suas próprias músicas e negociam pessoalmente o recebimento de seus direitos autorais.
Exame de admissibilidade: o recurso especial foi inadmitido na origem pelo TJ/RJ (e-STJ fl. 2280/2283), tendo sido interposto agravo de instrumento contra a decisão denegatória, ao qual dei provimento para determinar a subida do recurso especial (e-STJ fls. 2562).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.219.273 - RJ (2010/0188625-0) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : ABRIL RADIODIFUSÃO S/A ADVOGADOS : ANA PAULA FULIARO
TACIANA CROSARA MARTINS CARVALHO IAN BARBOSA SANTOS
MICHAEL GLEIDSON ARAÚJO CUNHA E OUTRO(S) RECORRIDO : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
ECAD
ADVOGADOS : KARINA HELENA CALLAI E OUTRO(S)
SIMONE DA SILVA CARVALHO E OUTRO(S) RECORRIDO : C E A MODAS LTDA
ADVOGADO : CLEMENTE MORGADO E OUTRO(S)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cinge-se a controvérsia a verificar se são devidos os direitos autorais na hipótese em que os intérpretes são os próprios autores das obras executadas.
1. Da violação do art. 535, II, do CPC
01. O recorrente aduz violação do art. 535, II, do CPC, porquanto o Tribunal de origem, apesar de instado a se manifestar por meio de embargos declaratórios, não sanou a omissão existente no acórdão quanto (i) à comprovação de que as músicas executadas no show eram de autoria dos próprios artistas e (b) houve a existência de erro na forma de cálculo do valor devido a título de direitos autorais, correspondente a 10% da arrecadação do evento.
02. Compulsando os autos, todavia, verifica-se que TJ/RJ apreciou de forma fundamentada as questões pertinentes para a resolução da controvérsia, ainda que tenha dado interpretação contrária aos anseios do recorrente, situação que não serve de alicerce para a interposição de embargos de declaração.
03. Com efeito, o Tribunal de origem manifestou-se expressamente sobre as questões supramencionadas, nos seguintes termos:
As músicas que foram executadas nos dois grandes espetáculos não foram da autoria própria dos integrantes do grupo estrangeiro. Aliás, a prova de tal fato obstativo, à luz do artigo 333 II da Lei de regência, caberia ser feita pelos réus, o que não ocorreu; militando a dúvida, aí, em prol dos termos vestibulares (e-STJ fls. 2055).
(...)
O fato de o Instituto Franco Bruni ter proposto, em audiência, transação, no pagamento da quantia de R$ 143.605,25, não significa que tal valha como confissão, e que tal importe possa ser reputado como o máximo devido ao ECAD (e-STJ fls. 2055).
(...)
Não havendo dúvida sobre o montante básico da incidência do décimo pleiteado, o pedido autoral deve ser julgado procedente (e-STJ fls. 2056).
O somatório reputado devido pelas rés ao dito órgão de arrecadação, em R$ 300.062,50, resultou de uma análise aritmética (e-STJ fls. 2148).
04. Note-se, portanto, que não há omissão do Tribunal de origem, em relação às questões apontadas pelo recorrente, mas mero inconformismo com as conclusões adotadas.
05. Conforme entendimento assentado no STJ, "os embargos de declaração não se prestam ao reexame da matéria discutida no Acórdão embargado, servindo como instrumento de aperfeiçoamento do julgado que contenha omissão, contradição ou obscuridade" (EDcl no REsp nº 180.734/RN, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 20.09.1999).
06. Assim, devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 535 do CPC.
2. Reexame de provas e fatos.
07. A análise da suposta violação do art. 333 do CPC, na hipótese, implicaria o reexame das provas produzidas e das peculiaridades fáticas do caso, o que é vedado em sede de recurso especial.
08. Com efeito, tendo o Tribunal de origem considerado que não havia provas suficientes da autoria das músicas executadas nos "shows", não se mostra possível a revisão dessa conclusão por esta Corte, em sede de recurso especial, em virtude da incidência da Súmula 7/STJ.
3. Do pagamento dos direitos autorais.
09. O ECAD pretende o recebimento do valor correspondente aos direitos autorais devidos pela execução de obras musicais em show da banda irlandesa U2 e do cantor Gabriel O Pensador, no evento "U2 Pop Mart", realizado no Rio de Janeiro em 27.01.1998.
10. Considerando a data do evento, aplicam-se à hipótese, as disposições da Lei 5.988/73, em detrimento do disposto na Lei 9.610/98, de 19 de fevereiro de 1998, a qual somente entrou em vigor após 120 dias da sua publicação.
