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Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível 1011970-42.2015.8.26.0361, Relator (a): Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira, julgado em 12 fevereiro 2019

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Registro: 2019.0000087375

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1011970-42.2015.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante CONSFAB CONSTRUÇÕES E EVENTOS LTDA, é apelado MRT ARQUITETURA E INTERIORES.

 

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EDSON LUIZ DE QUEIROZ (Presidente) e ANGELA LOPES.

 

São Paulo, 12 de fevereiro de 2019.

 

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA RELATORA
Assinatura Eletrônica

 

APELAÇÃO Nº 1011970-42.2015.8.26.0361
Relatora: Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado
APELANTE:
CONSFAB CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA. APELADA: MRT ARQUITETURA E INTERIORES COMARCA: MOGI DAS CRUZES
JUIZ PROLATOR: MARCOS ALEXANDRE SANTOS AMBROGI

 

VOTO N.º 1.561

 

APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DIREITO AUTORAL.
VEICULAÇÃO EM REDE SOCIAL. Sentença de improcedência. Insurgência pela autora. Imóvel que foi objeto de realização de projeto de engenharia pela autora e projeto de arquitetura de interiores e modificação de layouts por parte da ré, que divulgou o trabalho com fotos e imagens 3D em sua rede social. Alegação de violação a direito autoral pela ausência de consentimento e creditamento do projeto de engenharia da autora na divulgação. CONSENTIMENTO. Fotos que retratavam a evolução da construção em relação à área externa da piscina e imagens tridimensionais do layout externo da residência por vários ângulos. Serviços compreendidos na atuação da arquiteta, conforme declaração dos proprietários. Direitos autorais que são coexistentes e que se complementam para chegar ao resultado visual final do imóvel. Lei 9.610/98, que mesmo ao tratar da co-autoria da obra (arts. 15 e 32), não traz as limitações pretendidas pela autora ao uso da obra comum pelo co-autor, pois permite a utilização de obra divisível sem o consentimento do outro, apenas com ressalva à utilização que possa acarretar prejuízo à exploração da obra comum. Consentimento para exibição que não era necessário. IDENTIFICAÇÃO DE AUTORIA. Hipótese, contudo, que não dispensava, diante na impossibilidade de se retratar visualmente o layout da piscina e área externa em que inserida dissociada da atuação de engenharia pela autora, houvesse o devido creditamento da obra intelectual por ela desenvolvida ao tempo da divulgação. Inteligência do artigo 108 da LDA. Omissão de autoria quanto ao projeto de engenharia que resulta em violação ao direito autoral da autora. DANO MORAL CONFIGURADO. Dano "in re ipsa", decorrente da só violação, independente de prejuízo. Arbitramento em R$ 5.000,00, condizente com a capacidade econômica das partes, intensidade do dano, uma vez que as veiculações já foram removidas, e propósito didático da penalidade. Inversão da sucumbência. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO.

 

VISTOS.

 

Trata-se de apelação interposta por CONSFAB CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA. contra a r. sentença de fls. 163/166, cujo relatório se adota, que julgou improcedente ação de rito Ordinário por Violação de Direitos Autorais e Danos Morais proposta em face de MRT ARQUITETURA E INTERIORES, condenando a autora a responder por custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 2.500,00.

 

A apelante afirma que o simples fato de a ré ter excluído de suas redes sociais as fotografias da obra imobiliária de autoria da requerente não afasta o ato ilícito cometido. Ressalta que ao reproduzir fotos de projeto elaborado pela autora, a ré induziu os clientes a acreditar que teria sido ela a responsável pelo trabalho, ofendendo o direito à propriedade intelectual da autora, os quais são protegidos por lei. Sustenta ser nítido o dano moral causado pela ré, já que sequer indicou em suas publicações quem seria o autor do projeto de engenharia. Aduz que os danos morais não necessitariam de comprovação, já que dotados de natureza compensatória, sendo presumidos os prejuízos suportados, bem como que teria havido violação, por parte da ré, do código de ética e disciplina do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil. Busca a reforma integral da r. sentença combatida ou, alternativamente, a redução da verba honorária de sucumbência (fls. 172/190).

 

Recurso regularmente processado e contrariado (fls. 196/201). É O RELATÓRIO.

 

Trata-se de ação indenizatória por danos morais por violação de direitos, com pedido de tutela antecipada para que a ré se abstenha de divulgar qualquer obra e projeto de autoria do autor por qualquer meio de comunicação.

 

Extrai-se dos autos que a autora foi contratada para a execução de projeto e obras de construção de uma edificação para fins residenciais situada em condomínio na cidade de Itapecerica da Serra/SP (fls. 26/60).

