RECURSO
ESPECIAL Nº 590.645 - SC (2003/0161447-3)
RELATOR : MINISTRO ALDIR PASSARINHO
JUNIOR
RECORRENTE
: PLASÚTIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PLÁSTICOS LTDA ADVOGADO : WOLFRAM EHRENHARD ECHELMEIER
E OUTRO(S) RECORRIDO : TRITEC INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PLÁSTICOS LTDA ADVOGADO :
DARWINN HARNACK E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL. PROPRIEDADE
INDUSTRIAL. DESENHO INDUSTRIAL PATENTEADO ("GUARDA-PÃO"). AÇÃO QUE
VISA IMPEDIR A PRODUÇÃO E POSTULA INDENIZAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM 2ª
INSTÂNCIA. EMPRESA GERIDA E DE CAPITAL MAJORITARIAMENTE PERTENCENTE AO TITULAR
DA PATENTE. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM
RECONHECIDA.
I.
A
empresa que explora produto baseado em desenho industrial cuja patente pertence
a seu sócio majoritário e administrador, tem legitimidade ativa ad causam para propor ação objetivando
coibir a usurpação empreendida por concorrente.
II.
Recurso
especial conhecido e provido, para determinar o prosseguimento da ação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos,
em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade,
conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão
e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 26 de maio de
2009 (Data do Julgamento)
MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Relator
RECURSO
ESPECIAL Nº 590.645 - SC (2003/0161447-3)
RELATÓRIO
EXMO. SR.
MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Adoto
o
relatório de fls. 61/62, verbis:
"Tritec
Indústria e Comércio e Plásticos Ltda. interpôs agravo de instrumento,
inconformada com a decisão interlocutória proferida nos autos da ação
indenizatória, promovida por Plasútil Indústria e Comércio de Plásticos Ltda.,
que rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam da agravada (fls.
45/46).
Afirmou
não estarem presentes as condições da ação, especificamente o interesse de
agir, porquanto a demanda fora proposta por quem não é titular da propriedade
do desenho industrial sub judice.
Aduziu
não existir prova nos autos da cessão de patente, sendo irrelevante o fato do
seu titular ser sócio da agravada.
Pugnou
pela concessão do efeito suspensivo e, ao final, pela reforma integral do decisum (fls. 02/49).
A
carga suspensiva almejada foi negada (fls. 53/54).
Regularmente
intimada, a agravada deixou fluir in
albis o prazo para apresentar reposta (fl. 57)."
O
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina deu provimento ao agravo, em
acórdão assim ementado (fl. 61):
"AGRAVO
DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - ACTIO PROMOVIDA POR PESSOA
JURÍDICA - ILEGITIMIDADE ATIVA AD
CAUSAM - ARTS. 3º E 6º, DO CPC - PROCESSO EXTINTO SEM
EXAME DO MÉRITO - AGRAVO PROVIDO.
Não
tem legitimidade para pleitear indenização por uso indevido de desenho
industrial a pessoa jurídica da qual é sócio o titular do direito violado."
Opostos
embargos declaratórios (fls. 69/70), foram eles acolhidos para condenar a
embargada (Plasútil) no pagamento de custas e honorários advocatícios
sucumbenciais (fls. 110/113).
Inconformada, Plasútil interpõe,
pelas letras "a" e "c" do autorizador constitucional,
recurso especial, alegando, em síntese, violação aos arts. 3º, 267, VI e 329 do
CPC, 75 e 159 do Código Civil anterior, e 44 da Lei n. 9.279/1996.
Sustenta a recorrente que o
sobredito art. 44 do Código de Propriedade Industrial assegura ao titular de
patente o direito de promover ação de reparação de danos pela utilização não
autorizada de desenho patenteado junto ao INPI, e que, no caso dos autos, ele é
sócio majoritário da empresa autora, uma sociedade por cotas de
responsabilidade limitada, e foi quem assinou a procuração outorgada pela
autora a seus advogados para promoverem a demanda. Assim, destaca, não há
qualquer oposição por parte do proprietário da patente, ao contrário, é do seu
expresso desejo que a ação seja promovida pela empresa.