11. O acórdão reconheceu ser devido o pagamento, de forma solidária, pela recorrente ABRIL RADIODIFUSÃO S/A e pelos demais promotores do evento, C E A MODAS LTDA. e FRANCO BRUNI INSTITUTE, pois o "direito do ECAD em efetuar arrecadação de direitos autorais, acerca de obras musicais, e correlatas, decorrente de uma relação de mandato, entre os autores das mesmas e as associações às quais tenham se filiado, na forma do art. 104 do citado diploma" (e-STJ fls. 2053).
12. Com efeito, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é associação civil constituída pelas associações de direito do autor, com a finalidade de defesa e cobrança dos direitos autorais. Foi instituída pela Lei n.º 5.988/1973 e mantida pela atual Lei 9.610/1998.
13. A partir do ato de filiação, as associações atuam como mandatárias de seus filiados, na defesa dos seus interesses (art. 104 da Lei 5.988/1973), inclusive e principalmente, junto ao ECAD. Nas palavras do Min. Castro Filho, o que se busca é a facilitação da cobrança dos direitos autorais, evitando prejuízos injustificados aos seus titulares, sendo, inclusive, prescindível a identificação das músicas e autores para que surja a obrigação do pagamento dos direitos correlatos ao ECAD (REsp 612.615/MG, 3ª Turma, DJ de 07.08.2006).
14. Na hipótese, é incontroverso que, embora o grupo musical "U2" seja estrangeiro, seus integrantes são associados à "Performing Right Society Ltd – PRS", entidade que é representada no Brasil pela União de Músicos Brasileiros-UBC, a qual, por sua vez, é associada ao ECAD.
15. Os recorrentes, no entanto, sustentam que a cobrança é indevida porque os integrantes do U2, como titulares dos direitos autorais - porque somente executaram músicas de sua própria autoria -, evidentemente negociaram e receberam o pagamento de tais direitos, tanto que vieram ao Brasil e realizaram o show no Rio de Janeiro (e-STJ fls. 2198/2199).
16. Ocorre que esta Corte tem entendimento pacífico no sentido da possibilidade do ECAD cobrar os direitos autorais, independentemente da remuneração recebida pela execução das obras musicais pelos seus próprios autores. Nesse sentido: REsp 363.641/SC, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 30.9.2002; REsp n. 779.223/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, DJ de 3.10.2008, Ag n. 651.002/MG, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 24.8.2006; Ag n. 752.714/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 28.6.06 e REsp n. 212.869/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 30.5.06; Resp 1.207.447/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ acórdão, Min. Paulo de Tarso Sanseverino; DJe de 29.06.2012; Resp 1.114.817/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 17.12.2013; Resp 1.238.730/SC, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe de 17.12.2013; REsp 1.404.358/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Dje de 18.03.2014.
17 Note-se que esse entendimento vem sendo consolidado desde a época da vigência da Lei 5.988/73, merecendo destaque o seguinte trecho do voto do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, no Resp 363.641/SC:
Direitos autorais. Espetáculo ao vivo. Prova de filiação. Art. 73 da Lei nº 5.988/73. Precedentes da Corte.
1. Cabível é o pagamento de direitos autorais relativos aos espetáculos realizados ao vivo, não se confundindo com os direitos conexos, podendo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD cobrá-los, independentemente do cachê recebido pelos artistas e da prova da filiação.
2. Recurso especial conhecido e provido. (...)
O artista cobra o seu cachê para cada apresentação em público; mas, tal remuneração nada tem a ver com os direitos autorais das músicas que vai cantar, ainda que estas sejam de sua autoria. (sem destaque no originan( �/p>
18. Nos acórdãos mencionados, faz-se uma clara distinção entre o cachê pago aos artistas, entendido como direito conexo devido ao intérprete da obra, e o direito autoral propriamente dito, entendido como a remuneração pela criação da obra artística e que é passível de cobrança pelo ECAD. Confira-se, a título exemplificativo:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - DIREITOS AUTORAIS – EXECUÇÃO DE MÚSICAS PRÓPRIAS - CORTE LOCAL QUE REPUTOU DISPENSÁVEL O PAGAMENTO, TENDO EM VISTA O RECEBIMENTO DE CACHÊ PELOS ARTISTAS. INSURGÊNCIA DO ECAD.
(...)
3. No plano internacional os direitos autorais são distintos dos direitos conexos, considerando-se o Tratado de Berna, de 1886, para defesa dos direitos autorais e o Tratado de Roma, de 1961, em relação à proteção dos direitos conexos.
3.1. Considerando-se essa diferença, mesmo que a obra executada seja de criação do intérprete, essa circunstância não exime o produtor do evento, a despeito do eventual pagamento de cachê, do recolhimento dos direitos autorais.
3.2. O cachê pago ao intérprete constitui remuneração específica de seu trabalho e é independente da retribuição autoral a que os autores das obras musicais fazem jus. Dessa forma, esse pagamento, realizado em favor do próprio autor, não implica na remuneração do direito autoral.