 

Durante a consecução das obras, a ré, arquiteta, também contratada pelos proprietários do imóvel para realização de serviços no local decoração de interiores incluindo paginação de pisos e revestimentos, projeto de iluminação, projeto de móveis planejados, gesso, layout da piscina e indicação de paisagista (fls. 107).

 

Por força dessa atuação a ré promoveu a divulgação de fotos das obras e projeto do imóvel em 3D das redes sociais (Facebook) fls. 61/79 - insurgindo-se a autora contra o fato de que o teria feito sem lhe conferir os créditos quanto ao projeto de construção de sua autoria, com violação a seu direito intelectual.

 

sentença deve ser reformada.

 

E respeitado o entendimento adotado pelo juízo "a quo", a

 

É incontroverso que ambas as partes atuaram profissionalmente junto a imóvel residencial, em segmentos diversos, a autora na área de engenharia e a ré na área de arquitetura de interiores, sendo o trabalho de ambas passível de proteção sob a ótica dos direitos autorais, na forma do artigo 7º, X da Lei 9.610/93. In verbis:

 

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
(...)
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência"

 

A discussão travada nos autos é se o fato de a ré ter divulgado imagens da obra em construção e imagens 3D do projeto externo da casa, sem menção à autoria do projeto de engenharia pela autora, resultou em violação a seu direitos e consequente dever de indenização.

 

A resposta, no caso concreto é positiva.

 

O documento emitido pelos proprietários do imóvel, a fls. 107, descreve os serviços para os quais contrataram a ré, sendo eles: Projeto de Decoração de Interiores, que inclui projetos de paginação de pisos, revestimentos, marcação de pontos elétricos e hidráulicos, projeto de iluminação, projeto de móveis planejados, projeto de gesso;

 

layout de piscina, layout da casa, com alterações no projeto original e inclusão de paisagismo, indicação de paisagista e projeto arquitetônico da casa de empregada, sendo os layouts retratados por imagens 3D.

 

Examinando-se as fotografias postadas na rede social da ré verificamos que retratam a evolução da obra em relação à área externa que envolve o local da piscina fls. 61/73 e quanto às imagens 3D, o layout externo da casa, por diversos ângulos de visualização fls. 74/79.

 

Não há dúvida, pela descrição quanto aos serviços prestados pela ré fornecida por aqueles que a contrataram, que estes aspectos retratados estão compreendidos nas atividades que executou, que não se limitou à decoração de interiores, e portanto, não poderia haver obstáculo à sua utilização em seus meios de comunicação/divulgação, sob pena de cerceamento a seu próprio direito intelectual.

 

Ainda, não se tem imagens, planta, ou qualquer espécie de detalhamento relacionado ao projeto original de engenharia sob o aspecto da fachada ou layout externo da casa, de maneira que não é possível identificar quais, especificamente, foram as alterações realizadas pela ré, a pedido dos proprietários, em relação a estes elementos, mas apenas aceitar-se que a ré foi contratada para promover alterações quanto a este item.

 

Contudo, a questão que se põe, diante da sobreposição de atuações, é se essa utilização exigiria consentimento da autora, ou ainda, o creditamento de autoria da obra de engenharia, e na omissão de uma e outra providência, a violação ao direito autoral da autora.

 

Não se trata propriamente de co-autoria na obra, mas sim de obras que se sobrepõem ou se integram nos ramos diversos do campo intelectual, até formar o todo (que foi executado em cooperação, conforme se extrai dos e-mails de fls. 111/133), especialmente em relação a seu aspecto visual, mas é possível, pela utilização dos dispositivos próprios à obra em co-autoria, chegar-se à conclusão de que não era exigível o consentimento para a divulgação.

 

A Lei 9.610/98 trata do tema nos artigos 15 e 32. In verbis:

 

Art. 15. A co-autoria da obra é atribuída àqueles em cujo nome, pseudônimo ou sinal convencional for utilizada.
(...)
§ 2º Ao co-autor, cuja contribuição possa ser utilizada separadamente, são asseguradas todas as faculdades inerentes à sua criação como obra individual, vedada, porém, a utilização que possa acarretar prejuízo à exploração da obra comum.

 

Art. 32. Quando uma obra feita em regime de co-autoria não for divisível, nenhum dos co-autores, sob pena de responder por perdas e danos, poderá, sem consentimento dos demais, publicá-la ou autorizar-lhe a publicação, salvo na coleção de suas obras completas.

