RECURSO ESPECIAL Nº 906.269 - BA
(2006/0248923-0)
RELATOR : MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS
RECORRENTE : TV GLOBO LTDA
ADVOGADOS : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S)
MÁRCIO GOMES E OUTRO(S) RECORRIDO : ANA MARIA
ATHAYDE CALDAS PINTO ADVOGADO : RUTH MARIA GOMES PALHARES
E M E N T A
RECURSO
ESPECIAL. OFENSA AOS ARTS. 458 E 535, I E II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ. PENALIDADES MAL APLICADAS. DIREITOS AUTORAIS. ESTILOS, MÉTODOS OU TÉCNICAS.
INEXISTÊNCIA DE PROTEÇÃO.
1.
Não
ofende o Art. 535 do CPC o acórdão que, embora rejeitando os embargos de declaração,
examinou todas as questões pertinentes.
2.
Não
é nula, por falta de fundamentação, sentença na qual o juiz declina completamente
os motivos de seu convencimento.
3.
A
aplicação de penalidades por litigância de má-fé exige dolo específico, perfeitamente
identificável a olhos desarmados, sem o qual se pune indevidamente a parte que se
vale de direitos constitucionalmente protegidos (ação e defesa).
4.
Estilos,
métodos ou técnicas não são objetos de proteção intelectual (Art. 8º, I e II, da
Lei 9.610/98). O que se tem sob guarida legal são as obras resultantes da utilização
de estilos, métodos ou técnicas.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial
e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Ari Pargendler e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília
(DF), 16 de outubro de 2007 (Data do Julgamento).
MINISTRO
HUMBERTO GOMES DE BARROS
Presidente
e Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 906.269 - BA (2006/0248923-0)
RELATÓRIO
MINISTRO
HUMBERTO GOMES DE BARROS: Recurso
especial (alínea 'a'), interposto por TV GLOBO LTDA., dirigido a acórdão resumido
nestas palavras:
"(...) Direito autoral violado.
Apelada que criou estilo de arte próprio, o qual foi utilizado pela apelante em
suas novelas sem a devida autorização. Indenização devida (...)" (fl. 737)
Embargos
de declaração opostos e rejeitados, com aplicação de penalidades (multa e indenização)
por litigância de má-fé.
A
recorrente argúi nulidade do julgamento, por ofensa aos Arts. 458 e 535, I e II,
do CPC. No mérito, aponta violação aos Arts. 17, I, do CPC, 93, IX, da Constituição
Federal e 7º e 8º, I e II, da Lei 9.610/98. Diz, em resumo, que:
1)
o
Tribunal local não se manifestou sobre a alegação de inexistência de direito autoral
a ser protegido, permanecendo inerte mesmo depois de alertado da omissão pela oposição
de embargos de declaração;
2)
a
sentença, mantida em parte pelo acórdão da apelação, não declinou fundamentação
suficiente à solução da lide;
3)
não
houve má-fé na oposição de embargos de declaração, razão pela qual devem ser afastadas
as penalidades aplicadas pelo Tribunal local;
4)
não
há proteção legal para "estilo de arte", apenas para obras de arte individualizadas;
e
5)
a
Lei 9.610/98 "(...) exclui da proteção legal as idéias e os esquemas, planos
ou regras para realizar atos mentais (...)" (fl. 862).
Pede
a reforma do acórdão recorrido, para que seja declarado improcedente o pedido
indenizatório da autora.
A
recorrida, Ana Maria Athayde Caldas Pinto, apresentou contra-razões, refutando os
argumentos do recurso especial e reiterando as alegações apresentadas perante as
instâncias locais.
RECURSO ESPECIAL Nº 906.269 - BA
(2006/0248923-0)
RECURSO
ESPECIAL. OFENSA AOS ARTS. 458 E 535, I E II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ. PENALIDADES MAL APLICADAS. DIREITOS AUTORAIS. ESTILOS, MÉTODOS OU TÉCNICAS.
INEXISTÊNCIA DE PROTEÇÃO.
1.
Não
ofende o Art. 535 do CPC o acórdão que, embora rejeitando os embargos de declaração,
examinou todas as questões pertinentes.
2.
Não
é nula, por falta de fundamentação, sentença na qual o juiz declina
completamente os motivos de seu convencimento.
3.
A
aplicação de penalidades por litigância de má-fé exige dolo específico, perfeitamente
identificável a olhos desarmados, sem o qual se pune indevidamente a parte que se
vale de direitos constitucionalmente protegidos (ação e defesa).