3.3. Uma verba - cachê pela apresentação - é direito conexo devido ao intérprete. A outra - direito autoral - é remuneração pela criação da obra artística, passível de cobrança pelo ECAD. Orientação jurisprudencial do STJ.
3.4. O cachê é direito conexo e afasta-se do conceito de direito autoral. Enquanto o primeiro tem por escopo recompensar a apresentação do cantor, o segundo objetiva remunerar o uso da propriedade intelectual. Assim, pouco importa, para fins de atuação do ECAD, que composições musicais da autoria do artista tenham sido executadas por ele próprio.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (Resp 1.238.730/SC, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe de 17.12.2013) (sem destaque no original).
19. É importante mencionar, outrossim, que se reconhece a possibilidade do autor cobrar diretamente os seus direitos autorais, bem como doar ou autorizar o uso gratuito, dispondo de sua obra da forma como lhe aprouver, o que, aliás, estava previsto no art. 104, parágrafo único, da Lei 5.988/73; e foi mantido no art. 98, parágrafo único, da Lei 9.610/98 e no art. 98, §15º, da Lei 12.853/13, sendo que, nesses últimos dois diplomas legais, passou-se a exigir expressamente a notificação prévia do ECAD acerca do desinteresse na sua atuação. Nesse sentido: REsp 958.058/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 22/03/2010; REsp 983.357/RJ, de minha relatoria, Terceira Turma, DJe 17/09/2009)
20. Na lição de Eliane Yachouh Abrão, "nada impede que os titulares de direitos autorais pratiquem pessoalmente os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos, fixando valores para essa utilização, cobrando-os e arrecadando-os. Entretanto, como essa é também uma atividade complexa, eles as delegam às associações de titulares de direitos autorais e conexos, que, por sua vez, delegam, por imposição legal, a arrecadação e distribuição a um escritório único (ECAD)" (Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002, p. 103-104).
21. Privilegia-se, no entanto, a gestão coletiva dos recursos, exercida de forma centralizada pelo ECAD. E, na hipótese, não há qualquer evidência de que os titulares dos direitos autorais pretenderam e efetuaram sua cobrança diretamente dos organizadores do evento, fixando valores para essa utilização, cobrando-os e arrecadando-os, por meio da sua inclusão no valor do cachê cobrado pela execução do show.
22. Aliás, conforme se depreende da leitura do acórdão recorrido, que analisou soberanamente a prova dos autos, o ECAD, desde o início, teve participação ativa nas tratativas sobre a cobrança dos direitos autorais, sem qualquer oposição de seus titulares: no que toca ao único depoimento tomado em audiência, do advogado Helio de Almeida Fernandes, disse ele de maior importância que trabalhou como consultor de Franco Bruni, para as apresentações do U2 no Rio e em São Paulo (...) que foi ajustado na contratação do cachê, em oito milhões de dólares; que os direitos autorais já estavam aí incluídos; (...) que houve acordo, informal, de que o ECAD receberia R$ 450.000,00; que houve várias conversas no escritório desse último que se situam no centro desta cidade e no bairro de Botafogo; que o acordo fracassou quando todos ficaram surpreendidos pelo obrado por oficiais de justiça, no cumprimento de liminar de sequestro; (...) que quanto à Gabriel, o Pensador, teria havido diálogo através de uma agente dele (e-STJ fls. 2054).
23. Diante de todo o exposto, concluir-se pelo acerto do acórdão recorrido ao reconhecer o direito do ECAD de cobrar os valores relativos aos direitos autorais devidos pela execução de obras musicais em show da banda irlandesa U2 e do cantor Gabriel O Pensador, no evento "U2 Pop Mart", realizado no Rio de Janeiro em 27.01.1998, independentemente (i) do cachê recebido pelos artistas em contraprestação ao espetáculo realizado e (ii) das músicas serem ou não de autoria dos próprios intérpretes.
24. Quanto ao pedido subsidiário, de redução do valor da condenação, não cabe a essa Corte analisá-lo porque implicaria em revisão de matéria fática, o que é vedado pela incidência da Súmula 7/STJ.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010/0188625-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.219.273 / RJ
Números Origem: 200700124612 200913401100 24612 980010166311 980010496876 PAUTA: 24/04/2014 JULGADO: 24/04/2014
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ABRIL RADIODIFUSÃO S/A ADVOGADOS : ANA PAULA FULIARO
TACIANA CROSARA MARTINS CARVALHO IAN BARBOSA SANTOS
MICHAEL GLEIDSON ARAÚJO CUNHA E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD ADVOGADOS : KARINA HELENA CALLAI E OUTRO(S)
SIMONE DA SILVA CARVALHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : C E A MODAS LTDA
ADVOGADO : CLEMENTE MORGADO E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Direito Autoral
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o indeferimento do pedido de adiamento, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.