Diz, mais, que quem está tendo o
prejuízo com a fabricação e comercialização ilícita dos produtos imitados pela
ré é a pessoa jurídica e não o titular da patente.
Invoca a recorrente dissídio
jurisprudencial.
O recurso especial, interposto
anteriormente ao julgamento dos embargos declaratórios da parte adversa, foi
devidamente reiterado, após, às fls. 115/116.
Contrarrazões às fls. 136/145,
alegando falta de prequestionamento e falta de cotejo analítico da divergência,
acentuando, quanto ao mérito, que a autora não é titular da patente, ausente
nos autos qualquer documento comprobatório de cessão ou licença para exploração.
Admissão do especial às fls.
149/150, nos termos do despacho presidencial da instância a quo.
É o relatório.
RECURSO
ESPECIAL Nº 590.645 - SC (2003/0161447-3)
VOTO
EXMO.
SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
(Relator): Cuida-se
de recurso especial, aviado pelas letras "a" e "c" do
autorizador constitucional, em que se discute sobre a legitimidade ativa ad causam da empresa Plasútil Indústria
e Comércio de Plásticos Ltda, para promover ação objetivando impedir a ré,
Tritec Industrial Ltda, a produzir e comercializar produtos derivados de
desenho industrial patenteado, também postulando indenização pelo seu uso
indevido.
O voto condutor do acórdão
objurgado, de relatoria do eminente Desembargador Wilson Augusto do Nascimento,
traz a seguinte fundamentação ao extinguir a ação (fls. 62/65):
"Analisando
o conjunto probatório, verifica-se existir certificado de propriedade, expedido
pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, em nome de Marco Antônio
Pereira da Silva, constando ser ele o titular, bem como o autor do desenho
patenteado (fl. 34).
O
art. 44 da Lei n. 9.279/96 assegura ao titular de patente o direito de promover
a competente ação civil de reparação dos danos oriundos da sua utilização não
autorizada. Preconiza: 'Ao
titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração
indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data
da publicação do pedido e a da concessão da patente'.
Depreende-se
do referido dispositivo, ser apenas o titular do certificado de registro de
desenho industrial, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial,
parte legítima para figurar no pólo ativo de ação indenizatória, cuja causa de
pedir seja a sua indevida utilização.
Sobre
a matéria, José Carlos Tinoco Soares leciona: 'o titular de uma patente tem o exclusivo
direito de impedir o uso da invenção por outras pessoas exceto quando ele
permite mediante contrato de licença' (Tratado
da propriedade industrial: patentes e seus sucedâneos. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 1.998. p. 721).
No
caso concreto, parte legítima para figurar no pólo ativo da ação de indenização
é o titular do certificado de propriedade, Marco Antônio Pereira da Silva, e
não a agravada, tendo esta pugnado pela prestação da tutela jurisdicional, em
nome de terceiros, sem autorização, falecendo-lhe, portanto, legitimidade ativa
ad causam.
Preconiza
o art. 3º do Código de Processo Civil: 'Para propor ou contestar ação é
necessário ter interesse e legitimidade'.
O
Tribunal de Justiça Catarinense, já decidiu:
'Agravo
de instrumento - Tutela ressarcitória - Actio deflagrada com ofensa a legitimidade
ativa ad causam -
Pleito recursal, por maioria, acolhido.
A
legitimidade constitui requisito básico para que seja viável a composição do
litígio através de pronunciamento estatal. Logo, só o titular de um direito
pode discuti-lo através de actio.
Estando em nome do anterior proprietário o veículo na ocasião do sinistro e
inexistindo prova incontroversa de precedente ato negocial, irrecusável é a
incidência do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil' (AI n. 7.742 -
Rel. Des. Francisco de Oliveira Filho).
É
irrelevante o fato do titular da patente ser sócio da recorrida. Cediço, salvo
casos excepcionais, não existe confusão entre a pessoa jurídica e seus sócios
ou instituidores, constituindo-se cada qual em sujeitos distintos, com direitos
e obrigações diversas.