4.
Estilos,
métodos ou técnicas não são objetos de proteção intelectual (Art. 8º, I e II, da
Lei 9.610/98). O que se tem sob guarida legal são as obras resultantes da utilização
de estilos, métodos ou técnicas.
VOTO
MINISTRO
HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): O Art.
535,
I e II, do CPC, não foi maltratado.
Todas
as questões pertinentes à solução da lide foram abordadas pelo Tribunal local.
A
sentença não carece de fundamentação. A juíza declinou completamente os motivos
de seu convencimento, embora de forma contrária aos interesses da recorrente.
As
penalidades por litigância de má-fé foram mal aplicadas. A recorrente, ao opor embargos
de declaração contra o acórdão da apelação, buscou o esclarecimento de questões
que, em seu entender, eram relevantes.
Questionava,
ainda, a revelia que lhe foi aplicada, quando pretendeu o exame de documentos
trazidos aos autos com a apelação. Bastava a rejeição da pretensão, que não revela
o mínimo traço de má-fé.
Afasto
as penalidades (multa e indenização). Passo ao exame de mérito.
Na
inicial, a autora se disse inventora de estilo de arte denominado "fragmentismo".
Alegou que a ré, ora recorrente, utilizando indevidamente referido estilo, elaborou
aberturas de novelas e outros programas. Pediu indenização.
A
definição do estilo cuja invenção é reclamada pela autora está neste parágrafo
da inicial:
Autorais?
"(...)
O estilo de arte de que Ana Pinto é precursora possibilita que um visual qualquer,
seja mostrado com qualquer desenho ou composição abstrata ou figurativa, que fora
batizado pelos críticos de arte
como fragmentismo. Hoje, quando se fala em
Ana Pinto, se fala em fragmentismo, estilo de arte desenvolvido pela artista tendo
como base o trabalho de utilização das cores, conforme ilustra vários recortes
de jornais em anexo (...)" (fl. 05)
A
questão a ser resolvida é: estilos estão ao abrigo da Lei dos Direitos O Art. 7º
da Lei 9.610/98 declina extenso rol de obras protegidas, sem restringi-las,
entretanto, àquelas expressamente indicadas.
Já
o Art. 8º relaciona o que não é objeto de proteção. Chamo atenção para os dois primeiros
incisos do referido artigo:
Art. 8º. Não são objeto de proteção
como direitos autorais de que trata esta lei:
I
-
as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou
conceitos matemáticos como tais;
II
-
os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios.
A
técnica objeto da controvérsia é apenas um meio, um procedimento, para a formação
de obras artísticas.
O
resultado da utilização da técnica é que tem guarida legal: somente se sujeita à
proteção intelectual a obra formada pela utilização do estilo (v.g., quadros, telas, fotos, filmes etc.),
individualmente considerada.
Se
a ré tivesse copiado, por exemplo, uma pintura feita pela autora, com a utilização
do estilo "fragmentismo", haveria, pelo menos em tese, utilização de obra
protegida.
Admitir
que a Lei ponha métodos, estilos ou técnicas dentre os bens protegidos seria tolher,
em absoluto, a criatividade.
Dou
provimento ao recurso especial para afastar as penalidades por litigância de má-fé,
indevidamente aplicadas pelo Tribunal local, e declarar improcedente o pedido indenizatório
formulado pela recorrida.
Fixo
os honorários em R$ 30.000,00, a serem pagos pela vencida (ressalvada a hipótese
do Art. 12 da Lei 1.060/50).
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2006/0248923-0 REsp 906269 / BA
Números Origem: 2525352002
653566722
PAUTA:
16/10/2007 JULGADO: 16/10/2007
Relator
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO GOMES
DE BARROS
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM
XAVIER TAVARES
Secretária
Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS
VELOSO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: TV GLOBO LTDA
ADVOGADOS
: JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S)
MÁRCIO
GOMES E OUTRO(S) RECORRIDO : ANA MARIA ATHAYDE CALDAS PINTO ADVOGADO : RUTH MARIA
GOMES PALHARES
ASSUNTO: Civil - Direito Autoral
- Violação - Indenização
SUSTENTAÇÃO
ORAL
Pela recorrente: Dr. José Perdiz
de Jesus
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu
do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília, 16 de outubro de 2007
SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
Secretária