Registro: 2020.0000901879
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
autos de Apelação Cível nº 1039147-96.2018.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos,
em que é apelante CARMELA BRASIL CENTRO DE FORMAÇÃO DE CONDUTORES LTDA ME, é
apelado AUTO MOTO ESCOLA VILA CARMELA I LTDA.
ACORDAM, em sessão permanente
e virtual da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V.
U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos
Desembargadores SÉRGIO SHIMURA (Presidente), ARALDO TELLES E GRAVA BRAZIL.
São Paulo, 4 de novembro de 2020.
SÉRGIO SHIMURA
Relator
Assinatura Eletrônica
Voto nº 26437
Ap. n. 1039147-96.2018.8.26.0224
Comarca: Guarulhos (6ª Vara Cíven( �br>
Apelante: CARMELA BRASIL CENTRO DE FORMAÇÃO DE CONDUTORES
LTDA ME
Apelada: AUTO MOTO ESCOLA VILA CARMELA I LTDA.
Juíza: Dra. Patrícia Cotrim Valério
DIREITO MARCÁRIO NOME EMPRESARIAL - AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE
USO DE NOME CONCORRÊNCIA
DESLEAL A concorrência desleal caracteriza-se pelo desvio
de clientela, por meio do uso indevido de mecanismos que induzem o consumidor à
confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de
serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio Empresas atuantes
no mesmo segmento (formação de condutores), no mesmo bairro, sendo que a autora
foi constituída dez anos antes da ré Potencial desvio de clientela e
concorrência desleal, em nítido prejuízo da autora, em razão da atuação no
mesmo ramo de negócio e na mesma localização, bem como do uso, pela ré, de nome
extremamente semelhante ao da autora, tudo a gerar confusão entre os consumidores
Havendo conflito com o nome empresarial, e pelo princípio da anterioridade, é
direito da autora fazer cessar a prática de concorrência desleal Sentença de
procedência mantida RECURSO DESPROVIDO.
Trata-se de ação proposta por AUTO MOTO
ESCOLA VILA CARMELA I LTDA. ME contra CARMELA
BRASIL CENTRO DE FORMAÇÃO DE CONDUTORES LTDA ME.
Narra a autora que sua atividade
consiste em promover o treinamento e formação de condutores de veículos
terrestres, e que é tradicional, em seu ramo, na cidade de Guarulhos,
notadamente no bairro de sua sede (Vila Carmela), desde o ano de 2003. Assim,
seu nome está associado à região em que atua, sendo reconhecida por ele, e
investindo em propaganda, anúncios, internet, entre outros.
No entanto, tomou conhecimento de que a
ré, que atua exatamente na mesma área, vem utilizando indevidamente denominação
muito parecida com a sua CARMELA BRASIL CENTRO DE FORMAÇÃO DE CONDUTORES,
aproveitando-se da popularidade de sua “marca” para captação de clientes,
praticando concorrência desleal. Aduz que, inobstante referida denominação no
contrato social, o nome que consta em sua fachada e em seus materiais de
propaganda é AUTO ESCOLA CARMELA BRASIL, o que gera ainda mais confusão no
mercado consumidor.
Além disso, a requerida atua na mesma
região, localizando-se fisicamente a poucas ruas do endereço da autora.
Assim, ajuizou a presente ação,
objetivando que a ré se abstenha de utilizar o nome “CARMELA” a qualquer
título, sobretudo em estabelecimentos, matéria publicitário, internet e fachada
de seu estabelecimento comercial, sob pena de multa diária (fls. 01/23).
Citada, a ré ofertou contestação,
arguindo, preliminarmente, inépcia da inicial e ilegitimidade passiva. No
mérito, sustenta, em resumo, que não praticou concorrência desleal, pois nunca
se utilizou de propagandas ofertadas pela autora, nem se aproveitou de sua
popularidade. Afirma que não há, nos autos, prova de que a autora tenha sido
prejudicada em suas relações comerciais, e que na verdade a autora está
preocupada com a concorrência sadia entre as empresas, já que a ré vem criando
um bom nome no mercado.