Mutatis mutandis, esta Corte de Justiça decidiu:
'APELAÇÃO
CÍVEL - ILEGITIMIDADE DO SÓCIO PARA FIGURAR NO PÓLO ATIVO DA DEMANDA, NA QUAL
SE PRETENDE A COBRANÇA DE HONORÁRIOS DECORRENTES DE SERVIÇOS PRESTADOS E
CONTRATADOS PELA EMPRESA - INTELIGÊNCIA DA DISPOSIÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 20 DO
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO - CARÊNCIA DECRETADA - DESPROVIMENTO DO RECURSO' (ACV
n. 88.078585-7 -
Rel. Des. Solon d'Eça Neves). Ainda:
'REIVINDICATÓRIA
- AÇÃO DIRECIONADA CONTRA OS SÓCIOS DA FIRMA POSSUIDORA DA ÁREA REIVINDICANDA -
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
As
pessoas jurídicas são entidades autônomas, dispõem de patrimônio, denominação e
domicílio próprios, e são capazes de direitos e obrigações; por tal motivo,
detêm legitimidade para figurar em juízo, tanto ativa quanto passivamente, não
se confundindo com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento' (ACV
n. 98.003770-0 - Rel. Des. Eder Graf).
Ou:
'AÇÃO
ORDINÁRIA DE COBRANÇA - PLEITO MOVIDO CONTRA EMPRESA E CONTRA SÓCIA -
EMPRÉSTIMO EFETIVADO A UM DOS COTISTAS, IRMÃO DO MUTUANTE - VALOR UTILIZADO
PARA DESPESAS PESSOAIS - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - INDEFERIMENTO DA
PETIÇÃO INICIAL - CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA POR FUNDAMENTO DIVERSO.
A
legitimidade passiva ad causam decorre
necessariamente da relação jurídica que deve anteceder a ação judicial. Se o
acionado não se identifica com o devedor do débito reclamado, não tem o autor
possibilidade de cobrar-lhe dívida contraída por terceiro, pois falta àquele
legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, já que não pode dela
sofrer os efeitos (...)' (ACV n. 97.006551-5 - Rel. Des. Orli Rodrigues).
Diante
desta realidade, merece ser dado provimento ao agravo, mas por fundamento
diverso daquele constante das razões, haja vista ser a agravada parte ilegítima
para figurar no pólo ativo da ação indenizatória, impondo-se a extinção do
processo, sem exame do mérito, conforme preconiza o art. 267, VI, do Código de
Processo Civil, verbis:
'Extingue-se
o processo, sem julgamento do mérito:
(...)
VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade
jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; (...)'.
Registre-se,
não é possível alterar o pólo ativo da relação processual, com a inclusão de
Marco Antônio Pereira da Silva. Os princípios da economia e celeridade
processuais, sem dúvida, têm como objetivo a efetividade do processo, mas da
sua aplicação não pode decorrer afronta aos postulados básicos do processo
civil, máxime as condições da ação.
Ademais,
a substituição do pólo ativo causaria tumulto processual, porquanto necessária
a renovação de grande parte dos atos processuais, pena de nulidade, por afronta
ao contraditório e à ampla defesa. Assim, ao contrário de privilegiar a
celeridade e a economia processuais, o processo certamente violaria esses
princípios.
Ressalte-se,
a extinção do processo, sem julgamento de mérito, não acarretará prejuízos a
Marco Antônio Pereira da Silva, porquanto poderá ingressar em juízo, requerendo
a tutela do direito do qual é titular.
Pelas
razões expostas, dá-se provimento ao agravo, para, reconhecendo a ilegitimidade
ativa ad causam da
empresa Plasútil Indústria e Comércio de Plásticos Ltda., extinguir o processo
sem exame do mérito."
É
apontada pela recorrente Tritec ofensa aos arts. 3º, 267, VI e 329 do CPC, 75 e
159 do Código Civil anterior, e 44 da Lei n. 9.279/1996, além de dissídio jurisprudencial.