 

Segundo estes parâmetros, tem-se que a restrição ao direito de um co-autor em relação ao outro apenas se dá quando esse uso possa prejudicar a obra comum, ou ainda, haja uma indivisibilidade que impeça a utilização isolada.

 

Ora, se nem em relação à obra em co-autoria se estabelecem as restrições pretendidas pela autora, difícil imaginar que subsistissem em relação à hipótese dos autos, especialmente quando não se constata no caso concreto a identificação dos aspectos limitativos da legislação, pois a utilização das fotos e imagens empregadas pela ré com a exibição de partes que se sobrepõem (engenharia e arquitetura) não traz qualquer aspecto que prejudique a obra desenvolvida pela própria autora, em contexto desfavorável ou depreciativo, e portanto, o consentimento não era, mesmo, necessário.

 

Contudo, na medida em que não há como se retratar visualmente o layout da piscina e área externa em que inserida, sob o aspecto dos resultados do projeto, de forma dissociada da atuação de engenharia pela autora, forçoso reconhecer que, ainda que a publicação realizada pela ré tivesse por objetivo divulgar sua própria atuação profissional, era necessário conferir a devida identificação do projeto de engenharia a seu criador, evitando confusão e justamente, a violação ao direito autoral em relação àquele trabalho intelectual.

 

Essa conclusão pode ser extraída do artigo 108 da Lei de Direitos Autorais, conforme redação que segue:

 

"Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade (...).

 

Veja-se a respeito do tema os ensinamentos de José Carlos Costa Netto, especialista na área de direito autoral, que ao tratar do dano moral, aponta, dentre os atributos do direito do autor, justamente o da identificação de autoria.

 

"Em decorrência de sua natureza, portanto, o direito moral do autor é perpétuo, inalienável e imprescritível. Nossa legislação acrescenta, ainda, a característica de irrenunciabilidade, catalogando-o, de acordo com os parâmetros internacionais sobre a matéria, em sete incisos, como os atributos do autor de:

 

a) Incisos de I a IV:

 

(I) reivindicar, a qualquer tempo, a paternidade da obra;

 

(II) ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

 

(III) conservar a obra inédita; (...)"

 

(Direito Autoral no Brasil, 2ªed. , 2008, Ed FTD, p. 136) (destaquei).

 

E a mesma obra, ao descrever o direito moral do autor como direito da personalidade, traz destaque justamente do papel da identificação do autor, lembrando a preciosa lição de Pontes de Miranda:

 

"Sobre a integração dos direitos morais de autor à área dos direitos de personalidade, ensina , ainda, PONTES DE MIRANDA, que o que se tutela no que denomina "direito autoral da personalidade" é a identificação pessoal da obra, a sua autenticidade, a sua autoria: "essa identificação pessoal, essa ligação do agente à obra, essa relação de autoria, é vínculo psíquico, fáctico, inabluível (sic), portanto indissolúvel, como toda relação causal fáctica, e entra no mundo jurídico, como criação, como ato-fato jurídico". (Obra Citada.p, 135).

 

E portanto, o só fato de não se atribuir a autoria do projeto de engenharia ao autor, na utilização da obra integrada que foi desenvolvida pela ré, é fato ensejador da violação do direito do autor ao crédito de sua obra intelectual.

 

Não se trata de discutir se houve ou não prejuízo, pois em se tratando de dano moral, o dano é "in re ipsa", decorrendo do só fato da violação, e portanto, a simples omissão ao dever de creditamento de autoria do projeto de engenharia à autora, enquanto conduta violadora de seu direito, é suficiente ao reconhecimento do dano moral.

 

E considerando os parâmetros que devem nortear o arbitramento da indenização, tais como capacidade econômica das partes, a intensidade e repercussão da ofensa, aqui considerado o fato de que já houve remoção de imagens, o que também se reflete sobre o caráter didático da penalidade, pela adoção da providência diretamente pela parte, sem necessidade da intervenção judicial, tenho que o montante pleiteado, de R$ 5.000,00, é coerente a adequado a estabelecer a justa reparação, sem enriquecimento indevido. A correção monetária incidirá do arbitramento e os juros de mora do evento danoso (data da primeira postagem).

 

Em relação à obrigação de fazer, como já referido, a ré atendeu ao pedido da autora de remoção das imagens de sua rede social, e portanto, não se justifica a imposição da obrigação de creditamento da autoria em relação a elas, o que apenas deverá ser observado em caso de novas divulgações.

 

Assim, impõe-se a reforma da sentença, para julgar procedente a ação, com a condenação da ré ai pagamento de indenização por dano moral à autora, nos termos do voto, e como consequência dessa inversão, responderá a ré por custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação.

 

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO.

 

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA
Relatora