Alega que o DETRAN disponibiliza
informações sobre as auto escolas credenciadas nas regiões de todo o Estado, de
modo que o aluno tem liberdade para escolher qual empresa contratar; que possui
em seu nome empresarial o termo “CARMELA” por conta do bairro em que está
instalada, e que é utilizado por diversas empresas e comércios pelo bairro.
Afirma, ainda, que as propagandas, veículos e fachada são padronizados pelo
DETRAN. Pugna pela improcedência da ação (fls. 169/184).
A autora apresentou réplica à
contestação (fls. 208/216).
Em decisão saneadora, o MM. Juízo “a
quo” indeferiu o pedido de tutela de urgência, bem como afastou as preliminares
arguidas em contestação; fixou pontos controvertidos, deferindo a produção de
prova oral (depoimento pessoal do representante legal da ré e oitiva de
testemunhas) (fls. 219/224).
A prova oral foi colhida em audiência
(fls. 240/253), e as partes apresentaram alegações finais por escrito (fls.
256/263; 264/276).
Sobreveio de sentença de procedência,
cujo relatório se adota, para condenar a ré a se abster de usar no nome
empresarial a expressão “CARMELA”, determinando que exclua o nome CARMELA de
todo o seu material publicitário, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária
de R$ 1.500,00. Pela sucumbência, a ré foi condenada, ainda, no pagamento das
custas, despesas processuais e vera honorária fixada em 15% sobre o valor da
causa (fls. 277/283).
Inconformada, a ré vem recorrer,
sustentando, em resumo, que a apelada nunca foi prejudicada por qualquer ato
praticado no exercício de suas atividades, não havendo prova nos autos de
qualquer prejuízo; que pratica suas atividades com excelência e por isso a
apelada quer evitar a competição saudável de mercado; que é referência no
segmento de auto escola, e possui a expressão “CARMELA” em seu nome por conta
do bairro em que está instalada.
Afirma que a expressão não é exclusiva
da autora e que diversos outros comércios instalados no bairro também a
utilizam; que não há concorrência desleal, tampouco violação de direitos
autorais; que a caracterização da fachada e veículos é padronizada pelo DETRAN;
que não praticou qualquer ato ilícito. Requer a reforma da sentença, julgando-se
improcedente a ação (fls. 286/302).
Recurso devidamente processado e
respondido
(fls. 309/317).
Não houve oposição ao julgamento
virtual.
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
A concorrência desleal caracteriza-se pelo
desvio de clientela, por meio do uso indevido de mecanismos que induzem o
consumidor à confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou
prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
Tal prática pode afetar ou reduzir o
valor de uma marca ou denominação empresarial na respectiva classe de atuação,
vez que pode ser associada a empresas que prestem serviços ou comercializem
produtos de qualidade duvidosa ou inferior àquelas que já ostentem bons
indicativos.
Com isso, existe a possibilidade de o
consumidor se confundir ou vincular uma marca a outra, como se fosse do mesmo
grupo empresarial ou econômico, gerando prejuízo ao titular do registro ou da
patente.
Além disso, a distinção da marca deve
estar aliada a anterioridade e a especificidade. A anterioridade
corresponde ao seu uso com precedência, em que a exteriorização se perfaz
de modo pioneiro; e a especificidade é a identificação com uma
determinada classe ou conjunto de classes.
Demonstrada a conjunção desses fatores,
o titular da marca ou patente tem direito buscar a tutela jurisdicional para
suspender ou interromper o seu uso indevido, em virtude da prática da
concorrência parasitária, caracterizada pelo desvio de clientela, diluição e
reputação da marca e/ou nome empresarial.
É o que sucede no caso em apreço, em que
a autora, constituída em 2003 e atuando desde então na região no ramo de auto
escola, foi surpreendida com a instalação da requerida, no mesmo bairro e ramo
de atividade, ostentando nome empresarial muitíssimo similar.