Tenho que as condições de
admissibilidade se acham presentes, seja em face do prequestionamento explícito
e implícito das normas suscitadas, como também satisfatoriamente demonstrado o
dissídio jurisprudencial no tocante ao tema.
E, adentrando no exame do
mérito, estou, com a máxima vênia, em que assiste razão à recorrente.
É certo que o art. 44 do Código
de Propriedade Industrial dispõe que:
"Art.
44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela
exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida
entre a data da publicação do pedido e a concessão da patente".
Ocorre,
todavia, que a norma não é excludente da mesma pretensão, quando a forma de
exploração da patente pelo titular se dá por intermédio de outra pessoa jurídica
em sua legítima substituição. E tal legitimidade há de ser aferida em
consonância com a situação encontrada pelo julgador.
No caso dos autos, é
incontroverso que a empresa autora, Plasútil Indústria e Comércio de Plásticos
Ltda. tem como sócio majoritário exatamente o titular da patente, e foi ele
próprio quem, por ela, outorgou procuração aos patronos da causa.
A sociedade limitada é uma
sociedade de pessoas, não de capital, pelo que constitui elemento essencial a
congregação dos sócios por suas características e qualidades individuais. Esse intuito personae não se revela apenas
entre eles, mas, muito certamente, entre a própria sociedade e cada um deles,
de modo que seus serviços, produtos, desempenho, tem a ver, diretamente, com a
sua estrutura social. Isso, é claro, quando sob a capa de uma sociedade
limitada não existe uma disfarçada sociedade de capital. Mas não é a hipótese
aqui tratada.
Então, nessas usuais condições,
quem está a explorar, concretamente, a patente em comento, é a empresa autora,
dirigida pelo proprietário da patente, que tem a maioria do capital social. A
patente vem integrando o patrimônio da empresa, ainda que não formalmente, e é
ela quem produz, com a efetiva participação do titular, o bem protegido
("Guarda-pão" registro INPI n. MI5600855-4) pelo Código de
Propriedade Industrial.
Inexiste, pois, razão para se
negar à autora a capacidade postulatória em juízo, no polo ativo da ação.
Apreciando situação semelhante, a
Egrégia 3ª Turma, em acórdão de relatoria da ilustre Ministra Nancy Andrighi,
inclusive em outra ação promovida pela mesma Plasútil contra outra empresa,
assim decidiu:
"Processual civil.
Comercial. Recurso especial. Ação indenizatória.
Imitação
de modelo industrial. Violação da propriedade industrial. Concorrência desleal.
Legitimidade ativa.
-
Aquele que se utiliza licitamente de desenho industrial, para fabricar e
comercializar produto, detém legitimidade para propor ação indenizatória contra
o contrafator, por violação à propriedade industrial ou por concorrência
desleal.
Recurso
especial provido."
(REsp
n. 466.360/SP, unânime, DJU de 20.10.2003)
Vale destacar do voto da
eminente relatora, o seguinte excerto:
"A controvérsia
consiste em saber se a sociedade empresária fabricante de um produto, cujo
registro de desenho industrial foi feito em nome do sócio majoritário, detém
legitimidade ativa para pleitear indenização por danos materiais e morais
contra aquele que imita ilicitamente o modelo registrado.
Ensinam
os doutrinadores que possui legitimidade ativa para a causa o titular do
interesse em conflito. Logo, é legitimado para pleitear reparação por danos
materiais e morais o prejudicado pelo ato ilícito.
Em
termos de propriedade industrial, a Lei 9.279/96 confere direito de propor ação
indenizatória ao 'prejudicado', conceito bem mais amplo do que o de 'titular do
registro ou patente'. Confiram-se os dispositivos legais a respeito:
'Art.
207. Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações
cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil.
Art.
208. A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria
auferido se a violação não tivesse ocorrido.
Art.
209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em
ressarcimento de prejuízos causados por atos
de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a
prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre
estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os
produtos e serviços postos no comércio.' (negritou-se)
Nesse
ponto, a Lei 9.279/96 está coerente com o princípio contido no art. 159 do
CC/16, que não faz qualquer restrição ao direito de indenização pelo prejuízo
causado por outrem.
Assim
sendo, aos dispositivos citados há de se dar interpretação ampliativa, quando é
evidente a intenção do legislador de proteger qualquer prejudicado pelos atos ilícitos enumerados na Lei
9.279/96. É dizer, 'onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir'
ou, como explica Carlos Maximiliano, 'Quando o texto dispõe de modo amplo, sem
limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos
particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista
explicitamente;' ('Hermenêutica e Aplicação do Direito', 17ª ed., Rio de
Janeiro, Forense, 1998, p. 247).
Assim,
desde que o autor da ação indenizatória consiga demonstrar, através da narração
do pedido e da causa de pedir, que foi realmente lesionado pela imitação ou
contrafação, é de se tê-lo como parte legítima para ingressar em juízo com o
intuito de obter indenização pelos prejuízos sofridos com a prática ilícita.
No
processo em exame, a recorrente foi efetivamente prejudicada com os atos
ilícitos praticados pela recorrida, embora não detivesse o registro do desenho
industrial do 'cesto com tampa'. Isso porque, em seu desfavor, ocorreu desvio
de clientela e perda do lucro da venda dos cestos que fabrica.
Vale
ressaltar que, em princípio, é o proprietário do registro do desenho industrial
quem sofre com o ato do contrafator, mas isso não impede que aquele que se
utiliza de forma lícita do desenho também seja prejudicado.
É
o que acontece no presente processo, já que se evidencia licitude na conduta da
recorrente de se utilizar do modelo industrial 'cesto com tampa'.
Realmente,
a recorrente vem fabricando e comercializando, a bastante tempo (ao menos desde
1995, quando feito o registro no INPI), o referido produto, registrado em nome
do sócio majoritário. A ação indenizatória foi ajuizada com a concordância do
sócio proprietário do desenho industrial, que assinou a procuração ad judicia (fl. 45).
Dessa
forma, a razão e a lógica autorizam que se considere a recorrente tacitamente
autorizada a utilizar o desenho industrial registrado em nome do sócio
majoritário.
Por
esse motivo, a imitação do 'cesto com tampa' por terceiro ofende interesses da
ora Recorrente, amparados pela Lei, o que a coloca na posição de prejudicada e,
conseqüentemente, de legitimada à propositura de ação indenizatória.
A
par disso, há outro motivo para se afastar a preliminar de ilegitimidade ativa
para a causa.
Lê-se
da petição inicial que o pedido indenizatório também se fundamenta na prática
de concorrência desleal. Essa conduta ilícita é distinta dos atos de violação
da propriedade industrial, segundo depreende-se da leitura do art. 209 da Lei
9.279/96.
O
STJ já teve a oportunidade de se manifestar sobre o conceito de concorrência
desleal. Vejam-se os seguintes precedentes:
'(...). A
CONCORRÊNCIA DESLEAL SUPÕE O OBJETIVO E A POTENCIALIDADE DE CRIAR-SE CONFUSÃO
QUANTO A ORIGEM DO PRODUTO, DESVIANDO-SE CLIENTELA.' (REsp 70.015/SP; DJ:18/08/1997; Rel. Min. Eduardo Ribeiro)
'(...) III
- A PROTEÇÃO DA MARCA TEM POR OBJETIVO A REPRESSÃO A CONCORRÊNCIA DESLEAL,
BUSCANDO EVITAR A POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO DO CONSUMIDOR QUE ADQUIRE
DETERMINADO PRODUTO OU SERVIÇO PENSANDO SER OUTRO, BEM COMO O LOCUPLETAMENTO
COM ESFORÇO ALHEIO.' (REsp 40.190/RJ;
DJ:29/09/1997; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)
Como
se vê, a concorrência desleal visa a confundir os consumidores para captar a
clientela do concorrente em locupletamento ilícito e com prejuízo para este
(que pode ser fabricante ou comerciante), dando ensejo ao ajuizamento de ação
indenizatória. Nesse sentido:
'MARCA.