Importa frisar que tanto a Constituição
Federal (art. 5º, XXIX) quanto a Lei 9.279/96 conferem proteção jurídica ao
nome empresarial e à marca. No caso dos autos, a confusão é inerente, já que as
duas empresas atuam exatamente no mesmo ramo de atividade, e o núcleo de seus
nomes possui a mesma expressão “CARMELA”.
Conclui-se, assim, que há potencial
desvio de clientela e concorrência desleal, em nítido prejuízo da autora
apelada, em razão da atuação no mesmo ramo de negócio e na mesma localização,
bem como do uso, pela ré, de nome extremamente semelhante ao da autora, tudo a
gerar confusão entre os consumidores.
Dessa forma, havendo conflito com o nome
empresarial, e pelo princípio da anterioridade, é direito da autora fazer
cessar a prática de concorrência desleal, sendo cabível a condenação à
abstenção da utilização, pela ré, do termo “CARMELA”, nos termos da sentença
recorrida.
Como bem pontuou a douta Juíza sentenciante, Dra. Patrícia
Cotrim Valério: “Os atos constitutivos das empresas foram arquivados na
Junta Comercial do Estado de São Paulo apresente a mesma expressão com núcleo,
qual seja, CARMELA e têm como principal atividade de ambas a formação de
condutores. A identidade de nome neste caso é apta a confundir o consumidor,
pois ambas as partes atuam no mesmo ramo de atividade, no mesmo bairro da
cidade de Guarulhos, sendo que a requerida se localiza antes da autora em dos
trajetos possíveis. Nesse sentido, aliás, a prova oral produzida, bem como
aquele concernente à comunicação por aplicativo. Infere-se, portanto, estar bem
demonstrada a concorrência desleal, sendo necessária a proteção ao nome
empresarial. O privilégio de uso do nome comercial é da empresa autora, não sendo
possível admitir que a empresa-ré possa utilizar o mesmo nome (núcleo)” (fls.
282).
E, nesse sentido, já decidiu este C. Grupo Reservado de
Direito Empresarial: “APELAÇÃO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO C/C
INDENIZAÇÃO. NOME EMPRESARIAL DA REQUERIDA QUE CONTÉM ELEMENTOS DO
NOME EMPRESARIAL E MARCA DA REQUERENTE, ALÉM DE ATUAREM NO MESMO RAMO
DE ATIVIDADE. TUTELA DO NOME EMPRESARIAL E MARCA QUE TEM POR FIM OBSTAR
PROVEITO ECONÔMICO PARASITÁRIO, DESVIO DE CLIENTELA E PROTEGER AO CONSUMIDOR.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO” (Apelação n. 1014227-85.2018.8.26.0506,
Rel. Des. Alexandre Lazzarini, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j.
10/08/2020).
“Direito marcário. Autora titular da
marca A ALFAMEQ, utilizada no comércio de bicicletas e triciclos. Ré que utiliza o sinal ALFAMEQ há anos,
no mesmo ramo, porque sucessora da sociedade Alfa Meq Indústria e Comércio de
Metais Ltda., constituída há décadas com o mesmo objeto. Conflito que
se resolve à luz dos princípios da especificidade e da anterioridade.
Prevalência, no caso, do nome empresarial em face da anterior
constituição da sociedade empresária. Acionante, ademais, que não pode
alegar desconhecimento do pré- uso da marca pela ré, já que atuam no mesmo
setor e estão sediadas no mesmo Município. Ordem de abstenção revogada. Ação
julgada improcedente. Manutenção, todavia, da improcedência da reconvenção
porque a Justiça Estadual não é competente para apreciar a validade do
registro. Recurso parcialmente provido” (Apelação n. 1001052-88.2017.8.26.0011,
Rel. Des. Araldo Telles, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j.
26/08/2019).
Por derradeiro, nos termos do art. 85,
§11, CPC, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, os
honorários advocatícios fixados na sentença devem ser majorados para 20% sobre
o valor da causa.
Do exposto, pelo meu voto, nego provimento
ao recurso.
SÉRGIO SHIMURA
Relator