DANO. PROVA. RECONHECIDO O FATO DE QUE A RÉ INDUSTRIALIZAVA E COMERCIALIZAVA
PRODUTO 'SABÃO DA COSTA', MARCA REGISTRADA DA AUTORA, QUE TAMBÉM FABRICAVA E
VENDIA O MESMO PRODUTO, DEVE-SE ADMITIR CONSEQÜENTEMENTE A EXISTÊNCIA DE DANO,
POIS A CONCORRÊNCIA DESLEAL SIGNIFICOU UMA DIMINUIÇÃO DO MERCADO. (...)' (REsp 101.059/RJ; DJ:07/04/1997; Rel.
Min. Ruy Rosado de Aguiar)
Importa
ressaltar que a concorrência desleal abrange atos bastante diversificados e
pode causar prejuízos a diversas pessoas, de muitas maneiras. A 'concorrência desleal não se
define e nem se especifica, posto que se apresenta sob os mais variados
aspectos, visando sempre atingir o industrial, o comerciante (entendido este em
seu sentido mais genérico, eis que entre os mesmos podemos incluir as pessoas
que praticam atividades profissionais e aqueloutras prestadoras de serviços),
tirando-lhes direta ou indiretamente a sua clientela, causando ou não
prejuízos' (SOARES, José Carlos Tinoco.
'Marcas vs. Nome Comercial: Conflitos', São Paulo, Jurídica Brasileira, 2000,
p. 366).
A
doutrina diferencia a ação de concorrência desleal da ação de contrafação (ou
de violação da propriedade industrial), pois esta é calcada na titularidade do
registro da propriedade industrial (direito real), enquanto aquela é
fundamentada na existência pura e simples do prejuízo (art. 159 do CC/16),
tratando-se de direito pessoal à indenização por perdas e danos (PAES, Tavares
P. R. 'Propriedade Industrial', 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 195).
Dessa
forma, nota-se que pode propor ação indenizatória por prática de concorrência
desleal o fabricante ou comerciante concorrente, prejudicado pela captação
ilícita de clientela, não se conferindo legitimidade ativa somente ao titular
do registro ou da patente.
Conseqüentemente,
no presente processo, o fato de a ação pautar-se também na alegação de
concorrência desleal é mais um motivo para que não se possa considerar parte
ilegítima para a causa a ora recorrente, já que o ato ilícito descrito na
inicial é capaz de prejudicá-la diretamente."
Destarte,
verifica-se que as normas são amplas em resguardar o direito ao ressarcimento
de quem é o prejudicado efetivo, e este, aqui, é, induvidosamente, a pessoa
jurídica autora, Plasútil, que explora, legitimamente, a patente, e cuja
maioria do capital social e administração pertencem à pessoa física titular do
desenho industrial em questão.
Nesses termos, é legitimada a
empresa para a ação, de sorte que o não reconhecimento dessa condição pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina terminou por violar os arts. 3º
e 267, VI, do CPC, além de dissentir da melhor orientação dos arestos
paradigmáticos colacionados, também em processos em que figura como autora a
Plasútil (fls. 86/101).
Ante o exposto, conheço do
recurso especial e lhe dou provimento, para, em consequência, determinar o
prosseguimento da ação. Custas pela recorrida.
É como voto.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO QUARTA TURMA
Número
Registro: 2003/0161447-3 REsp 590645 /
SC
Número Origem: 20020188366
PAUTA:
26/05/2009 JULGADO: 26/05/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO
GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU
GUIMARÃES
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA
BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: PLASÚTIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PLÁSTICOS LTDA ADVOGADO : WOLFRAM EHRENHARD
ECHELMEIER E OUTRO(S) RECORRIDO : TRITEC INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PLÁSTICOS LTDA
ADVOGADO : DARWINN HARNACK E OUTRO(S)
ASSUNTO: Civil - Propriedade
Industrial - Patente
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade,
conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de
Noronha, Luis Felipe Salomão e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília, 26 de maio de 2009
TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária